As eleições municipais do dia 2 de outubro produziram alguns resultados notáveis para a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Vários candidatos destacados na campanha interpartidária Vereadores Que Queremos foram eleitos, inclusive dois oriundos de favelas–Marielle Franco e David Miranda.
A plataforma Vereadores Que Queremos fornece recursos midiáticos e visibilidade para candidatos a vereador que são comprometidos com um processo democrático de base, transparentes e cujos perfis demográficos refletem a diversidade da sociedade brasileira. O objetivo é trabalhar dentro de uma instituição tradicionalmente corrupta e homogênea para criar espaço para as vozes e participações de membros da sociedade menos representados. Essa campanha é particularmente importante tendo em vista a natureza corrupta da grande parte da Câmara dos Vereadores do Rio. Muitos membros têm laços com milícias e usam métodos de campanha suspeitos, tal como manipulação, suborno e também eleitoralismo: criando políticas públicas ou privadas somente para influenciar a votação.
Marielle Franco se elegeu vereadora como a quinta mais votada no Rio, uma vitória excepcional, dado que a última formação da Câmara dos Vereadores só tinha seis representantes femininas em um total de 51 membros. Um artigo pelo jornal Extra, publicado na semana passada, explica que mesmo que muitos outros candidatos para vereador advindos e baseados em favelas tenham tido mais votos do que Marielle Franco dentro das suas próprias favelas, nenhum além da Marielle realmente ganhou um mandato esse ano. Marielle ganhou somente 1.688 votos na sua comunidade do Complexo da Maré, comparado com outro morador da Maré, Del do Partido Republicano (PR), que ganhou 8.058 dentro da sua comunidade.
Entretanto, Marielle ganhou votos da cidade inteira, mais notavelmente no Centro e na Zona Sul, ganhando um total de 46.502 votos. Ela foi a segunda mais votada no Jardim Botânico, na Zona Sul. A matéria do Extra também destaca os resultados para candidatos baseados nas favelas da Rocinha e Complexo do Alemão. Ambos ganharam mais votos dentro das suas próprias comunidades, mas menos de fora.
A vitória da Marielle não representa a primeira vez que um morador de favela é eleito para a Câmara dos Vereadores. De fato, uma das pessoas no gráfico ao lado, Jorginho Sos, estava fazendo campanha para a reeleição. Mesmo assim, em todos os níveis do governo brasileiro há uma falta contínua de representantes negros, e especialmente moradores de favela, além da grande falta de representação de mulheres em cargos públicos. No entanto, a grande popularidade da Marielle, particularmente fora da sua comunidade imediata, é sem precedentes.
Marielle explica que seu objetivo não era ser a candidata exclusivamente para o Complexo da Maré, porque as questões que afetam sua comunidade são pertinentes à cidade toda. Como resultado, a divulgação da sua campanha atingiu várias regiões, ultrapassando o caráter segregado da cidade. Marielle se tornou mãe solteira com 19 anos, e foi a primeira na sua família a cursar o ensino superior. A plataforma de Marielle foca na defesa dos direitos das mulheres negras. Ela quer mais creches públicas para que mulheres possam trabalhar, especialmente nas favelas onde não há creches suficientes. Ela é uma critica constante das deficiências das UPPs e das operações policiais nas favelas, já que perdeu um grande amigo para violência resultante da ocupação militar da Maré.
Mesmo que ele não esteja morando mais em uma favela, David Miranda nasceu e foi criado no Jacarezinho na Zona Norte e também foi eleito. Igual Marielle, ele se candidatou pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). David Miranda vem com um compromisso especial de defesa da liberdade da Internet e os direitos LGBT.
David é um militante e jornalista, e um grande apoiador do Edward Snowden. Seu companheiro, Glenn Greenwald, é o famoso jornalista, advogado e autor conhecido por seu papel numa série de reportagens publicadas pelo The Guardian revelando informações liberadas por Edward Snowden sobre a vigilância dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. David Miranda sofreu repressão estatal à sua liberdade de expressão quando, em 2013, foi detido no aeroporto Heathrow, em Londres, por sua associação com Glenn Greenwald e Edward Snowden.
Mais dois candidatos do Vereadores Que Queremos foram eleitos, embora não baseados em favelas. Renato Cinco do PSOL foi reeleito como vereador, ele é uma voz crítica ao fato do Rio ter sediado a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, e a corrupção associada. Ele é também um firme adversário da guerra contra as drogas, considerando-a como uma guerra contra os pobres, e tem defendido ativamente a legalização da maconha. Ele quer combater a violência policial que continua sendo impune.
Reimont, do Partido dos Trabalhadores (PT) também foi reeleito, e tem apoiado a fundação de vários projetos sociais inclusive o Instituto de Prevenção á AIDS (IPRA), e o Grupo de Formação de Educadores Populares (GEFEP). Ele é o vice-presidente da Comissão Permanente de Educação e Cultura e preside três comissões especiais: População de Rua, Comércio Ambulante, e Politicas Públicas para a Juventude. Ele também é ativo em iniciativas de alfabetização.
Mesmo que Indiana Siquiera do PSOL não tenha sido eleita, ela atingiu votos suficientes para estar na posição de vereadora suplente, se tornando a primeira mulher trans a chegar tão perto de assumir um cargo público no Rio. A plataforma dela é em defesa da comunidade LGBT e profissionais do sexo.
Outra eleição destacada pela campanha Vereadores Que Queremos na região metropolitana do Rio foi a de Talíria Petrone do PSOL de Niterói. Uma feminista negra, Talíria Petrone conseguiu o maior numero de votos no seu município. Sua plataforma foca em questões de igualdade dos gêneros, direitos LGBT e na qualidade da educação.
Ademais, vários estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, e Sudeste do Brasil elegeram candidatos indígenas, inclusive Weibe Tapeba do Partido dos Trabalhadores (PT) do Ceará, que participou da campanha Vereadores Que Queremos.
Considerando a história corrupta das câmaras municipais do Brasil, e as tensões crescentes na política brasileira depois do impeachment de Dilma, o sucesso dos candidatos envolvidos na campanha Vereadores Que Queremos traz uma luz de esperança para transparência e democracia no Brasil.