Por entre balas e fumaça da Zona Norte Rio / A Serra se lança no maior desafio, verdejar / Te amo, Serra da Misericórdia
– Luiz Poeta, fundador do Verdejar
O Complexo do Alemão abriga a última parte restante da Mata Atlântica na Zona Norte da cidade, que se encontra ao longo da costa Atlântica do Brasil. 27,35 km2 das terras da Serra da Misericórdia, se estendem por 15 bairros do Complexo do Alemão, que abriga cerca de 200.000 pessoas.
Um grupo de 17 pessoas do Complexo do Alemão se uniu na luta pela preservação da Serra na produção do documentário intitulado Olhares da Misericórdia. O curta mistura entrevistas com pessoas ligadas à região (em sua maioria antigos moradores) com música, poesia e fotos.
Patricia Lima, integrante do grupo, disse que a Serra “é como se fosse um pulmão. Se não tivermos mais a Serra, morreremos no ar poluído da cidade do Rio de Janeiro”, brincou.
O documentário e livreto com fotos foram criados pela ONG Verdejar, fundada há 17 anos por Luiz Poeta, poeta, ativista e morador do Complexo do Alemão.
Verdejar luta pela proteção da Serra, que tem sido constantemente degradada devido a invasões de pessoas e empresas, principalmente as companhias de mineração de granito e a Light que foi responsável pela remoção da ONG de sua antiga sede em 2012.
As atividades do Verdejar incluem reflorestamento, jardinagem comunitária e educação ambiental. Rafael Carvalho, um dos coordenadores do Verdejar, diz que o projeto do documentário representou a oportunidade de estar “aliando a cultura com o meio ambiente”.
O documentário é resultado do status que o Verdejar conquistou de Ponto de Cultura pelo governo federal em 2013. Pontos de Cultura são uma iniciativa do governo federal, lançada em 2004, para dar reconhecimento e apoio a grupos comunitários que promovem o acesso à cultura. O Governo se comprometeu a atingir a meta de 15.000 Pontos de Cultura até 2020, cada um recebendo anualmente a quantia de cerca de R$60.000. Atualmente, existem em torno de 4.000 Pontos de Cultura pelo Brasil.
Rafael explica como o grupo de jovens foi treinado. “A gente fez uma formação com eles, da questão da memória ambiental da região, e também do audiovisual, como filmar, como editar… e aí a ideia foi toda deles”.
O documentário foi exibido pela primeira vez em três comunidades do Complexo do Alemão durante um fim de semana de março. O objetivo do Verdejar era compartilhar o documentário com os moradores locais em pequenas telas públicas antes de o disponibilizarem online.
Muitos dos jovens envolvidos no projeto compareceram à primeira sessão do documentário em Olaria. Alvaro Vinícius, um dos produtores do filme, descreveu a intenção do grupo: “A gente chama atenção para o lado positivo dela. Os problemas a gente conhece, quem mora aqui convive com os problemas há anos”. Com o documentário, “a gente está em busca de soluções, a gente quer soluções para esse lugar. A gente não quer que ele caminhe sempre para o buraco que ele está indo”.
A exibição do documentário em Olaria foi seguida por um debate sobre “comunicação crítica” nas favelas, para o qual representantes de grupos de mídia comunitários foram convidados, incluindo Raízes em Movimento, Copa Para Alemão Ver e Coletivo Papo Reto. A discussão girou em torno da comunicação como ferramenta para os moradores desmistificarem a imagem do Complexo do Alemão, propagada pela mídia tradicional.
Patricia falou durante o debate para frisar a importância das comunidades fazerem suas vozes serem ouvidas, compartilhando informações nas mídias sociais ou criando conteúdos originais: “Os moradores podem se tornar comunicadores”. Ela descreveu sua experiência como parte do time produtor do documentário: “Entrei no curso de fotografia, aí fui conhecendo mais da história, mais sobre as lutas que aconteceram na Serra… Nunca imaginei que um dia eu fosse fazer um documentário sobre uma coisa tão importante”.
Os envolvidos no projeto esperam que o documentário se torne um recurso para o Complexo do Alemão e que vá além. De acordo com as palavras de Álvaro: “Eu sou morador, conheço, eu sei a qualidade do lugar, passei minha vida aqui. Aí a gente fica na expectativa das pessoas realmente se apaixonarem por esse lugar… Quero que as pessoas no futuro saibam que existe, o lugar onde eu fui criado”.
Confira parte da trilha sonora do documentário abaixo: