A Nova Agenda Urbana é responsável pelo estabelecimento dos marcos das políticas que irão orientar a governança das cidades no mundo nos próximos 20 anos.
Após o lançamento do documento do Rascunho Zero da Nova Agenda Urbana em maio, cada país teve a oportunidade de escrever a própria crítica e oferecer sugestões sobre quaisquer acréscimos ou revisões. A resposta brasileira ao Rascunho Zero pode ser encontrada aqui, e os principais elementos dessa resposta estão resumidos neste artigo. Algumas críticas provavelmente influenciaram a Nova Agenda Urbana final, que forma a base da conferência Habitat III acontecendo essa semana, em Quito, Equador.
Os peritos brasileiros que contribuíram na resposta criticaram a linguagem relativamente neutra do Rascunho Zero e também não estavam certos se o documento irá, ou não, avançar com as promessas feitas anteriormente na conferência Habitat II de 1996 e revisadas em 2001. Eles dizem que um exame mais aprofundado deve ser feito.
O documento com a resposta brasileira declara que o rascunho atual “não está de acordo com a realidade da exclusão, regressão e violações de direitos na vida cotidiana das populações. Desta maneira, não reconhece ou demonstra empatia aos muitos conflitos que permeiam este processo, como conflitos quanto à terra, questões ambientais e disputas políticas por terras públicas presentes em muitas partes do mundo”.
Aqueles que contribuíram para este documento de resposta dizem que o Rascunho Zero não detalhou adequadamente as realidades verdadeiras das populações vulneráveis. “Neste documento, a análise está centrada na pobreza urbana e no tratamento das populações vulneráveis somente em termos de renda, deixando de lado a discussão do ponto de vista da desigualdade socioterritorial (como o acesso aos serviços, bens, e oportunidades)”. Outros tópicos subdesenvolvidos no documento incluem segurança pública e violência urbana, que na opinião deles deveriam ter sido mencionados expressamente a fim de poder encontrar soluções adequadas.
A resposta brasileira oferece uma alternativa possível, dizendo que “a sua visão” incluiria “a busca pela equidade, a distribuição justa dos custos e benefícios da urbanização, a função social da propriedade e dos bens, entre outros”.
Talvez a parte mais importante da crítica brasileira foi que ela aponta uma enorme contradição dentro do Rascunho Zero que é facilmente ignorada, que é a contradição entre o “direito à cidade“ e a ênfase na competitividade como uma meta para as cidades. A pergunta básica que a resposta brasileira pergunta é: como é possível defender um crescimento inclusivo e justo, e também a concorrência, que intrinsecamente significa promover perdedores e vencedores?
A resposta brasileira também diz que o Rascunho Zero erroneamente associa o “direito à cidade” à “cidade para todos”. “A cidade para todos”, eles dizem, tem uma dimensão primária de igualdade e não-exclusão. O “direito à cidade”, no entanto, é um conceito bem mais amplo e antigo que considera a cidade como um bem comum. O “direito à cidade” pode ser usado como uma abordagem aos direitos humanos e uma plataforma para ação, enquanto a “cidade para todos” é simplesmente um marco.
A resposta brasileira também favorece um papel mais claro para o setor público para além das parcerias público-privadas. O documento enfatiza a importância de regulamentar os mercados de imóveis hoje acontecendo cada vez mais nas grandes cidades dos Estados Unidos e Europa, e encontrar maneiras melhores para distribuição de custos e benefícios na construção da cidade.
Como um todo, a crítica brasileira não crê que o Rascunho Zero tenha abordado adequadamente os temas como a informalidade, a concentração da propriedade ou oferecido planos concretos sobre como regulamentar estes setores. De acordo com a constituição brasileira, a resposta brasileira requer uma confirmação maior da função social da terra e o estabelecimento de mecanismos de prevenção e mediação dos conflitos da terra.
Além disso, a resposta brasileira concorda que uma variedade de soluções são essenciais para o sucesso da Nova Agenda Urbana em áreas como habitação e que o governo não deveria ser o único ator envolvido. O Rascunho Zero também fala sobre a importância do espaço público; a resposta brasileira gostaria de uma afirmação sobre o significado real de espaço público, que na verdade não é regulado pelo governo, mas aberto para todos. Se for controlado demais pelo governo, dizem os especialistas brasileiros, há o risco de repressão ou “criminalização de diversas expressões de cidadania“.
Finalmente, os brasileiros foram céticos quanto aos métodos atuais de implementação e acreditam que deveria haver um painel criado para monitorar continuamente o progresso da Nova Agenda Urbana.