O “Outubro Urbano” das Nações Unidas (ONU) termina no dia 31 de outubro com o segundo ano do Dia Mundial das Cidades. O dia é designado para celebrar urbanização global, cooperação e desenvolvimento urbano sustentável. Recentemente a ONU adotou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na agenda para 2030, incorporando o objetivo de fazer todas as cidades e “assentamentos humanos em ambientes, inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.”
Apropriadamente, este ano o Dia Mundial das Cidades é dedicado ao tema “Desenhado para viver juntos,” incentivando o desenvolvimento de cidades socialmente coesas, incluindo em termos de habitação, oportunidades de trabalho e ambientes de vida seguros e saudáveis. O Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon articulou: “Em um mundo onde mais de metade da população vive em áreas urbanas, o futuro humano é em grande parte um futuro urbano. Nossa luta para o desenvolvimento sustentável será ganha ou perdida nas cidades.” Aqui no Rio de Janeiro, prestamos homenagem ao Dia Mundial das Cidades, mirando de perto a favela Asa Branca, uma comunidade particularmente inclusiva e bem planejada na Zona Oeste do Rio.
Asa Branca começou como todas as favelas do Rio começaram: uma comunidade informal voltada para oportunidades de trabalhos. A comunidade existe há 35 anos e está localizada em Curicica, na Zona Oeste, numa área onde anteriormente existia uma horta, distante das áreas centrais do Rio. Trabalhadores vieram trabalhar no Cimentex, uma empresa de materiais de construção, e, sem opções de habitação a preços acessíveis perto do seu local de trabalho, instalaram-se na comunidade. Hoje com cerca de 8.000 moradores, a Asa Branca ainda se sente íntima. A comunidade nunca foi ocupada por traficantes de drogas e a organização do local tem sido uma constante, contribuindo a longo prazo para uma sensação de segurança. Moradores conhecem seus vizinhos, acolhem novos membros, e participam de aulas e eventos organizados pela comunidade. Asa Branca exemplifica como as favelas são ‘desenhadas para viver junto.’
“Não há nenhuma outra comunidade como a nossa”, diz Flavia Maria de Oliveira, uma moradora que tem acompanhado o crescimento da Asa Branca desde o seu início. “Presenciei todas as mudanças nesses meus 30 anos, e continua a ser um dos mais amigáveis e mais acolhedores lugares para se viver.” Flávia olha para baixo da rua, onde vasos de plantas alinham a calçada e uma mãe empurra um carrinho de bebê, segurando a mão de uma criança. “É uma comunidade muito tranquila, porque nunca tivemos a presença do tráfico. Criei uma família aqui e a gente pode dormir com as portas destrancadas durante a noite.”
A casa da Flávia fica na mesma rua que a Associação de Moradores, um pequeno prédio azul-celeste revelando seu propósito, não só com uma placa oficial do governo, mas também com grupos de pessoas que se reunem sempre em frente. “Para mim, a melhor parte da comunidade está bem aqui”, diz Ney Wallace, um dos fundadores da comunidade. Ele senta em um banco na frente da Associação, com cerca de seis meninos reunidos conversando e rindo. “Nós podemos sentar na frente, lá dentro acontecem festas e reuniões, e a cada dia têm aulas para os moradores. Há sempre algo acontecendo aqui na Associação”. Os meninos em volta concordam. “Este prédio foi feito por nós moradores, tijolo por tijolo, em conjunto. Eu acho que eu passo mais tempo aqui na Associação do que na minha casa!” Wallace ri.
Ele relata o início da comunidade, da horta que se transformou em um bairro muito movimentado. “Foi difícil porque a comunidade era muito pequena, mas famílias após famílias começaram a chegar. Nós evoluímos e expandimos o nosso espaço para acomodar novos moradores. Nós não tínhamos pavimento, luz ou água corrente. Tínhamos que recolher a nossa água de fora da comunidade”. Wallace compartilha sua nostalgia da pequena comunidade que Asa Branca um dia foi, mas também elogia a evolução que fez a comunidade o que é hoje. “Se você me perguntar se eu poderia mudar Asa Branca ou me mudar para uma nova área, eu diria que não, eu quero ficar no centro da comunidade, não há melhor parte!”.
“Esta comunidade é especial porque temos feito tudo por nós mesmos, a fim de mantê-la funcionando”, diz Carlos Alberto Costa, que é conhecido na comunidade simplesmente como “Bezerra”. Um homem animadíssimo e entusiasmado, de cerca de cinquenta anos de idade, ele detém o importante cargo de Presidente da Associação de Moradores. “Asa Branca foi fundada porque não havia um programa de governo no momento para a habitação. O governo nos deixou ficar aqui, em grande parte, por causa dos nossos próprios esforços, para construir e beneficiar a nós mesmos. Precisávamos de um sistema de esgoto, para isso a comunidade votou e decidimos nós mesmos construí-lo. Cada membro da comunidade—mulheres, homens, crianças, estavam envolvidos neste processo”.
