Hoje acordei pensativo e refletindo sobre o que está havendo na minha favela. Comecei a perceber que nos induziram a pensar que a paz estava bem próxima de cada um de nós. Lêdo engano.
Os últimos acontecimentos têm mostrado, estão nos levando a crer, que houve uma falha incorrigível. Na minha humilde visão foi esquecido o personagem central de todo esse projeto chamado UPP: o ser humano, os moradores das áreas que deveriam ser “pacificadas”. Houve uma preocupação na visibilidade que esse programa iria abranger. A maior de todas as preocupações era a de mostrar ao mundo que o Estado do Rio de Janeiro está “seguro” para receber os milhares de visitantes para a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo e a por último as Olimpíadas. Mas se esqueceram de convidar para essas festas todas o povo pobre das cidades.
Na promessa ao povo pobre das favelas, foi imposta as ocupações com a força militar, depois de 40 anos de ausência do Estado. Foi mentira descabida e deslavada que a melhor forma de pacificação seria com a implantação das UPPs.
O Estado falhou inexoravelmente na sua missão de trazer a paz. Encheu a favela de polícia, mais e mais policia e sem ter provas de que a situação estava melhor, ainda colocou mais policia.
À todos nós aqui, moradores de favelas, sempre nos foi passado a imagem de uma polícia que entrou nas favelas para “resolver o problema” (leia-se: matar o bandido). Nunca se respeitou os locais nos momentos das operações–eram tiros a esmo, sem saber para onde ia. A Policia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) nunca gostou das favelas, mas sempre foi nas favelas que os policiais tiveram o seu maior aumento na folha salarial (o “por fora”, se é que me entendem).
De repente, com uma varinha de condão, acharam que as favelas iriam aceitar e abraçar os policiais como amigos. Isso não aconteceu e dificilmente acontecerá, o histórico de erros e corrupção dessa corporação, nos distanciam ainda mais.
Falando daqui do Complexo do Alemão, onde vivo, houve uma promessa de paz. Segundo os relatos midiáticos de 28 de novembro de 2010, com todo um circo pirotécnico armado, todas as mídias propagando ao mundo a retomada do território, o Estado dizia-se agora presente. Percebeu-se certo pavor e anseio de um novo tempo, que até os dias atuais ainda esperamos.
Houve um período de cessar fogo, de uma falsa sensação de Paz. Houve um momento que até imaginamos que seria provável a tal pacificação dar certo… Mero engano.
Logo no início desse ano, um ano que sabíamos que seria um ano político de grandes interesses em jogo, do qual iriam digladiar-se para a permanência ou a retomada do poder politico. A eleição se tornou um assunto de segurança nacional. E é justamente o que vemos e estamos sentindo na pele.
O Estado falhou inexoravelmente na sua missão de trazer a paz. Encheu a favela de polícia, mais e mais policia e sem ter provas de que a situação estava melhor, ainda colocou mais policia. Começou a aparecer a verdadeira face da tão ilusória pacificação já que a polícia, que mesmo vestindo de “novo uniforme”, ainda era a velha polícia. E como velha policia os seus hábitos afloraram. Começaram a intensificar os erros em decorrência de policiais que foram colocados sem nenhum preparo para enfrentar um gigante… Como toda ação tem uma reação, começou uma retomada de tiroteios frequentes, diários e indícios de uma disputa política sem precedentes, sem escrúpulos.
Temos presenciado jovens sendo agredidos sem motivo algum, no maior esculacho e isso implanta revolta em meninos que já são desprovidos de oportunidades e lazer.
No período da Copa do Mundo, teve até uma trégua, mesmo assim, já haviam morrido mais de cinco pessoas inocentes por erros de policiais–diga-se de passagem, está estampado nos rostos dos mesmos o pavor e o medo.
Os acontecimentos desses últimos dias têm causado um desespero generalizado em todos os moradores do Alemão. Cresceu o número de mortes e pessoas baleadas, causando revolta popular e cada vez mais raiva ainda da política de segurança adotada pelo Estado. O caso mais revoltante foi o do jovem Caio Moraes que se tornou um símbolo de luta por direito humanos. Ele foi baleado no peito, com um tiro de pistola por um policial da UPP, quando estava trabalhando. Caio era moto-taxista e acabara de deixar um passageiro numa localidade chamada Grota, aonde estava acontecendo um protesto de moradores por causa de outro morador baleado.
Caio morreu na hora e sua morte causou ainda mais revolta. Também houve o caso do senhor Antônio França, de 60 anos, que morreu com um tiro também no peito, de um policial da UPP, numa tarde de domingo do dia 27 de julho. Ainda no mesmo dia o adolescente Izaquel de 15 anos foi alvejado por policiais do Bope na perna e no olho, ele perdeu a visão.
A atuação dos agentes do Estado têm sido as mais impróprias possíveis, abordagens sem nenhum critério específico, invasão de domicílios sem mandato de busca e apreensão, desrespeito total aos moradores que nada tem a ver com tudo de errado que tem acontecido. Temos presenciado jovens sendo agredidos sem motivo algum, no maior esculacho e isso implanta revolta em meninos que já são desprovidos de oportunidades e lazer. Ainda falo mais: os policiais mesmo tem engrossado as fileiras que vão para o embate contra eles.
Com tudo isso, outros lugares também estavam passando o que estava acontecendo aqui.
Os becos têm marcas que jamais serão apagadas: as marcas de sangue inocente com o qual o Estado está tentando pacificar na marra.
O pior disso tudo que tenho observado é a grande e avassaladora maioria de pessoas baleadas é jovem, com idades entre 14 a 25 anos. Agora mesmo no dia 27 de setembro o jovem Marcos Heleno, de apenas 17, morreu também com um tiro no peito (coincidência não–sempre um tiro no peito). No dia seguinte, no domingo (28) outro adolescente de 15 anos, Wesley, foi baleado na perna, esse passa bem.
Existe um descredito descomunal no projeto. Criou-se um abismo de medos e incertezas, todos já estão fadados e querendo o fim da UPP.
Por tudo isso digo, a nossa favela do Complexo do Alemão está SANGRANDO, os becos têm marcas que jamais serão apagadas: as marcas de sangue inocente com o qual o Estado está tentando pacificar na marra.
Para finalizar tenho dito, a UPP tem que sair da teoria, ao invés de ser UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA, hoje está mais para UNIDADE DE POLÍCIA PERDIDA.