Hoje, 31 de outubro, as Nações Unidas convida indivíduos, comunidades e países em todo o mundo para celebrar o Dia Mundial das Cidades. O evento anual começou em 2013 com o objetivo de “promover o interesse da comunidade internacional na urbanização global” e destacar a importância da harmonia entre o espaço da cidade, aspectos sociais e ambientais, entre seus habitantes, uma harmonia que depende de dois pilares fundamentais: equidade e sustentabilidade. O tema deste ano é “Desenhado para Viver Junto”.
Uma vez que o Rio de Janeiro foi premiado com os Jogos Olímpicos de 2016, em 2009, o planeamento urbano assumiu uma nova dimensão e importância para a cidade. Em particular, a Barra da Tijuca, na Zona Oeste, passaria por uma transformação significativa para os Jogos Olímpicos de 2016, incluindo a construção do Parque Olímpico, do zero.
O vencedor do concurso de design para o Parque Olímpico e Arena ‘Legado 2030‘ foi a empresa global, AECOM. Seu projeto proposto foi selecionado pelo Comitê Organizador Rio 2016 e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) com visões de 2016 e 2030:
Como as imagens acima mostram, o plano da AECOM para o parque olímpico deixou uma parcela significativa da comunidade vizinha, a Vila Autódromo, no local, marcado no canto superior esquerdo. Em outras palavras, era um plano de como o Parque Olímpico e a comunidade coexistiriam lado a lado.
No entanto, apesar de títulos legais à terra (concedidos pelo governo estadual na década de 1990), a preservação da comunidade na concepção do Parque Olímpico da AECOM (que foi selecionada pelo município), e do Prefeito Eduardo Paes insistir que “a cidade do futuro tem de estar socialmente integrada“, a Vila Autódromo tem sido alvo de uma remoção agressiva. Devido às remoções até agora, o bairro diminuiu em 83% nos últimos dois anos. Paes afirma repetidamente que parte da comunidade irá permanecer, mas um recente vídeo oficial do projeto do Parque Olímpico mostra a Vila Autódromo completamente removida.
Com muitas famílias contra o reassentamento para condomínios de habitação pública isolados, os moradores se reuniram com os aliados nas duas universidades federais do Rio para criar uma visão alternativa para a sua comunidade, expressa através de um plano de urbanização conhecido como o Plano Popular da Vila Autódromo. O Plano Popular foi apresentado pela primeira vez à prefeitura em meados de 2012 e agora em sua quarta versão, afirma compromissos da comunidade para se manter no lugar e para a preservação do meio ambiente da lagoa local. Além disso, os planos de urbanização confirmam que os moradores querem, e podem, co-existir em harmonia com o Estado, a construção do Parque Olímpico, e a comunidade global trazida pelos Jogos Olímpicos.
“Desenhando através de um processo participativo ajuda as pessoas a se unirem em torno de objetivos e visões compartilhadas, e promove a igualdade de todos à serviços, empregos e oportunidades” – ONU
Uma simples leitura do Plano Popular revela que ele se alinha bem com elementos-chave de um bom design, recém identificados pelo Diretor Executivo da ONU-Habitat, Dr. Joan Clos:
- “Um bom design contribui para a integração social, igualdade e diversidade. Planejando áreas residenciais com diferentes possibilidades em termos de tipologia e preço permite que moradores de diferentes origens e níveis de renda vivam juntos…
Os arranjos de moradia no Plano Popular da Vila Autódromo incluem a manutenção de limites para a construção na margem da lagoa, assim protegendo do ecossistema, e para todos os lotes vagos serem utilizados de acordo com as prioridades habitacionais.
- “Um bom design promove o uso sustentável de recursos compartilhados. Planejando cidades mais densas e compactas reduz a super exploração de recursos naturais, e facilita a vida comunitária, permitindo a igualdade de acesso à terra, à comida e à água para todos”.
Os planos ambientais para a Vila Autódromo incluem a recuperação da área em torno da Lagoa de Jacarepaguá e da beira do canal, o alargamento das ruas para a drenagem da água, a circulação melhorada, e a renovação do parque.
- “Um bom design inspira bairros cheios de vida. Espaços públicos, parques, playgrounds, ruas e praças cheias de atividades ajudam a criar uma vida pública vibrante para todos os moradores. “
O Plano Popular aborda a inclusão dos membros da comunidade no Programa Saúde da Família, bem como a construção de uma creche, uma escola pública e novas áreas de esporte e lazer.
