Cíntia Luna, 35 anos, atual presidente da Associação dos Moradores Unidos de Santa Teresa-AMUST realiza um papel de liderança no desenvolvimento da associação durante os últimos oito anos. Moradora de longa data do Fogueteiro, uma das favelas localizadas em Santa Teresa, no centro do Rio de Janeiro, Cíntia cresceu na comunidade e se lembra de sua infância, quando o desenvolvimento começou a ocorrer na comunidade. Cíntia e outros membros da comunidade recriaram a associação quando viram que as comunidades queriam e necessitavam de mudanças, dado que a primeira associação terminou há mais de vinte anos. Em nossa entrevista com Cíntia, conversamos sobre sua história na comunidade, seu papel como presidente da AMUST, as mudanças que ela realizou na comunidade e suas esperanças para o futuro do Fogueteiro.
ROW: Por favor, conte sobre a sua história em relação à sua trajetória como gestora social. O que te levou a se engajar na AMUST? Teve um evento ou acontecimento específico que te levou ao engajamento? Como foi essa história?
Na verdade, tem uma história sim: a gente bateu muito papo na rua falando nas coisas que poderiam ter aqui, as coisas que poderiam mudar. E a gente questionava na época que não tinha uma associação de moradores, a associação não existia mais. Já havia existido, foi interrompida e nos queríamos começar de novo. Então, a gente iniciou essas conversas, e o grupo Unidas começou o processo. Então, formamos uma chapa e pegamos a situação. A gente fez naturalmente, como brincadeira, e acabou que aconteceu e já se passaram oito anos. E eu acho que mudaram muitas coisas, melhoramos o que foi possível. Para a gente uma mudança muito pequena, porque ainda tem muitas coisas para mudar, mas porque não tinha nada antes, foi uma mudança significativa. Então várias coisas aconteceram nesses oitos anos. Antigamente, nos éramos dez pessoas. E no final terminamos com três. Todo mundo já se sentia bem cansado. E é muito difícil arregimentar mais pessoas. A gente passa e muitas pessoas criticam. Para oferecer uma solução não tem ninguém.
ROW: Teve eleição? Como foi?
Teve uma eleição, em outubro do ano passado e este ano vai ter outra. Mas mesmo com pouco apoio, eu acredito que há pessoas que vão querer, que têm vontade de mudar, e as questões estão mudando.
ROW: O que você faz hoje como Presidente da AMUST? Qual é o seu papel?
As pessoas confundem muito o papel do presidente da associação da moradores, eu acho que as pessoas acham que o presidente é advogado, juiz, que é da Prefeitura, que é do Estado, e acham que a gente tem poder de fazer tudo, mudar tudo e não é simples assim. Mas a definição do papel é de apenas receber as demandas da maioria dos problemas que acontecem na comunidade e passar para as autoridades que tem poder de tomar as providências, e também recepcionar essas mesmas autoridades a fim de organizar o trabalhos deles aqui dentro.
ROW: Qual tem sido a sua maior realização como Presidente da AMUST até hoje?
Na verdade, foi o projeto Boa Safra que foi criado por nós mesmos, e a gente sustenta até hoje com voluntários. Há muitas crianças e adolescentes, muitos deles encaminharei para empregos. E acho que o que dá mais orgulho para a gente é esse trabalho que fizemos com as crianças que hoje são jovens, e a gente continua ainda com isso. Nosso enfoque maior é com as crianças e os jovens.
Nós temos aulas de luta-livre, aulas de capoeira e de futebol. Nós fomos campeões do time feminino de futebol, em um campeonato grande pela causa das favelas, a gente participou com várias comunidades do Rio de Janeiro (Taça das Favelas). Nós temos esse trabalho com futebol feminino a gente recebeu convite para várias meninas irem jogar em Portugal e na França. Esse trabalho foi focado mais para o esporte e também pra educação. Porque todos eles têm que ir para a escola e tem todo um processo. Temos uma influência boa nessas crianças e também nos adolescentes. É legal.
ROW: Quais têm sido os maiores desafios que você têm vivido como Presidente da Associação?
