O despejo mais brutal do Rio “para a Copa do Mundo”
Já estamos chegando nas semifinais da Copa do Mundo, e no Rio os jogos estão sendo realizados no estádio do Maracanã, menos de 500 metros do que antigamente era a Favela do Metrô. Mas a comunidade não foi transformada em estacionamento para o Maracanã nem faixa comercial com complexo de oficina mecânica e parque, as intenções rumores da prefeitura. Não foi transformada em nada.
Já se passaram quatro anos desde quando a Favela do Metrô, também conhecida como Metrô-Mangueira, foi ameaçada pela primeira vez por autoridades municipais. A comunidade foi a primeira a ganhar visibilidade internacional pela dureza do processo de despejo começando em 2011. RioOnWatch tem seguido a situação prolongada na Metrô desde as demolições iniciais em novembro de 2010, a resistência subsequente dos moradores à deterioração das condições de vida, o resultado para aqueles que foram removidos para longe, as dificuldades contínuas para os moradores ainda morando entre escombros que aguardavam moradia, e o despejo violento daqueles que ocuparam a área em janeiro deste ano.
De uma comunidade funcional a escombros
Em novembro de 2010, quando começaram as demolições, 700 famílias moravam na Favela do Metrô. Apenas alguns meses atrás—mais de três anos depois—foram demolidas as casas restantes, deixando montes de entulho, lixo, brinquedos de criança e pedaços de móveis empilhados em lotes agora vagos. RioOnWatch conversou com Eomar Freitas, um dos últimos moradores a sair da Metrô. Com uma barba preta espessa e olhos cintilantes, Eomar falou de trás do balcão do seu barzinho. O seu é um dos últimos botecos em uma área que antigamente tinha 12 bares e 126 pequenos negócios.
Após o primeiro turno de demolições, dispersas esporadicamente por toda a comunidade, as condições de vida na Metrô se deterioraram rapidamente. Descrevendo o que era viver na Metrô durante o longo processo de remoções e demolições, Eomar disse: “A gente [eu e a minha mãe] estava dormindo aqui, e o pessoal da prefeitura trabalhando, quebrando a casa do lado. Então a nossa situação ficou precária. Começamos a ter assaltos, usuários de droga começaram a aparecer”. Eomar elaborou secamente, “Geralmente se fala em Sexo, Droga, e Rock e Roll. Nós tivemos o sexo e a droga, menos o Rock e Roll”.
Além da nova presença de usuários de drogas, prostitutas e pessoas sem-teto, os prédios demolidos da Metrô logo abrigaram infestações de ratos e mosquitos da dengue. A Prefeitura deixou de recolher lixo por completo, tornando as condições cada vez mais difíceis de suportar para quem queria ficar. Enquanto as condições pioravam, autoridades municipais citaram os mesmos efeitos de saúde criados pelas demolições iniciais para justificar novas remoções.
Em janeiro deste ano foi realizado o ciclo mais recente de remoções, com centenas de pessoas que ocupavam as propriedades semi-demolidas violentamente despejadas pela polícia. Aparecendo nas notícias internacionais, a polícia utilizou balas de borracha, spray de pimenta, gás lacrimogêneo e bombas de flash durante os despejos; nenhuma explicação ou recurso foi oferecido. Apesar de que o Prefeito Eduardo Paes prometeu pessoalmente que ninguém da Metrô estaria deixado desabrigado, as pessoas que foram removidas neste janeiro passado foram expulsas sem opção de reassentamento ou indenização.
A vida em nova habitação pública
Entre 2010 e 2014, diferentes etapas de resistência e remoções levaram resultados completamente diferentes. Aqueles que resistiram por mais tempo receberam as melhores ofertas do governo, com os últimos moradores originais, como Eomar e sua mãe, sendo reassentados nos prédios vizinhos, Mangueira 1 e 2, originalmente projetados para moradores de renda mais elevada. Em contraste, aqueles que foram os primeiros a sair, a maioria idosos ou em situação frágil, foram reassentados no bairro de Cosmos na Zona Oeste, há duas horas ou 75km de distância.
Enquanto garantir o reassentamento na Mangueira 1 e 2 indica a eficácia de resistência às remoções, muitos estão infelizes com ambos a falta de comunidade e o encargo financeiro de morar ali. Questionado se ele preferia sua antiga casa ou sua situação atual de habitação pública, Eomar não hesitou: “Olha, eu preferiria a minha casa. Minha casa tinha um terraço, a gente fazia churrasco… eu preferiria minha casa. A casa era feia, era. Mas era minha. Ali não posso dizer que é a minha ainda”.