A liderança de Bezerra na Asa Branca ajudou a favela a se tornar a comunidade inclusiva e engajada que é hoje. “O presidente da Associação tem a obrigação de trazer melhores oportunidades e resultados para a comunidade,” diz ele. Bezerra reconhece o poder da educação e traz idiomas e aulas educativas para a Associação de Moradores todos os dias. “Temos aulas de inglês e francês, juntamente com alemão e matemática. Nas quintas-feiras à noite, temos uma aula de teatro, e aos sábados, temos cursos de fotografia, jornalismo comunitário, e rádio. Cada aula é dada por voluntários ou parceiros e está aberta a qualquer pessoa gratuitamente. A Associação está sempre cheia porque os moradores podem obter acesso à wifi aqui também,” diz ele.
Como presidente, Bezerra procurou deliberadamente maneiras de estender as experiências positivas de uma comunidade desenhada para viver junto aos moradores que estão chegando, incluindo mais de 180 imigrantes haitianos. “Para os haitianos, é difícil estar aqui [no Brasil],” diz Dieuseul Duclosil, um morador haitiano da Asa Branca por pouco mais de um ano. “Nós não temos um monte de direitos. Por isso, quando alguém como Bezerra abre a comunidade para nós e oferece cursos de português para ajudar a nossa integração, nos sentimos bem-vindos.” Duclosil, que fala francês, crioulo, espanhol, português e inglês, conheceu Bezerra e lhe disse que ele gostaria de ensinar inglês e francês. “Quando eu disse isso, Bezerra ficou extremamente entusiasmado e dentro de apenas dois meses, eu estava ensinando e dando formalmente aulas toda semana na Associação de Moradores.” Duclosil representa um influxo de imigrantes que deixaram o Haiti após o devastador terremoto em 2010 e que vieram para o Brasil a procura de oportunidades de trabalho e uma vida melhor. “Eu cheguei ao Brasil, pela primeira vez pelo sul, no Rio Grande do Sul, e fiquei lá por 3 anos, mas me mudei para o Rio porque o clima é semelhante ao do Haiti,” diz ele. “Eu também vim por causa dos Jogos Olímpicos a procura de melhores oportunidades de trabalho para ambos os projetos: de construção e idiomas.”
Asa Branca é localizada a apenas 800 metros do local de construção do Parque Olímpico principal. Isso tem proporcionado oportunidades de trabalho para os moradores de favelas, bem como ondas de despejos e remoções. Moradores da comunidade vizinha, a Vila Autódromo, apesar de terem título, continuam sua luta para manter a comunidade, enquanto a Asa Branca foi em grande parte poupada devido à sua localização mais distante e fora da vista do parque. “Nós vamos ter algumas mudanças aqui devido à construção da linha TransCarioca de um lado e a linha TransOlímpica BRT do outro, mas nada ameaçador”, diz Bezerra. “Serão apenas 66 casas na área principal e 45 casas atrás [que serão removidas], tudo para dar espaço para a estação TransOlímpica BRT”, diz ele. “Como presidente, eu discuto com os moradores o que eles querem nesta situação de remoção. Se eles querem receber o dinheiro da compensação e se afastarem, então ótimo. Se eles quiserem ficar, então eu ajudo a negociar com a Prefeitura a fim de encontrar as melhores opções”.
Os gritos de alegria de crianças jogando futebol no final da rua enchem o ar, junto com o som do movimento de cadeiras de plástico, pequenas lojas e restaurantes se preparando para o almoço. “Essas pequenas lojas e bares ficam abertos até às duas ou três da manhã,” diz Flávia. “As famílias podem se reunir e beber cervejas aqui, é muito tranquilo.” Asa Branca continua a atualizar e expandir com sua crescente população, mas o faz de uma forma acolhedora e equitativa. Ela mantém o seguro e inclusivo ambiente de vida que tinha como uma pequena comunidade, promovendo simultaneamente a diversidade e coesão social entre as diferentes culturas de seus moradores. ONU-Habitat afirma que “cidades desenhadas para viver junto criam oportunidades, permitem a conexão e interação, e facilitam a utilização sustentável dos recursos compartilhados.” Asa Branca faz exatamente isso. Está na hora de comunidades como a Asa Branca serem celebradas pelo seu desenvolvimento urbano, por sua liderança, e por seu modelo de inclusão social de uma forma que todos nós possamos seguir o exemplo.