A noção de que os trabalhadores pobres não pagam sua parte justa de impostos continua a ser um tema de conversa comum e duradouro entre conservadores ao redor do mundo. No Brasil, este estigma é frequentemente usado para justificar amplamente a falta de serviços, de saúde e de moradia adequados disponíveis para grandes segmentos da população, muitos dos quais vivem nas favelas. Este equívoco é ainda agravado pela presença avassaladora do setor informal, que analistas acreditam somar 48 milhões de trabalhadores e cerca de 60% do emprego total do país.
Mas argumentar que as pessoas informalmente empregadas não pagam impostos é ignorar as políticas sistêmicas de tributação regressiva fundamentais da notoriamente complexa legislação tributária brasileira. Por definição, impostos regressivos são aqueles que impõem uma carga relativa maior para as pessoas com uma menor capacidade de pagar. Na prática, eles são cobrados mais frequentemente devido aos impostos não uniformes sobre consumo de bens e serviços básicos. Pesquisas mostram que os produtos tributados mais regressivamente no Brasil são alimentos básicos, gás de cozinha, eletricidade, roupa e tabaco, todos produtos muito utilizados por trabalhadores de baixa renda.
Taxar excessivamente os pobres no seu consumo de bens básicos não é o único aspecto questionável do código tributário brasileiro. Investigações mais profundas na legislação tributária do país revelam um sistema falho que, desde seu início em 1988 com a ratificação da nova Constituição, notavelmente conseguiu impor uma carga tributária em pé de igualdade com países do Norte da Europa, mas que sustenta taxas de desigualdade semelhantes as encontradas na África subsaariana. Resumindo: no Brasil taxamos como os países que garantem o melhor bem-estar social do mundo e por consequência a menor desigualdade social aos seus cidadãos, porém que no Brasil estes impostos nada fazem para, na prática, reduzir essa desigualdade social.
Um economista empregando um pouco de humor negro pode chamar essa relação paradoxal de O Milagre Brasileiro, segunda rodada. A lógica prevalecente entre os analistas de política fiscal tem sido sempre a de que existe uma forte correlação entre uma alta carga tributária em percentagem do PIB de um país e baixos coeficientes de Gini–a métrica usada para determinar a desigualdade. O Brasil parece ter sido capaz de inverter esta tendência pela promulgação de um código tributário que é, fundamentalmente, tendencioso contra os membros mais pobres da sociedade.
A raiz desse fenômeno contraintuitivo encontra-se novamente nos tipos de impostos cobrados. No Brasil, em 2011, os impostos indiretos sobre o consumo de bens e serviços–os impostos regressivos acima mencionados–foram responsáveis por mais de 49% da carga tributária, em comparação com apenas 34% nos países da OCDE. Em contraste, taxas de impostos que predominantemente afetam os ricos, como os impostos sobre propriedades e renda, permanecem relativamente muito baixos. Um imposto progressivo sobre riqueza que taxaria indivíduos com ativos de mais de R$2 milhões–o Imposto sobre Grandes Fortunas–está sendo discutido há mais de 20 anos, mas nunca foi implementado.
A principal fonte de estigmatização vem da confusão em torno de pessoas que não pagam imposto de renda, mas ainda estão sujeitas a uma grande carga tributária total. Este preconceito não é exclusivo do Brasil–o infame comentário do candidato presidencial dos EUA Mitt Romney de que “47% [dos americanos] não pagam impostos“, muitas vezes citado como o motivo para sua derrota eleitoral de 2012, é um excelente exemplo.
É verdade que a maioria dos cidadãos que trabalham informalmente não pagam impostos sobre renda, mas o imposto de renda compõe meros 19% da receita fiscal total no Brasil. Também não há quase nenhum incentivo para entrar na economia formal e pagar impostos se eles foram criados de uma maneira que tornam a sua função–a verdadeira redistribuição da riqueza–inatingível. Como o sistema é composto por várias categorias de impostos, ele mantém o disfarce de ser progressivo, mas definindo o limite da categoria mais alta para um nível relativamente baixo de renda, os pobres e a classe média são penalizados enquanto as famílias mais ricas desfrutam encargos fiscais comparavelmente minúsculos.
Todos os rendimentos anuais superiores a R$49.051,00 atualmente são tributados igualmente a uma taxa de 27,5%. Isto significa que uma pessoa que ganha R$50.000 por ano é tributada à mesma taxa que uma pessoa que ganha R$50 milhões. Em comparação, os impostos para os que possuem as rendas mais altas nos Estados Unidos, Europa e outras nações desenvolvidas variam de 40% a 57%.
A situação está só piorando. De acordo com vários relatórios de pesquisa, desde a década de 90 até hoje, as famílias que ganham até dois salários mínimos têm visto um aumento em sua carga de imposto direto enquanto aqueles que ganham mais de 30 salários mínimos receberam uma redução. Para as corporações, a paisagem tributária também é tendenciosa quanto a ajuda às corporações multinacionais e grandes em vez das pequenas empresas. Apesar dos esforços abrangentes feitos pelo governo federal para formalizá-los, é fácil ver por que muitas pequenas empresas no Brasil muitas vezes optam por permanecer no setor informal. O Banco Mundial classifica a nação como a 126º em “facilidade para começar um negócio” e um estudo de 2013 da Forbes classificou o código tributário brasileiro como o que mais consome tempo no mundo. Da mesma forma, as pequenas empresas enfrentam um fardo de imposto relativo maior do que as grandes corporações, o que inerentemente incentiva a economia informal a florescer.
Em um sistema tão injusto, porque a retórica mal informada e estigmatizada persiste? A extrema complexidade do código tributário é considerada um fator importante para frustrar a aceleração dos movimentos sociais por justiça fiscal. Da mesma forma, a associação pública da economia informal com a criminalidade está profundamente enraizada.
Se o governo brasileiro está verdadeiramente interessado em integrar economicamente o setor informal como diz estar, é claro que primeiro devem tomar medidas para reformular o tendencioso código tributário do país.