Essa é a terceira parte de uma série de quarto artigos sobre a história da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Clique para Parte I, Parte II, e Parte IV.
Vocês não podem imaginar o que a negligência do governo com as favelas fez com esta cidade. É a falência do poder público.
– José Mariano Beltrame, Wikileaks, 2009
Com uma estratégia de policiamento que claramente não vinha resolvendo os problemas da violência nas favelas do Rio de Janeiro, uma mudança de política era necessária. Possibilidades alternativas de policiamento já haviam sido exploradas anteriormente de diversas formas, mas sempre faltou apoio político, social e econômico para terem qualquer sucesso.
De fato, várias tentativas de implementação de programas de policiamento comunitário antecederam o programa das UPPs, lançado em 2008. O mais antigo defensor, do alto escalão do governo, de uma abordagem alternativa foi Nazareth Cerqueira, Chefe da Polícia Militar durante os dois governos de Leonel Brizola (1983-1987 e 1990-1994), que tentou alterar a forma como a polícia lidava com as favelas. Em uma abordagem pioneira, durante seu primeiro mandato como comandante, Nazareth utilizava documentos de policiamento comunitário traduzidos do inglês e incluídos em manuais de treinamento policial, encorajando troca para que os chefes de polícia brasileiros pudessem ver como outros países funcionavam.
Durante o segundo mandato de Cerqueira como comandante da Polícia Militar, a instituição lançou o GAPE (Grupamento de Aplicação Prático-Escolar) no Morro da Providência, um programa inovador que garantiu a presença constante da polícia no comunidade, realizando o trabalho da polícia regular. Os oficiais envolvidos eram muitas vezes novos recrutas que tinham sido especificamente treinados na metodologia de policiamento comunitário. Em 1994, um outro projeto de policiamento comunitário foi implantado em Copacabana, com o principal objetivo de prevenir e mediar conflitos dentro do bairro. No entanto, logo ficou claro que a política de segurança pública “cerquerista” não poderia competir com as tendências violentas da Polícia Militar em outras partes da cidade.
Outro pensador progressista, e uma das pessoas mais visionárias envolvidas na segurança pública no Rio de Janeiro na virada do milênio, foi Luiz Eduardo Soares. Ele há muito tempo vinha criticando a estratégia violenta utilizada pela Polícia Militar carioca, reconhecendo que esta estava causando o crescimento cada vez maior do abismo entre o Estado e certos setores da sociedade. Em 2000, ele ajudou a implementar o GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais), no Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, com o objetivo de aproximar a polícia à comunidade e tentar eliminar alguns dos principais problemas (corrupção, violência e abuso de poder) que se tornaram institucionalizados dentro da força policial. Os três objetivos principais do GPAE eram: reduzir o acesso a armas de fogo e porte de armas aberto, manter jovens fora de uma vida no crime, e eliminar as práticas violentas da Polícia Civil e Militar. O GPAE era em teoria um excelente conceito, que conseguiu o impensável ao reduzir a zero a taxa de homicídios no primeiro ano, e, inicialmente, foi apoiado pela comunidade. Após este sucesso inicial, o projeto foi ampliado para incluir programas similares nas favelas da Formiga, Chácara do Céu, Morro do Cavalão, em Niterói, e Vila Cruzeiro. No entanto, após um período curto de lua de mel, o programa foi atormentado pelas dificuldades que muitos projetos comunitários enfrentam. Os diretores não tinham a formação necessária e, portanto, nunca se identificaram com o programa, muitos questionavam a sua abordagem, e ele nunca foi totalmente apoiado pela administração do Estado. O policiamento comunitário exige um enorme investimento de funcionários, materiais, tempo e dinheiro, e por muitos anos o Estado não estava disposto a investir nesses recursos.
Então, por que a UPP, a mais recente tentativa de policiamento comunitário no Rio de Janeiro, teve sucesso quando outras tentativas haviam falhado? Uma combinação de mudança na percepção pública de como a polícia deveria lidar com as favelas, apoio da mídia, e o anúncio de que o Rio seria o anfitrião dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo, juntos, ajudaram na implementação do programa. Outro fator importante foi o clima político: Eduardo Paes e Sérgio Cabral, Prefeito e Governador do Rio, respectivamente, representam o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e os presidentes anteriores e atuais, Lula e Dilma, são membros do Partido Trabalhista (PT), aliados mais próximos do PMDB. Este alinhamento político foi extremamente importante no desenvolvimento de um plano coerente. Finalmente, a economia crescente do país e seu consequente envolvimento no mercado global tornaram o Brasil foco de pressão cada vez mais intensa de grupos de direitos humanos. Isto, combinado com a crescente pressão da mídia internacional em vista à estatísticas cada vez mais chocantes de violência no país levaram o Estado a, pela primeira vez, considerar uma nova solução mais abrangente para o problema.
O programa das UPPs foi lançado em dezembro de 2008, com a primeira unidade no Morro Santa Marta. De acordo com o site oficial da UPP, os objetivos principais do programa são os seguintes: 1) recuperar o controle de territórios anteriormente dominados por facções armadas e estabelecer o regime democrático de direito nesses lugares; 2) garantir a paz para essas comunidades; e 3) ajudar a quebrar a lógica da guerra existente no estado.
Em vez de incursões de guerrilha favorecidas por outras unidades da Polícia Militar, onde policiais entram, atacam e depois vão embora, o ‘policiamento de proximidade’ prometia 24 horas de contato com as comunidades. O objetivo da UPP nunca foi o de eliminar o tráfico de drogas; as autoridades perceberam a impossibilidade desta tarefa. Em vez disso, por meio do programa, o Estado tinha como objetivo recuperar alguma medida de controle sobre as comunidades que tinham sido efetivamente perdidas ao longo das décadas anteriores, e tentar reconquistar a confiança dos habitantes desses lugares.
Embora as unidades da UPP estivessem administrativamente vinculadas a um Batalhão da Polícia Militar, a natureza e o pessoal da UPP eram muito diferentes. Cada funcionário deveria ser treinado especificamente em técnicas de aproximação com a comunidade, e dada uma educação básica em direitos humanos. Os policiais da UPP são muito menos ostensivamente armados: eles ainda carregam armas, mas estas estão longe de ser as armas de calibre de guerra usadas pelo BOPE. O treinamento no uso destas armas é fornecido, mas é enquadrado na ideia de que a violência é uma medida de emergência, em vez de um primeiro recurso. Policiais da UPP são em grande parte recrutas mais recentes e mais jovens, de modo a limitar as ligações com as práticas de corrupção das gerações anteriores. No topo dessas unidades está um capitão responsável pela construção e manutenção de um diálogo com a comunidade baseada na comunicação democrática.
Quarenta unidades da UPP foram prometidas até 2016 e, em teoria, com o amplo apoio conseguido de vários setores da sociedade, o programa UPP parecia ter uma melhor chance, do que qualquer dos seus antecessores, de criar impactos positivos duradouros para a segurança pública da cidade. No entanto, apesar dos sinais promissores, o programa encontrou vários problemas desde a sua implementação e está atualmente enfrentando um momento crítico em seu desenvolvimento.
Essa é a terceira parte de uma série de quarto artigos sobre a história da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Clique para Parte I, Parte II, e Parte IV.
Patrick Ashcroft é pesquisador e atualmente vive no Rio de Janeiro. Sua dissertação sobre as Unidades de Polícia Pacificadora do Rio (UPPs) foi concluída como parte de seu mestrado em História Contemporânea pela Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.