A Nova Agenda Urbana sendo divulgada e discutida essa semana na Conferência Habitat III das Nações Unidas no Equador é extremamente importante para o Rio. Num tempo em que a cidade enfrenta massivas mudanças urbanas e uma eleição municipal controvertida, a Nova Agenda Urbana oferece uma excelente ferramenta para reflexão.
Primeiramente, o Rio sofre de um problema real de falta de implementação. Muito embora políticas como o Morar Carioca se apresentem bem escritas no papel, o suficiente para ganhar prêmios internacionais, sua implementação vem sendo considerada um fracasso tanto por especialistas como por moradores. Em segundo lugar, a Nova Agenda Urbana pede mecanismos participativos mais robustos, a fim de garantir a participação igualitária aos moradores da cidade, com foco especial naqueles que se encontram em posições mais vulneráveis. Novamente, muito embora a legislação conte com vários mecanismos desse gênero, os mesmos acabam sendo desrespeitados ou mal utilizados.
Finalmente e talvez mais importante, a Habitat III tem o potencial de solidificar a mudança do paradigma anterior da Habitat, de um “mundo sem favelas”, para um mundo onde, ao invés de estigmatizá-los e ignorar suas qualidades, assentamentos informais se integrem ao tecido da cidade através de significativos programas de urbanização. Essa mudança traria grandes implicações à cidade do Rio de Janeiro porque, não somente tornaria ilegítima a política de remoções do Prefeito Eduardo Paes, como também colocaria em questão a utilização do programa Minha Casa Minha Vida, uma vez que ambos os programas contam, de forma injusta, com a remoção de moradores para áreas distantes da cidade, tais como Campo Grande e Santa Cruz. E ainda porque se mostram como solução única e simplista para o problema de déficit de moradia, o que vem sendo claramente criticado pela Nova Agenda Urbana.
Já em uma outra escala, a Nova Agenda Urbana poderia encorajar a prefeitura do Rio a explorar novas ideias para titulação de terras–que não vêm sendo consideradas até então–como por exemplo, títulos de posse coletiva para as favelas. Essa potencial política pública poderia reinventar a maneira com que as favelas se integram à cidade. Tal política seria capaz de trazer títulos de propriedade mais robustos, capazes de proteger os moradores contra remoções, ao invés da forma atualmente utilizada, que se baseia em simples permissão para ocupação do terreno, e que vem se demonstrando muito mais frágil do que a maioria poderia imaginar. Prova disso, é que os moradores da Vila Autódromo, mesmo sendo detentores de tal título, acabaram sendo removidos de suas terras em razão das obras de infraestrutura dos Jogos Olímpicos. De fato, um estudo desenvolvido pelo Instituto Lincoln aponta os títulos coletivos em forma de Fundos de Posse Coletiva como a forma mais eficaz, no Estados Unidos, para a realização de políticas de moradia acessíveis. Esse sistema se mostra capaz de proteger os moradores, seja nos tempos de alta valorização do mercado imobiliário (quando os mesmos estariam sujeitos a perderem seus imóveis através do processo de gentrificação) como nos tempos de recessão (quando os moradores poderiam estar sujeitos a perder seus imóveis por não conseguirem pagar).
As favelas do Rio oferecem exemplos e lições importantes para a Nova Agenda Urbana
Se por um lado o Rio tem muito trabalho pela frente até atingir as metas estabelecidas pela Nova Agenda Urbana, por outro a cidade se mostra como um importante modelo a ser observado. Muito embora cheia de desafios, as favelas do Rio ratificam uma série de pontos chave na Agenda e mostram como os assentamentos informais podem, na verdade, representar uma série de bons princípios a serem seguidos pelo planejamento urbano.
Por exemplo, a cláusula 51 da Nova Agenda estabelece que as nações devem “promover o desenvolvimento de políticas públicas para o espaço urbano, incluindo planejamento urbano e instrumentos que suportem o desenvolvimento sustentável e o uso de recursos naturais e de terra, adequada compacidade e densidade, policentrismo e uso misto do terreno, através de estratégias de extensão urbana planejadas conforme o caso, para desencadear economias de escala e de aglomeração, fortalecer o planejamento do sistema alimentar, aumentar a eficiência dos recursos, a resiliência urbana e sustentabilidade ambiental”. Já na cláusula 59 temos que as cidades devem “comprometer-se a reconhecer a contribuição dos trabalhadores pobres na economia informal, em particular as mulheres, incluindo os trabalhadores não remunerados, domésticos e migrantes nas economias urbanas, levando em conta as circunstâncias nacionais. Seus modos de vida, condições laborais e segurança de renda, proteção jurídica e social, acesso a competências, ativos e outros serviços de apoio e voz e representação devem ser reforçadas”. Nesses pontos, as favelas cariocas podem ser vistas como exemplos, não como um problema.
Mais adiante o documento, nas cláusulas 98 e 99, menciona que as nações deverão “promover o planejamento urbano e territorial integrado, incluindo as extensões urbanas planejadas com base nos princípios de utilização equitativa, eficiente e sustentável da terra e dos recursos naturais, compacidade, policentrismo, densidade e conectividade apropriada, uso múltiplo do espaço, bem como congregar o uso social e econômico nas áreas edificadas, para impedir a expansão urbana” e “apoiar a implementação de estratégias de planejamento urbano, conforme o caso, que facilitam a integração social por meio do fornecimento de opções de moradia a preços acessíveis com acesso a serviços básicos de qualidade e espaços públicos para todos”. Deste modo, o texto trás a ideia de que as favelas podem ser a solução para os problemas enfrentados pela cidade. Ao invés de estigmatizar, podemos mapear seus ativos e reconhecer as qualidades dessas comunidades e se basear nestas instituições sociais já existentes. Isto não só é economicamente e ambientalmente mais sustentável, mas também preserva a história e a cultura local.
O Rio certamente precisa melhorar muito para se alinhar com a Nova Agenda Urbana, mas esses problemas estão muito mais ligados com a forma com que o governo vem falhando em integrar as comunidades com o restante da cidade. A solução, no entanto, pode estar em observar as favelas e aprender com a inovação, criatividade e senso de coletividade dessas comunidades. Não só para construir um Rio melhor, mas também como um exemplo para o mundo.