The Accidental Playground: Brooklyn Waterfront Narratives of the Undesigned and Unplanned (Parque Acidental: Narrativas Sobre a Orla Marítima do Brooklyn Não Projetada e Não Planejada) por Daniel Campo relata as histórias de quem frequentava o Terminal do Distrito do Leste de Brooklyn (BEDT), uma propriedade baldia à beira-mar na seção Williamsburg do Brooklyn, Nova Iorque. Local onde as pessoas estavam livres para criar suas próprias experiências recreativas, artísticas e cotidianas, não disponíveis nem permissíveis num ambiente típico de parque. Através de entrevistas improvisadas, observações, fotografia e videografia coletadas no início dos anos 2000, o urbanista e professor associado Daniel Campo, juntamente com Brian Dworkin, Dan Wallenstein e Brandon Beck, estudou este parque informal e as maneiras pelas quais as pessoas moldam e ajustam o ambiente disponível para melhor satisfazer suas necessidades, fantasias e desejos únicos. Com este modelo “faça você mesmo” em mente, o autor se esforça para criar um diálogo entre o vernáculo e o planejado, o projetado e o não-projetado, o deliberado e o acidental.
Campo narra o processo da transformação do local no Parque Estadual East River (ERSP) como existe hoje, com a espontaneidade do ‘unpark’ (não parque) na orla dissolvendo-se num espaço urbano formal que é governado por um conjunto tradicional de normas, regras e regulamentos. A administração do Parque Estadual, governadores, prefeitos, autoridades municipais, promotores imobiliários, empresas industriais, uma universidade, bem como moradores e ativistas locais, a certa altura, estiveram todos envolvidos no processo de remodelação do BEDT, lutando e planejando para um futuro grande e lucrativo. Durante esta mesma época, usuários e recreadores foram simplesmente ocupando o terminal abandonado na sua forma baldia, recuperando o local como um lugar para experimentação, criação, prática e recreação.
Há uma firme compreensão de que tal local não pode ser reproduzido novamente em outros lugares, devido à sua história evolutiva particular e um conjunto de condições externas, assim, tornando-se verdadeiramente um parque acidental. Campo, no entanto, usa a orla como um exemplo para urbanistas, profissionais de design, acadêmicos e cidadãos para considerar o valor de tais espaços informais e marginais, e para incentivar a incorporação de suas qualidades incompletas e fortuitas em práticas atuais de design de espaço público.
Durante vários capítulos, Campo fornece uma perspectiva pessoal sobre as pessoas que ele encontra na BEDT. Skatistas, malabaristas de fogo, artistas, cineastas, moradores, desabrigados e uma banda que, coletivamente, se apropriaram da orla. Sua expansividade, afastamento e acesso sem custo, a qualquer hora, os forneceram uma oportunidade de fazer o que quisessem, a seu próprio risco. A mentalidade insurgente leva Campo a descrever a orla como um espaço de sobra, outro espaço, espaço na margem, espaço secreto, espaço selvagem, espaço perdido, espaço achado e espaço proibido.
Ele argumenta que é da natureza humana utilizar e explorar um local onde o acesso é proibido ou desencorajado. Como os lugares vagos são normalmente subvalorizados e raramente reconhecidos pelas qualidades potencialmente vitais, Campo elabora, “O não-projetado estimula nossa imaginação e excita nosso desejo de exploração, brincadeiras, surpresa e interação íntima com os mundos ambos físico e social que atraem todos nosso sentidos e instintos”. Então, uma ética de auto-suficiência é ensinado ao longo de cada relato, algo que não existe na configuração de um parque urbano formal.