Eu acho que o maior desafio foi a implementação da UPP. Foi em 2011, três anos agora. E também eu acho que um grande desafio é o relacionamento entre a UPP e a comunidade. É o maior desafio. Porque nesse momento os moradores estão confusos com o nosso papel também, eles acreditam que temos o poder de mudar o capitão da UPP e as fronteiras policias.
ROW: Com respeito à UPP, a comunidade estava a fim de receber? E como é que o projeto tem se manifestado na comunidade? Quais os pontos altos e baixos? Como você avalia o impacto?
Eu acredito que a maioria das pessoas são a favor da implementação da UPP, não pela forma que os policias trabalham, e sim pela mudança. Agora temos menos exposição do armamento, hoje em dia as crianças não tem aquela visão de arma de fogo tão próximas que tinha antes, eles tinham uma visão de guerrilha. E hoje em dia, a gente não tem essa visão apesar de tudo. As crianças sabem que tudo continua mais ou menos como antes. A princípio o projeto da UPP não é um projeto ruim, a ideia foi muito boa, mas com essa evolução eu acredito que agora que eles estão perdendo força, estão perdendo credibilidade, foram muitas muitas falas. Creio que o governo não quer ter policiais bandidos mas existam muitos policiais bandidos. Então isso corrói o bom funcionamento de qualquer programa policial. É isso, eu acho que a UPP tem seus prós e muitos contras.
ROW: O que você faria se pudesse mudar as coisas com o UPP?
Se pudesse mudar alguma coisa seria nessa total credibilidade na versão policial. Na polícia tem uma coisa chamada dupla-fé-publica, ou seja o que o policial diz tem duas vezes mais peso do que qualquer cidadão. Então significa que se eu não tiver drogas, mas se algum policial dizer que eu estou com drogas, pela justiça a palavra dele tem mais peso. Então essa dupla-fé-publica é uma credibilidade muito grande que é depositada na polícia, no policial, não na policia instituição mas no policial, e a gente tem os maus policiais que vão usar isso contra a população carioca, o que fazem hoje dentro das comunidades onde a grande maioria são negros e que são vitimados com prisões arbitrárias e totalmente erradas. Ainda tem muita coisa para mudar.
ROW: Como que os moradores têm recebido você e seu trabalho?
Hoje em dia, eu acho que eles não estão mais satisfeitos. Porque chega um momento em que a gente não tem mais o que fazer. Tem muitas coisas que não tenho como mudar. Estamos no ano eleitoral. Nesse ano temos os oportunistas e neste ano o governo não faz nada porque tudo que ele quer fazer pode ir contra ele, porque é ano eleitoral. Então a gente fica numa situação em que o morador não entende que não tem nada que se possa fazer. Os moradores querem ver resultados, mas isso só acontece se eles também participarem das coisas da comunidade. Então eu acho assim que estamos com um desgaste a frente.
ROW: O que te mantém dedicada à este trabalho depois de tanto tempo?
Eu gosto de ajudar quando é necessário, talvez seja isso. É difícil porque as vezes a gente não tem motivação financiara, mas eu tenho a motivação do apoio às pessoas.
ROW: Qual é o seu ideal para o Fogueteiro?
Eu acho que o Fogueteiro vai continuar em parte desse jeito, e caminhando como o Brasil. Eu espero que as pessoas acordam e vejam que não existe um futuro com uma pessoa só. Existe um futuro com o coletivo. Se as comunidades do Rio de Janeiro se unissem, mudariam o Rio de Janeiro, porque somos a maioria, mas a maioria do morro é ignorante e não conhece o potencial que tem. Eu espero que a população do Fogueteiro acorde e tome a iniciativa para gritar mais forte.
ROW: Finalmente, o que você passaria como o recado mais importante para um jovem frustrado com o estado das coisas ou interessado em se engajar com questões sociais?
Que ele transforme toda a frustração dele, raiva, ira, em conhecimento. Porque só com conhecimento que ele vai conseguir lutar. Se ele se revolta sem conhecimento ele só é mais um para entrar na estatística.