Ao acompanhar as notícias deste ano sobre o alvoroço político em Brasília, muitos observadores internacionais tiveram dificuldades em se orientar dentro de um confuso oceano de siglas. Isso se deve ao fato do sistema político brasileiro ser caracterizado por um grande número de partidos políticos–35 no total, mais do que o dobro de qualquer outro país–forçados a formar uma rede intrincada de alianças e coalizões, que mudam a todo momento, a fim de governar.
O objetivo deste artigo é analisar como essa versão extrema de um sistema multipartidário surgiu a partir da Constituição de 1988, como ele impactou a instabilidade política deste ano e o que significa para o avanço da nação.
Como os partidos políticos surgiram no Brasil
Alguns partidos de destaque, presentes no atual governo, datam de antes da promulgação da constituição, como o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), cujo seu predecessor, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), surgiu originalmente em 1965, em oposição à ditadura militar. Muitos outros afloraram de ideologias divergentes, ou foram formados com base em critérios regionais.
Pode-se afirmar que altos níveis de dissidências contribuíram para o número de partidos criados após a ditadura, já que muitos políticos sentiam que o sistema federal, baseado na coalizão, fazia com que as visões de seus partidos não fossem ouvidas e consideradas por aqueles com maior número de membros e mais poder.
Outros foram inicialmente formados por razões de estratégia política. Por exemplo, o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) foi fundado em 2010 por Cid e Ciro Gomes, membros do Partido Socialista Brasileiro (PSB), para que eles pudessem proteger o lugar de Cid como governador do Ceará e evitar que o assento fosse parar no poder de Eduardo Campos do PSB, apoiante de Dilma.
Ainda há aqueles que nasceram a partir de uma questão ideológica principal. O Partido Verde (PV) foi fundado em 1986 por ambientalistas, em uma tentativa de promover questões ambientais e políticas relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Em 2013, Marina Silva, ex-senadora do Acre, Ministra do Meio Ambiente no governo Lula e terceira colocada nas últimas duas eleições presidenciais (pelo PV e PSB), fundou a Rede Sustentabilidade (REDE), outro partido com foco nas questões ambientais, atualmente alinhado ao PSB.
A natureza desse sistema frequentemente conduz à estagnação política e à ineficiência. Devido ao fato das coalizões envolverem partidos opostos entre si e estarem constantemente se formando e se dissolvendo, sua tendência é carecer de uma agenda ideológica coerente, o que é necessário para realizar propostas políticas fortes. Da mesma maneira, seus membros frequentemente mudam de partido ou votam contra os interesses de seus próprios partidos, com poucas oportunidades de recorrer.
Confusões e curiosidades
Se as coalizões em permanente evolução e seus membros ideologicamente instáveis não são o suficiente para dificultar o entendimento, nomenclaturas confusas também são uma barreira significante para acompanhar os acontecimentos em Brasília.
Por exemplo, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) possui o que, em padrões globais, seria considerada uma visão de centro-esquerda, mas o Partido Social Democrata (PSD), de nome similar, é de centro-direita. O Partido Progressista (PP) é, na verdade, tudo menos progressista. Está mais para um ninho de instigadores conservadores e de nacionalistas anti-esquerda, como o controverso congressista Jair Bolsonaro. Em uma mistura de comédia de humor negro boa demais para ser verdade, o Partido da Mulher Brasileira (PMB) posiciona-se contra a legalização do aborto, e 90% de seus representantes atuais no Congresso são homens.
Somente no nome, quatro partidos diferentes mencionam a república ou o republicanismo; seis, a democracia, e cerca de nove, de todas as alas do espectro político, aludem aos trabalhadores ou ao trabalho.
Face a tamanha flexibilidade ideológica, não deveria nos surpreender o fato do maior partido de todos, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Presidente Michel Temer, ser extensamente conhecido por não possuir sequer uma ideologia definida.
