Na terça-feira, 29 de setembro, Eduardo Felipe Santos Victor, 17 anos, foi morto a tiros na favela da Providência, na região portuária do Rio. O relatório oficial divulgado pela Polícia Militar após a morte de Santos afirmou que o adolescente morreu “após trocar tiros com os agentes em um confronto”, o que configura a morte como um auto de resistência dos policiais. No entanto, um vídeo gravado por uma moradora local e postado em mídia social, mostra os policiais implantando uma arma junto ao corpo de Santos.
No vídeo, cinco policiais são mostrados em pé ao lado do corpo. Um dos policiais dispara uma arma no ar, enquanto outro leva uma arma, limpa, e a coloca na mão de Santos e atira duas vezes a fim de deixar rastros de pólvora. A mulher que gravou o vídeo teria sido ameaçada pela polícia, e foi oferecida proteção pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil.
O vídeo foi postado no mesmo dia, logo após o tiroteio e rapidamente se tornou viral. No início da noite, os cinco policiais envolvidos foram presos e foi anunciado que eles serão acusados de “fraude processual” por alterar a cena do crime. Um advogado defendendo três dos cinco policiais alegou que os tiros foram disparados para descarregar a arma e transportar o corpo de Eduardo Santos com segurança, mas para André Leiras, da Divisão de Homicídios, esta versão é incompatível com a cena do crime e os depoimentos de outros dois oficiais. Mais tarde, naquele dia, terça-feira 30 de setembro, foi relatado que o policial militar Paulo Roberto da Silva tinha confessado ter atirado em Santos. E pela manhã, o chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, tinha anunciado que à partir de agora todas as mortes por “auto de resistência” causadas por policiais poderão ser investigadas pela Divisão de Homicídios que anteriormente só cuidava de casos de grande visibilidade.
Uma testemunha anônima afirmou que Eduardo Santos se entregou antes de ser morto. Disse que Santos tinha uma arma, mas não disparou e tinha as mãos levantadas quando os policiais atiraram nele. Ele disse: “Sim, ele deveria ter sido preso, mas não morto”.
O relatório da autópsia divulgado em 01 de outubro revelou que Eduardo Santos foi baleado enquanto estava deitado no chão. De acordo com o resultado, as feridas mostram que o jovem caiu depois de ter recebido chutes, socos ou coronhadas, e só depois o tiro.
Reação das mídias nacionais e internacionais
Com a notícia de Eduardo Santos, é possível perceber um aumento na velocidade da cobertura de assuntos e notícias noticiadas por moradores de favelas. Enquanto o assassinato do menino de 11 anos de idade no Caju, pela Polícia Militar, uma semana antes, foi minimamente noticiado na imprensa nacional, e o caso da remoção devastadora da Favela do Metrô só ter sido reportada pela grande mídia internacional cinco meses depois de seu início em 2010, a execução de Eduardo Santos recebeu atenção generalizada, tanto da mídia nacional quanto internacional imediatamente. A evidência filmada por uma testemunha da comunidade rapidamente enviada para as mídias sociais provocou reportagens locais em massa que incluíram as perspectivas de moradores e desafiaram as reações das autoridades, como também gerou cobertura pela BBC e The Telegraph, mostrando uma mudança revolucionária na capacidade da comunidade reportar situações, quebrar barreiras e atingir a massa em determinados momentos.
O papel vital das mídias sociais neste caso foi reconhecido na reportagem do The Guardian, que destacou que, embora os assassinatos por execução sejam comuns, é somente “quando incidentes são filmados que a justiça é feita”. Na verdade, a rápida disseminação do vídeo em redes sociais colocou uma intensa pressão sobre as autoridades do Rio de Janeiro para reagir à crescente indignação expressa online. Moradores da Providência foram às ruas para expressar sua revolta, e o funeral de Eduardo Santos na quarta-feira, 30 de setembro, se tornou um protesto em frente a Central do Brasil.
O papel das mídias sociais
O vídeo provando a corrupção e a brutalidade na morte de Eduardo Santos jogou um foco de luz sobre o papel das mídias sociais nos relatos de violência policial, e a importância da gravação de vídeos a fim de mostrar evidências de graves violações de direitos humanos.
Raull Santiago, um influente mobilizador do Coletivo Papo Reto no Alemão, postou uma cartilha de nove passos explicando como filmar de forma eficaz a violência policial nas favelas. O guia aconselha aos moradores a gravarem vídeos em um único take, filmando horizontalmente para incluir mais informações, dando detalhes relevantes (faces, números de identificação, armas, matrículas, etc.) e incluindo provas do horário e localização do incidente.
A participação dos moradores em filmar tais eventos está aumentando. Durante uma incursão policial no Alemão em 30 de setembro, a página de Raull no Facebook incluiu comentários de membros da comunidade como: “Moradores, recarreguem seus celulares e fiquem com as câmeras na atividade. A melhor forma q temos pra combater os abusos, é mostrando pra geral em fotos e vídeos !!!!!!” e “Todos de câmeras na mão! Deus os proteja!!”.
O guia enfatiza que a gravação de policiais em espaços públicos é um direito concedido pela constituição brasileira, mas é importante priorizar a segurança e avaliar os possíveis riscos que as filmagens possam acarretar:
A recente violência na Providência existe dentro do contexto mais amplo de militarização das favelas do Rio de Janeiro. No dia seguinte a morte de Santos, o Coletivo Papo Reto postou que na maioria das favelas “pacificadas” do Rio de Janeiro, a única representação do Estado é a Polícia Militar: “Ouvimos a todo momento que devemos estar dentro das leis que regem o nosso País, que devemos ser ‘bons cidadãos’. Não deveria partir desta própria representação o exemplo de ‘cumprir com a lei’?” Eles também criticaram a alegação das autoridades de que a adulteração da cena do assassinato de Eduardo Santos tenha sido um evento isolado: “Com quantos casos isolados se faz uma vergonha?”.
Só este ano foram registradas 459 mortes pela polícia como assassinatos por auto de resistência, uma média de 57 por mês e um aumento de 30,4% em relação ao ano passado. Se não fosse a interferência do vídeo documentando a cena da polícia, a execução de Eduardo Santos teria sido registrada como mais uma morte por auto de resistência. À luz disto, um abaixo-assinado foi iniciado para exigir a criação de mecanismos de controle externo para investigar assassinatos cometidos por militares e pela Polícia Civil do Rio, que são atualmente investigados pela própria polícia.