Uma exposição no Museu da República do Rio de Janeiro, agora já nos seus últimos dias, oferece uma pequena amostra do trabalho fotográfico de Anthony Leeds, antropólogo norte-americano de destaque, famoso por ter introduzido a antropologia urbana no Brasil durante a década de 60. Organizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a coleção inclui uma cuidadosa seleção das 770 imagens cedidas pela cientista política, brasilianista e viúva do professor Leeds, Elizabeth Leeds. A exposição, intitulada “O Rio que se queria negar,” ilustra de bela maneira as contribuições e as comunidades que Leeds tanto admirava, ao mesmo tempo transmitindo aos cariocas um tesouro histórico.
As fotografias documentam a vida diária nas comunidades que Leeds frequentava enquanto conduzia seu trabalho de campo sobre a economia das favelas. Imagens impressionantes em preto e branco de crianças brincando nas ruas, a topografia e a construção das favelas, mulheres cozinhando em casa e comunidades se organizando em torno de eleições para suas associações de moradores, decoram as três salas do museu e a passarela central, o cenário perfeito para refletir no belo jardim do museu. Os nomes das favelas que Leeds estudou foram pintados numa parede interna.
Muitas destas imagens oferecem uma documentação única sobre favelas que mais tarde seriam removidas e das quais a história visual teria sido perdida, incluindo a favela Macedo Sobrinho no Humaitá, removida no final dos anos 60. Numa época em que as políticas públicas priorizavam a remoção de favelas da Zona Sul do Rio e a realocação dos moradores em conjuntos residenciais na periferia da cidade, Leeds reconhecia o valor das favelas. Elizabeth Leeds contou ao RioOnWatch: “uma das principais mensagens [de Tony] era que favelas são a solução, não o problema. O que a grande maioria da classe média e alta via como miséria, pobreza e fragilidade, ele via como sinal de criatividade e inovação. Por exemplo, ele considerava os jardins e a criação de animais [incluindo porcos] como uma parte importante da economia das favelas.”
As imagens exibidas na exposição capturam a dignidade e a resiliência das favelas numa época em que muitas não eram reconhecidas pelo governo. Em uma homenagem adequada, a letra de “Opinião”, pela mão do icônico compositor de samba Zé Keti, é exibida entre as fotos: “Podem me prender; Podem me bater; Podem até deixar-me sem comer; Que eu não mudo de opinião; Daqui do morro; Eu não saio, não.”
As fotografias também capturam o senso das pessoas e dos lugares que se tornaram tão importantes para os Leeds. O casal de norte-americanos se conheceu no Rio em meados de 60 quando ele conduzia seu trabalho de campo e ela era voluntária do Corpo da Paz. Uma das fotografias preferidas de Elizabeth é da favela onde morou, o Tuiuti, e onde se vê o busto do presidente Getúlio Vargas numa janela. Ela relembra que uma das fotos que Leeds mais gostava era o retrato de Flávio Ramos, morador do Jacarezinho, numa janela. Flávio “oferecia introspecções que Tony achava brilhantes,” o que levou o antropólogo a chamar Flávio de “o professor.”
“As fotografias eram tão etnograficamente importantes como o texto escrito,” Elizabeth explica. Ela doou à Fiocruz as imagens e os negativos, assim como centenas de diapositivos do Rio e de outras cidades no Brasil e na América Latina, porque sabia que a instituição “trataria dos materiais com respeito e providenciaria acesso ao público.” Sua esperança é que “o público veja as imagens com a mesma sensibilidade que Tony teve quando as tirou.”
A exposição celebra de bela maneira o trabalho de um homem que desde então influenciou muitas gerações de antropólogos e sociólogos no estudo das favelas. Ela também constitui um passo importante no reconhecimento das falhas de políticas passadas. A recusa do governo em reconhecer os direitos das favelas e em reconhecer favelas pelos seus trunfos, apoiando modelos de desenvolvimento baseados nesses trunfos, levou a remoções em massa e agravou a estratificação social na cidade. O momento que vivemos é particularmente apropriado para reconhecer as falhas dessa abordagem, uma vez que o Rio de Janeiro está vivenciando a maior onda de remoções de favelas na sua história, incluindo o período de remoção de favelas documentadas por Leeds, durante a ditadura militar nos anos 60 e 70. Levando em consideração que muitos moradores das favelas cariocas continuam sendo confrontados com os mesmos desafios de 50 anos atrás, uma reflexão sobre o trabalho de Anthony Leeds não poderia ter chegado em melhor altura.
A exposição estará aberta ao público no Museu da República até 10 de janeiro de 2016.