Os partidos mais influentes em Brasília
PT: Talvez o partido mais influente nas últimas duas décadas, o Partido dos Trabalhadores (PT) nasceu da resistência e da oposição à ditadura militar, e representou o país a nível federal de 2003 a agosto de 2016, primeiro através de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) e posteriormente através de Dilma Rousseff. Como um dos movimentos de esquerda de maior escala na América Latina, o PT possui uma forte base eleitoral nas regiões Norte e Nordeste, assim como nas principais cidades do Sul, e é associado a políticas de assistência social que reduziram significantemente a desigualdade no país.
PMDB: O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) é o maior dos 35 partidos políticos brasileiros e possui o maior número de assentos na câmara dos deputados e no senado. Surgiu em 1979 em oposição à ditadura militar, mas hoje não possui uma ideologia coesa e consiste em membros de alas completamente diferentes do espectro político. Em muitas das eleições recentes, o partido não apresentou seu próprio candidato a presidente, focando, ao invés disso, em ganhar espaço nas disputas parlamentares. Há muito tempo aliado do PT, o PMDB se separou da coalizão no poder em março, em um movimento de suporte ao processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Quando Michel Temer tomou posse oficialmente em 31 de agosto, tornou-se o primeiro presidente pelo PMDB desde José Sarney, que assumiu a presidência do Brasil de 1985 a 1990, no período de transição do país para a democracia. Nenhum dos dois foram eleitos democraticamente.
PSDB: Apesar de ser visto como um rival direto do PT, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) ascendeu de um movimento de oposição similar, esquerdista e anti-ditadura, na metade da década de 1980. Na época, enquanto os socialistas democratas se juntaram ao PT, os social democratas fundaram o PSDB. Dito isso, o partido nunca se afiliou a instituições sociais democratas internacionais ou a sindicatos, como os demais partidos de mesma ideologia em outros países tendem a fazer. Hoje, é o terceiro maior partido no congresso e representou a presidência por oito anos imediatamente antes do PT através do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2003. Fernando Henrique foi tanto associado ao início da reforma agrária, os direitos humanos, e políticas de redução da desigualdade, quanto com o aumento das privatizações e à venda de capital público. Desde então, o partido se desviou para a direita e está entre aqueles mais acusados de corrupção.
PP: Fundado em 1995, o Partido Progressista (PP) é, na realidade, um dos mais conservadores. Com a posse de 47 lugares na câmara de deputados e de seis no senado, é o quarto maior partido do país. O PP adota uma doutrina econômica neoliberal e certas facções apoiam movimentos populistas. Alguns de seus membros mais proeminentes são figuras altamente controversas que enfrentam acusações de corrupção, como Paulo Maluf, governador de longa data de São Paulo, e o congressista de direita Jair Bolsonaro. Apesar de tudo, o partido esteve alinhado por anos ao Partido dos Trabalhadores de Lula na maior parte das questões não econômicas, porém, recentemente, dele se separou para apoiar o processo de impeachment deste ano.
PDT: O Partido Democrático Trabalhista (PDT) foi fundado em junho de 1979 por Leonel Brizola–eleito duas vezes como governador do Rio e associado a políticas pró-favela–e membros do partido trabalhista, descendente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), fundado por Getúlio Vargas e banido no Golpe Militar de 1964. No entanto, uma tática legal da ditadura concedeu as tradicionais iniciais do grupo a um outro grupo de políticos conservadores, alinhados às classes dominantes. Desde então, o partido deu início a um novo capítulo, adotando as iniciais PDT. O PDT foi o primeiro partido de Dilma Rousseff, antes de ela se juntar ao PT.
Eventos recentes
As coalizões entre partidos são vitais para a democracia brasileira. Antes de tomar qualquer decisão, o presidente deve, em primeiro lugar, buscar a aprovação do Congresso, que abriga representantes de quase todos os 35 partidos. E a maneira mais eficiente de o/a presidente aprovar qualquer nova legislação é, portanto, que os partidos formem coalizões.
Lula concedeu ao PMDB o controle sobre os Ministérios das Comunicações, das Minas e Energia e da Previdência Social em 2004, como parte dos acordos de coalizão. No entanto, em sua reeleição em 2006, ele não reintegrou esses ministérios, deixando o PMDB com apenas seis deles. Embora lutas menores pelo poder tenham continuado, a coalizão entre o PT e o PMDB permaneceu civil até a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. Apesar do PMDB ter anunciado seu apoio ao PT, 40,8% de seus representantes votaram contra a reeleição da presidente porque não consideravam que sua administração dava atenção a eles.