- “Um bom design pode tornar áreas mais seguras. Bairros que permanecem ativos e animados à noite, com atividades comerciais, ruas bem iluminadas para pedestres e espaços públicos, significa um aumento na segurança pública e proteção pessoal”.
Na Vila Autódromo, os desenvolvimentos culturais e comunitários incluem a criação de um centro cultural para sediar eventos públicos, como teatro e shows de música. A estratégia para desenvolver a comunicação e mobilização tanto interna quanto externa para a comunidade também foi parte do desenvolvimento do plano.
No entanto, nem o seu alinhamento com os ideais da ONU-Habitat, nem o reconhecimento internacional do plano, têm impedido remoções forçadas. Moradores e aliados têm sido forçados a fazer uma série de modificações ao Plano Popular para mantê-lo, enquanto despejos acontecem e a comunidade encolhe:
Regina Beinenstein, Professora e Diretora do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), explicou como o Plano Popular foi modificado quando chegou em sua terceira versão (imagem diretamente acima) em relação às demolições que ocorreram desde a primeira iteração do plano.
Na terceira versão, produzida recentemente, 95 casas e lotes permaneceram. Já incorporando as vias de acesso ao Parque Olímpico indicadas pela Prefeitura nesta versão do plano, Regina explica: “Sempre que possível, os lotes onde casas ainda existem, porém existem em uma área inferior a 120m2, expandimos a casa a fim de melhorar as condições de moradia [dos moradores]”. Para as áreas que ficaram vazias segundo demolições, e que não serão utilizadas como estradas de acesso ao Parque Olímpico, a proposta prevê a divisão da terra em 76 lotes para combinações de casas e sobrados. Alguns lotes seriam retiradas ou mantidos para fins comuns, incluindo espaços de recreação, a Associação de Moradores, um viveiro comunitário, e infra-estrutura de esgoto. A proposta também define planos para sistemas de água, esgoto e drenagem melhorados e expandidos. E, finalmente, a imagem da terceira versão deixa clara a importância de áreas verdes para os membros da comunidade.
No entanto, seguindo as recentes demolições súbitas em 23 de outubro, os planos exigem modificações adicionais. Desta vez, disse o professora Beinenstein, os moradores organizaram uma lista de cerca de 50 famílias. De acordo com a moradora Maria da Penha Macena, estas são 50 famílias que estão determinadas a ficar e não aceitarão qualquer forma de compensação, pois acreditam que sua “casa não é apenas uma casa, é uma história… e não há preço sobre isso”.
Beinenstein explicou que as modificações irão propor uma nova divisão da terra que mantém as casas das famílias que ficarão e irá abordar as prioridades deste grupo de cerca de 50 famílias. A versão mais recente está focada apenas em lotes familiares individuais, ao invés de opções para lotes partilhados, que não são mais necessários como anteriormente proposto, e inclui planos para uma horta comunitária e uma área para um parque infantil.
No dia após as últimas demolições, a filha de Maria, Nathalia Silva, ainda foi capaz de pensar positivamente sobre o futuro. Ela disse que o que a comunidade precisa, mais do que apenas o que eles querem, é a reconstrução urbana e infra-estrutura básica. Ela continua a ver os benefícios em um centro cultural, um centro médico e berçário para o futuro da comunidade. “Estes não só ajudarão a nossa comunidade, mas as comunidades circunvizinhas também—será um benefício coletivo”, afirmou.
Enquanto Nathalia focou principalmente em aspectos locais, sua mãe, uma ativista de renome na comunidade, deu uma visão mais global para a luta da Vila Autódromo. Maria da Penha está convicta de que, a fim de combater as desigualdades locais, todos precisam trabalhar em conjunto para mudar as ações do governo, não apenas em “seu” país, mas em todo o mundo. Para vivermos juntos (em harmonia), todo mundo precisa abraçar esta idéia. Ela afirmou: “Vamos mudar o mundo, não apenas um país. Vamos mudar o mundo!”.
Ambas Nathalia e Penha concordam que o que a comunidade merece mais é respeito e honestidade; nesta fase as promessas feitas pelo Prefeito Eduardo Paes parecem longe da realidade e os moradores são forçados a negociar e rever as suas expectativas a cada dia. Parece que eles têm que “matar um leão por dia”, explica Nathalia.
Professora Beinenstien descreve as atualizações do Plano Popular como mais uma “alternativa técnica viável que ajuda e trabalha como uma ferramenta para a comunidade permanecer de forma permanente”. Com as revisões em curso, a luta para desenhar e redesenhar a comunidade na esperança de viverem juntos com os Jogos Olímpicos continua.