O ‘unpark’ demonstra que os recreadores cotidianos podem se engajar na criação de seu próprio lugar, vendo suficientemente suas próprias necessidades e desejos sem a interferência de forças de planejamento de cima para baixo. A orla demonstra o valor no planejamento interino, uma construção da técnica de pagamento pelo uso, que abraça a incompletude e o desconhecido. Assim, BEDT satisfaz o impulso humano básico de “modelar e remodelar, organizar e reorganizar, e destruir e reconstruir”. Seus usuários se engajam em atos construtivos e destrutivos, explorando a maleabilidade da natureza para se envolverem em novas práticas espaciais criativas. Portanto, Campo encoraja uma mudança do design tradicional paisagístico Olmstediano e as tradições da Cidade Bela, que separa a atividade humana e a natureza por criar uma paisagem ‘natural’ intocada feita para ser aproveitada de longe. A orla Williamsburg encapsula espaço insurgente, sua informalidade dando lugar a usos múltiplos e simultâneos, alcançados por meio de táticas de design “faça você mesmo” sucedidos e organização coletiva.
Campo observa que as condições em campo são sempre sujeitas a usos competitivos, e condições marginais são geralmente temporárias. Como no caso da orla, a parcela de terra subutilizada que ostentava vistas magníficas da Cidade de Nova Iorque não ficaria subdesenvolvida por muito tempo em um bairro passando por gentrificação rápida. Foi o resultado de várias circunstâncias que as autoridades estaduais de Nova Iorque, eventualmente, aceitaram a paisagem acidental do terminal. Embora, o ERSP ainda foi vítima das forças dominantes limitando seu uso e desenvolvimento vernáculo, incluindo mercantilização, privatização, segurança, vigilância e programação rígida. A governança e controle rigorosos em nome da prevenção de risco também limitou a dinâmica social do parque, fazendo-o perder suas qualidades ad hoc.
Características semelhantes do uso do terminal em Nova Iorque podem ser vistas através da apropriação de espaços públicos informais do Rio. Espaços livres são muito requisitados na favela, onde a potencial rentabilidade de desenvolvimento aparentemente supera os benefícios de reter um pedaço de terra vazio com seu próprio potencial de tornar-se um espaço cívico multi-uso. Como tal, a existência de espaço livre é normalmente temporária, para ser aproveitada por um período de tempo curto, até que seja novamente assumido para outro uso. Em um passeio ao Complexo do Alemão, testemunhei pessoas ocupando um estacionamento que tinha sido criado depois da demolição de casas, pelo governo, como parte do esquema de alargar a estrada. Por enquanto, entre os carros estacionados, é um espaço de lazer recuperado onde as pessoas colocam cadeiras de plástico para tomar uma cerveja e bater papo, enquanto as crianças brincam e jogam bola. Espaços públicas nas favelas se desenvolvem informalmente, surgindo dos lugares que sobram na paisagem urbana, e os moradores frequentam estes lugares como parte da experiência cotidiana.
A orla de Williamsburg, em seu estado decadente e abandonado, forneceu uma oportunidade de fato para as pessoas construírem, criarem, destruírem e recriarem o ambiente num lugar, fora das expectativas e dos limites da experiência urbana convencional. Esta sensação de liberdade atraiu as personagens ecléticas do BEDT, e deu nova vida ao terminal. O local combinou atos de diversão estranhos, a vida cotidiana e encontros acidentais, algo que pode ocorrer espontaneamente dentro dos espaços informais das favelas na forma de uma festa de rua. Ao criar um elemento de surpresa e casualidade, o informal é inconsistente e Campo adverte que não deve ser romantizado. No entanto, ele argumenta que os elementos de design ad hoc devem ser incorporados no processo de design formal. Deixando o “como” e o “por que” aos visitantes cria oportunidades de auto-descobrimento e regeneração.
Porque as práticas profissionais são normalmente dirigidas a design concluído e aperfeiçoado, Campo argumenta com o exemplo do BEDT que há algo a ser aprendido com o vernáculo, bem como a técnica de design incremental. Esta coleção de narrativas contribui para a literatura sobre espaços públicos informais e o valor de formas urbanas não planejadas nas cidades.