Lutas pelo poder e por representação continuam desde então, transformando a crescente aversão entre os partidos na sua separação total. Mas o PMDB ganhou representação inédita na forma de Eduardo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados e incentivador do impeachment de Dilma Rousseff. Com Eduardo Cunha liderando as acusações, o PMDB suspendeu seu apoio ao PT em março de 2016. Os senadores do PSDB já tinham se pronunciado sobre “trabalhar junto” com o PMDB, e o PP seguiu o exemplo, anunciando que não estava mais alinhado ao PT, em abril de 2016. Eduardo Cunha, no entanto, foi expulso de seu cargo no início de setembro, sob acusações de corrupção.
Quão influentes são os protagonistas dos grandes partidos de Brasília nas eleições municipais do Rio em 2016?
Dentre os partidos dos 11 candidatos que estavam concorrendo ao cobiçado lugar de prefeito do Rio de Janeiro no primeiro turno das eleições no dia 2 de outubro, os únicos dos partidos mais influentes representados foram o PMDB e o PSDB. A posição é atualmente ocupada por Eduardo Paes do PMDB, prefeito do Rio desde 2009, cuja carreira política incluiu mudanças entre o PMDB, o PSDB e o Partido da Frente Liberal (PFL), de direita.O sucessor escolhido por Eduardo Paes foi Pedro Paulo Teixeira Carvalho do PMDB, e o prefeito realizou um trabalho significativo para fazer com que outros partidos e candidatos em potencial também o apoiassem. Carlos Osório que concorreu pelo PSDB, também trabalhou na administração de Eduardo Paes como Secretário dos Transportes, e tinha prometido lealdade ao PMDB até fevereiro de 2016, quando se mudou para o PSDB a fim de concorrer ao cargo de prefeito. No entanto, ambos tiveram baixa popularidade nas eleições deste ano, e não foram eleitos já no 1o turno. Pedro Paulo teve o percentual de 12% dos votos e Carlos Osório 8,62%.
O candidato mais popular no primeiro turno da disputa para prefeito foi Marcelo Crivella do Partido Republicano Brasileiro (PRB), um partido que existe, essencialmente, como base para os bispos da Igreja Universal do Reino de Deus concorrerem ao cargo. Marcelo Crivella foi para o segundo turno da disputa eleitoral com 27,78% dos votos e irá concorrer com o segundo candidato mais popular, Marcelo Freixo que recebeu 18,26% dos votos no primeiro turno. Marcelo Freixo é o representante do esquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), formado por membros expulsos do PT e outros que dele saíram por escolha, já que o partido formou alianças com polêmicos políticos de direita. O PSOL é o único partido presente no Congresso que não recebe dinheiro de grandes corporações, e foi o primeiro a tornar-se um partido através de uma campanha massiva de assinaturas. Também foi reconhecido essa semana como a melhor bancada por jornalistas cobrindo Brasília.
Desde a década de 80, a liderança do Rio se divide entre o PMDB, o PDT e o PFL, com exceção de uma breve passagem pelas mãos do Democratas (DEM), o principal partido de direita brasileiro, quando César Maia nele ingressou ao sair do PFL, em 2007.
Prospectivas
Não parece que o sistema multipartidário brasileiro irá passar por uma consolidação significante tão cedo. Ao contrário, mais 12 partidos, de todas as alas do espectro político, estão atualmente em processo de reconhecimento pelo Tribunal Superior Eleitoral. Entre eles, é notável a Frente Favela Brasil (FFB), organizada para lançar candidatos das favelas a cargos políticos.
Com Temer e o PMDB ascendendo ao cargo de presidente apesar de nunca terem conquistado os votos do eleitorado, é provável que o povo brasileiro não terá a oportunidade de fazer valer sua voz até as próximas eleições, em outubro de 2018.