Na Mangueira 1 e 2, o governo está cobrando R$99 por mês para condomínio e água, e a luz e gás são custos adicionais. O custo de vida é duas vezes maior do que era na favela, e segundo Eomar, “Tem muita gente não conseguindo pagar as contas”.
Assistindo o jogo de futebol numa mesa pequena, um dos poucos clientes do bar comentou. Ele explicou que, apesar dos custos mais altos, as pessoas estão frustradas geralmente com a má qualidade de construção na Mangueira 1 e 2. “O chão é como o daqui, mas lá, se você tenta mexer com ele, a coisa inteira sai. A gente tem medo de colocar pregos nas paredes pois eles podem atravessar”. Os apartamentos de 40 metros quadrados são menores que as antigas casas de muitos moradores na favela. Perguntado como sua situação atual compara com sua antiga casa na Metrô, tudo que ele tinha a dizer era, “é pior”. Dificilmente uma resposta animadora, particularmente porque o prédio do qual se trata é um “exemplo” de habitação pública do Rio.
Sem transparência sobre os motivos de despejo
Pode-se supor que o governo deve ter um motivo muito bom para esforçar-se tanto para remover a Favela do Metrô. Mas a Prefeitura até hoje não ofereceu uma explicação consistente para essas remoções, ao invés disso fazendo promessas conflitantes ao longo dos últimos quatro anos. O rumor mais persistente foi que o governo queria transformar a Metrô em um estacionamento para o Estádio do Maracanã para a Copa do Mundo. Eomar relatou, “Além disso, houve muitas estórias. E agora também. Estão dizendo que estão fechando ali para fazer estacionamento… Mas isso não é certeza. O pessoal que trabalha aqui comenta”.
Há duas semanas, os trabalhadores da Secretaria Municipal de Obras começaram a trabalhar no limite mais distante da Metrô. Mais uma vez, os empresários e ex-moradores não foram informados sobre esta nova construção. Quando aproximado, um dos trabalhadores disse que a área vai ser um “estacionamento para as Olimpíadas”. Isso contradiz o decreto municipal de setembro do ano passado, que declarou que a área se tornaria um complexo de oficinas mecânicas e um parque. Esta mudança de história mais recente reflete a falta de vontade do governo a admitir que até agora não foi produzido nenhum resultado, apesar de ter gerado algumas das remoções mais desumanas dos últimos anos.
Os trabalhados da Secretaria Municipal de Obras presente na Metrô representa apenas uma fração de 2.000 pessoas empregadas pela Prefeitura para realizar demolições e construção em nome da Prefeitura. Muitos desses trabalhadores moram em favelas. Questionado sobre como ele se sentia em relação a realizar as demolições de casas de moradores em outras comunidades, um trabalhador respondeu: “É constrangedor”.
A pressão sobre as empresas para sair
Do lado da Metrô, os proprietários das micro-empresas ainda abertas, principalmente lojas de peças de automóveis e oficinas mecânicas, estão fazendo seu melhor para permanecer abertas. Para Eomar, o negócio “caiu 95 por cento” porque seus clientes eram os moradores da Metrô, e outros empresários não estão se saindo muito melhor. Embora o decreto municipal sobre a utilização de espaço na Metrô confirma o direito destas oficinas mecânicas a permanecer como parte de um menor “Parque Linear Automotivo Metrô-Mangueira”, a Prefeitura está ativamente tentando empurrar as empresas para fora. Todo dia, um oficial vem multar todos os carros estacionados na rua sendo atendidos pelas oficinas. Estas multas variam de R$85, se forem pagas imediatamente, a R$127-130, se forem contestadas.
Eomar compartilhou sua própria experiência com essa nova tática. Em um momento durante as demolições, entulho tinha caído no seu carro, então ele o mudou para a rua. Foi multado prontamente. Para empresários que já estão sofrendo de renda em declínio e habitação mais cara, estas multas são uma ameaça grave à sua capacidade ao longo prazo de se manter à tona.
Antes que saímos, Eomar indicou dois pôsteres de futebol pendurados atrás dele–Cristiano Ronaldo de Portugal e Lionel Messi da Argentina–sem nenhum jogador brasileiro nem cores da seleção à vista. “Isso é o que eu sinto em relação à Copa.”
Eomar teve mais uma observação arrepiante. “Quer dizer, muitos moradores que moravam aqui, valem menos do que um estacionamento.” Um estacionamento que, entrando na reta final da Copa do Mundo, nem foi construído.