No dia 23 de julho, o Largo do Cruzeiro no Morro da Providência recebeu o Festival Subindo a Ladeira com a participação de grupos de dentro e fora do morro. A programação durou o dia inteiro e contou com apresentações de teatro, performances, hip hop, capoeira, cineclube e ação ambiental. A praça em frente à Igreja de Nossa Senhora da Penha foi ocupada pelo Bando Teatro Favela, Núcleo da Providência da Capoeira Ventre Livre, Efeito Urbano, Horta Inteligente, e Cine Providência, entre outros. “O festival surgiu depois que fizemos um curso de capacitação do Favela Criativa”, informou Mônica Saturnino, 41 anos, uma das organizadoras do evento.
A atriz e moradora do morro, Cíntia Sant’Anna, 30 anos, conta que ela e Mônica Saturnino realizam oficinas no morro há uns cinco anos, mas só no ano passado surgiu o Bando Teatro Favela e montaram a peça Entre Becos e Vielas que também consta na programação do festival. As duas atrizes fizeram parte do Grupo de Teatro Tá na Rua, dirigido por Amir Haddad, na Lapa, e afirmam que vem dessa experiência o desejo de ocupar a praça e dialogar mais diretamente com os moradores. “Um dos nossos objetivos é ocupar esse espaço. A nossa ideia é ocupar a praça”, afirmou Cintia Sant’Anna, uma das organizadoras do festival e atriz do Bando Teatro Favela.
A roda de capoeira aconteceu por volta das 13h com a presença de várias crianças do morro: “Pra mim é incrível participar dessa roda porque eu comecei aqui em 96, quando eu tinha 16 anos. E hoje estou com o mestre batata. É muito satisfatório ver essa molecada brincando hoje, conhecendo a capoeira”, disse o morador e professor de capoeira, Rogério Silva, 35 anos. O Núcleo Providência do Centro Cultural de Capoeira Ventre Livre funciona na Providência há mais de 20 anos.
Juliana Melo, 27 anos, diretora e atriz do grupo Efeito Urbano, também gostou da iniciativa do festival e afirma: “É unindo forças que a gente consegue chegar a algum lugar”. O grupo Efeito Urbano foi criado em 2011 e é formado por jovens moradores da Providência. Toda quarta-feira, realizam oficinas gratuitas no Galpão Gamboa, entre 18h e 20h. Misturando hip hop, performance e teatro, o grupo vai estrear seu primeiro espetáculo, Funk – Força Urbana Nacional Carioca, no dia 18 de setembro, na Arena Dicró, na Penha.
“Eu acho que a arte é uma arma do bem. Eu levo a minha dança como a minha arma do bem. Eu digo isso pra eles: ‘a dança é um detalhe pra gente trabalhar conceitos como respeito, acabar com preconceito, quebrar tabu. A arte é uma magia. Nós somos um pontinho luminoso na Providência, na região, pra trocar conhecimento e trazer a galera pro palco’”, nos conta Juliana Melo que começou a fazer dança em 2002.
A moradora do morro, Maria Lúcia, 50 anos, assistiu atenta todas as apresentações. Auxiliar de serviços gerais na UFF, Maria Lúcia atravessa a Baía da Guanabara de segunda a sexta, e aproveita os fins de semana para ficar com o marido e encontrar os vizinhos na praça: “Eu gostei muito das apresentações do hip hop, da capoeira, queria muito que tivesse sempre isso aqui no morro. Anima a gente”, disse Maria Lúcia.
A última atividade do festival foi o Cine Providência com a apresentação de 10 curtas sobre o Morro da Providência e a Zona Portuária. Os curtas exibidos foram lançados nas últimas edições do Festival 72 Horas. Alexandre Lourenço, 37 anos, morador da Cidade Nova, foi o curador da mostra que abordou questões como gentrificação, racismo, religião e infância na favela. O cine foi idealizado em 2014 e Alexandre atua no morro há dois anos: “Temos um acervo de 120 curta-metragens produzidos só aqui na Zona Portuária. Somos itinerantes e fazemos intercâmbios com outras comunidades, como a Cidade de Deus”, informa Alexandre.
O curta Olhares da Providência, produzido por Alexandre Lourenço, foi realizado no Festival 72 Horas deste ano: “Foi bacana, tivemos que escrever e produzir em 3 dias e ele foi todo feito aqui na Providência”. A exibição dos curtas mexeu com os moradores que, muitas vezes, se reconheciam na tela de exibição ou reconheciam vizinhos ou lugares do morro que foram utilizados como cenário. Muitas crianças gritaram: “É a Vera! É a Vera!”. Era a imagem da moradora, Vera Lúcia Ferreira, 48 anos, que aparecia na tela.
“E eu mesmo não me vi porque no instante em que passei eu estava atendendo um rapaz”, disse Vera Lúcia que mora e tem um bar em frente à praça da igreja. “Desde que nasci minha mãe sempre trabalhou com comércio. Nessa casa aqui eu estou há 28 anos. Minha mãe faleceu, aí eu assumi o bar sozinha”.
Vera Lúcia afirmou ter gostado da iniciativa e espera que tenha mais atividades assim no morro. Cíntia e Mônica informaram que preparam um novo espetáculo, dessa vez sobre mulheres: “A gente entende que favela é feminino. O mundo é feminino”, diz Cintia Sant’Anna. “Eu fui fazer teatro por causa da minha autoestima, e a ideia é que através do teatro a gente mostre outras possibilidades, outras opções. O teatro me mostrou outras opções, mostrou que eu poderia escolher”, disse Cintia Sant’Anna. “Eu sempre discuto com as pessoas que dizem ‘ah, todo mundo tem opção’. Não. Eu não acredito nisso. Dentro desses lugares ter uma opção que conta muito… 90% é você ser massacrado, precisar de grana e um cara te oferecer 100 reais pra fazer uma parada básica, sabe? A nossa intenção é mostrar, ‘olha, também dá pra ir por aqui’. A gente dá o que a gente tem–teatro!”.
Além de organizar o festival e ser do Bando Teatro Favela, Cíntia Sant’Anna criou com Mônica Saturnino a Associação Cultural Colombina que funciona na sua casa, ali mesmo no Morro da Providência.