Ouça a matéria original por Lourdes Garcia-Navarro em inglês na Rádio Pública Nacional Americana, NPR, aqui. O RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil.
Existe uma piada no Brasil que diz que o passaporte brasileiro é o mais cobiçado no mercado negro, porque não importa de onde veio–Ásia, África ou Europa–você vai se encaixar aqui. Mas a realidade é bem diferente.
Estou sentada em um café com duas mulheres que não querem que seus nomes sejam revelados devido à natureza sensível do assunto. Uma é do Caribe; seu marido é um executivo expatriado.
“Eu achava que eu tinha a aparência da média das brasileiras; o Brasil que vemos na mídia não é como o que eu vivi quando cheguei aqui”, ela me diz.
Assim como muitas pessoas da Bacia do Caribe, ela se auto-identifica como multiracial. Existe uma mistura de raças e etnias na ilha de onde ela veio, o que a deixou animada para se mudar para o Brasil, que tem sido apontado como um dos lugares mais racialmente harmônicos do mundo.
“Quando eu cheguei, eu fiquei chocada ao perceber que há uma grande diferença entre as raças e cores, e o que se espera–o que é o seu papel, basicamente–com base em sua cor de pele”, diz ela.
Mudar-se para um novo país pode ser difícil; quando existem questões raciais envolvidas, as coisas podem ficar ainda mais complicadas.
A outra mulher veio de Londres, e também se mudou para o Brasil por causa do emprego de seu marido. Ela se identifica como negra.
“Minha pele é bem escura então, ao sair com meus filhos, em certas ocasiões pessoas me dizem, ‘Você é a babá deles?’ E eu tenho que explicar que não, que esses são os meus filhos e eu cuido deles”, ela diz.
Uma aula rápida sobre raça e classes no Brasil: o país foi o último lugar da América a abolir a escravidão. Ele também importou 10 vezes mais a quantidade de escravos que os Estados Unidos–cerca de 4 milhões. Isso significa que mais de 50% da população tem descendência africana, mas esses números não se traduziram em oportunidades.
Por exemplo, é comum hoje em dia que as pessoas das camadas mais brancas e mais ricas tenham uma babá de pele mais escura. A mulher vinda de Londres diz que é pedido às babás que vistam-se inteiramente de branco.
“Eu parei de usar branco imediatamente”, ela diz, porque era muito cansativo ter que ficar explicando que seus filhos eram, de fato, seus filhos, ao contrário do que supõem os brasileiros. “Eu me livrei de tudo o que era branco em meu guarda-roupas, e eu não uso mais roupas brancas”.
Como uma mulher negra com filhos de pele mais clara, ela diz que sente medo de ser parada pela polícia, que normalmente mira não-brancas no Brasil. Ela sempre leva sua carteira de identidade para provar que é a mãe de seus dois filhos–algo que ela não precisava fazer em Londres.
Ky Adderley, um americano de Filadélfia que dirige uma consultoria educacional no Rio de Janeiro, também diz ter ficado surpreso quando se mudou para o Brasil.
“Eu sinto que o racismo aqui é muito mais profundo do que eu já senti em outros lugares”, ele diz.
Ele conta que sabia como lidar com o fato de ser um homem negro nos Estados Unidos: “Independentemente do tom da pele de alguém, havia um sentimento na comunidade negra de que se você tem um pouco de cor em você, você é negro, e então conseguimos construir uma comunidade rapidamente”. Mas no Brasil ele teve muita dificuldade em encontrar a mesma rede de apoio. Foi então que ele criou sua própria rede, com outros homens negros expatriados.
“Nós temos um grupo chamado Bros in Brasil (Irmãos no Brasil)”, ele diz. “É um grupo com cerca de 15 homens, que vieram da Europa, África e Estados Unidos, e que vivem e trabalham no Brasil profissionalmente”.
Eles falam muito sobre raça. O Brasil, diz Adderley, tem uma segregação racial muito profunda, especialmente no Rio. Se ele não estiver bem vestido quando sai para passear com o seu cachorro, ele é constantemente perguntado se trabalha como passeador de cães profissional.
Para ele, apenas o fato de ser um homem negro educado parece um ato subversivo no Brasil.
“Sendo uma pessoa negra, qual é o seu lugar no Rio de Janeiro? Todos os negros que eu vejo estão em trabalhos serviçais–e quanto mais escura é a sua pele, menos você é visto”, ele diz. “Então você provavelmente trabalhará na cozinha, e não servindo uma mesa”.
A maioria das pessoas no Brasil diz a ele que não existe um problema racial e, para ele, essa é a raiz do problema: as pessoas não estão falando sobre isso.
Sua preocupação é como a questão racial no Brasil afetará sua filha. Uma mulher que fotografou sua filha, então recém-nascida, disse que ele precisaria mudar os traços faciais da menina.
“Bem, você pode consertar o nariz dela, é só apertá-lo. Se você apertar o nariz dela todos os dias, ela não terá mais esse nariz tão grande”, ele relembra a fala dela.
A mulher londrina diz que o racismo no Brasil também começou a afetar seus filhos.
“Ao voltar da escola, meu filho de 3 anos começou a esfregar meus braços e a minha pele”, ela conta. “Ele disse, ‘Mamãe, eu estou tentando tirar o marrom.’“
Mas existe um lado positivo–a mulher que veio do Caribe diz que estar no Brasil fez dela muito mais consciente a respeito de questões raciais. Ela se recusa a parar de usar sua cor favorita, o branco.
“Por que você deveria deixar que a cor de uma roupa ou a cor da sua pele represente quem você é?” ela diz. “Eu sou quem eu sou. Não ligo para o que você pensa–essa é quem sou e eu vou continuar a ser eu mesma”.