Problemas psicológicos, sem tratamento, podem causar impactos graves que ultrapassam a saúde mental básica. Mesmo uma ansiedade mínima pode levar a um acúmulo do hormônio de estresse conhecido como cortisol, que pode levar a um estado físico deteriorado. Nas áreas desfavorecidas, como em algumas favelas, o estresse enfrentado pelos moradores diariamente pode ser extremamente alto. Uma medida elevada deste estresse, chamada carga alostática, está relacionada à diminuição da capacidade de auto regulação, de fazer planos, e da memória operacional. De acordo com Martha J. Farah, que estudou os efeitos psico-fisiológicos de viver na pobreza nos EUA, há uma forte correlação negativa entre viver anos na miséria e o funcionamento cognitivo do cérebro.
No Rio de Janeiro, uma cidade conhecida por suas severas desigualdades, a saúde mental é frequentemente posta de lado na lista de prioridades. No entanto, tanto profissionais como moradores concordam que é um problema que deve ser abordado com urgência.
O SUS (Sistema Único de Saúde) concentra no cuidado com a saúde da família, focando na prevenção e na promoção da saúde. Desde 2008, o sistema se expandiu bastante, e os postos de saúde da família encontram-se por toda a cidade do Rio, “a cobertura de Saúde da Família na cidade passou de 3,5%, em janeiro de 2009, para 56,8% até setembro de 2016“. O sistema também fornece cuidados emergenciais de saúde, nos seus postos UPA (Unidades de Pronto Atendimento). Embora o cuidado preventivo nas unidades da família cubra a saúde mental, existem postos de saúde adicionais dedicados a distúrbios mentais sérios, conhecidos como CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Apesar disso, a assistência aos que necessitam de prevenção ou tratamento básico da saúde mental continua sendo insuficiente.
Joana Thiesen é uma das psiquiatras que trabalha na Clínica da Família na Rocinha. Ela também trabalha em uma unidade em outra favela da Zona Sul, Pavão-Pavãozinho, e começou a trabalhar na unidade do Catete, onde o sistema de saúde é usado por moradores de favelas e do asfalto. Ela promove sessões de terapia em grupo com o objetivo de reduzir os danos na Rocinha–ela trata de muitos casos de alcoolismo e de outras dependências químicas. Uma vantagem destas sessões de terapia em grupo, ela diz, é que elas permitem uma troca de mecanismos de enfrentamento que em sessões individuais um terapeuta profissional não poderia nem imaginar. Profissionais de saúde muitas vezes vivem diferentemente o dia a-dia em relação a muitos moradores de favela, entre os quais “muitos já se tornaram capazes de lidar com isso”.
Natalia Helou Fazzioni, uma pesquisadora em antropologia da saúde na UFRJ, fala de maneira diferente sobre a terapia em grupo após as suas experiências no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. Para ela, este modelo é inadequado para uma comunidade como o Alemão. Pois aqueles que estão procurando apoio de saúde mental podem ser parentes de policiais ou de traficantes de drogas, ou podem estar em conflito uns com os outros, o que torna a terapia em grupo improdutiva. Mesmo nas situações onde o problema existente não está relacionado à violência, a saúde mental é algo íntimo sobre a qual é difícil falar. A propósito, revelar o que sente é o objetivo do tratamento da saúde mental. Natalia Fazzioni diz que o tratamento psicológico individual deve estar disponível àqueles que algum dia possam precisar dele: “A assistência psicológica nem sempre é necessária, muitas pessoas resolvem seus problemas através de meios individuais, através da religião ou outras coisas. Mas a opção de tratamento através da psicologia, da psicanálise, deve estar disponível”.
Médicos Sem Fronteiras (MSF) tentou chamar a atenção para isso quando, de 2007 a 2010, formou uma clínica de saúde de emergência no Complexo do Alemão. Além dos cuidados emergenciais básicos de saúde, MSF colocou psicólogos no seu posto, localizado no meio do complexo. Douglas Khayat, um desses psicólogos, lamentou a falta de apoio para a saúde mental, mas elogiou o sucesso limitado que o projeto de MSF teve para os moradores do Alemão. “As pessoas começaram a falar sobre coisas sobre as quais nunca haviam falado. Isso tem um efeito imediato em termos de aliviar a tensão, e é claro que aliviando a tensão, com uma visão direcionada, você ganha em termos de qualidade de vida”, ele diz.
De acordo com Douglas, os psicólogos no Brasil preferem o setor privado onde podem cobrar valores altos. Isto contribui para um preconceito generalizado que “os problemas de saúde mental são problemas dos ricos: os pobres não têm tempo para ficarem tristes, porque precisam ganhar a vida, criar os filhos, construir uma casa…”, como Natalia Fazioni afirma. Irenaldo Honório da Silva, um fisioterapeuta e presidente da Associação de Moradores do Pica-Pau, uma favela na Zona Norte, diz que os moradores da comunidade ainda acreditam que os problemas de saúde mental são tabu. Segundo ele, a falta de infraestrutura de saúde na comunidade contribui para este problema: “Há muitas pessoas aqui com depressão. E elas não conseguem melhorar por falta de tratamento adequado”.
Infelizmente, o tratamento de saúde mental adequado muitas vezes é substituído por práticas medicinais rápidas e fáceis. Rivotril, um medicamento calmante, é vendido por preços baixos e em grandes quantidades no Brasil. Nos EUA, o medicamento receitado é conhecido como Klonopin (nome médico clonazepam),e é considerado um dos mais perigosos no mercado hoje em dia. Natalia Fazzioni denuncia a medicalização dos problemas da saúde mental no Brasil, explicando a situação difícil enfrentada pelos médicos que não são especificamente treinados em psicologia e frequentemente enfrentam uma longa fila de pacientes, a maioria buscando um remédio mais rápido (sem considerar a eficiência). Nas favelas, o custo baixo do Rivotril torna este medicamento atraente. Para aqueles que não tem acesso a estes medicamentos receitados, o álcool e outras drogas de rua são acessíveis e podem tornar-se o escape, do paciente, dos desafios cotidianos.
Estes desafios tem um amplo escopo nas favelas do Rio, e muitas vezes diferem daqueles dos brasileiros de classe média e alta que vivem na cidade formal. Além do estresse econômico e familiar, os moradores das favelas frequentemente precisam lidar com o estresse das explosões violentas e às vezes das excruciantes remoções de suas comunidades. A preocupação constante que os tiroteios possam irromper por perto ou que a sua casa e comunidade não sejam seguras tem efeitos severos nos níveis de estresse e, consequentemente, na saúde mental. Douglas Khayat argumenta que isto tornou-se pior com a implementação das UPPs, que tornaram mais frequentes discussões violentas entre a polícia e os traficantes no Alemão. Com a imprevisibilidade resultante, ele disse, os moradores precisam estar em alerta constante. Isto foi ampliado pelas constantes operações policiais em diversas favelas durante os recentes Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Os impactos da violência sobre a saúde mental dos moradores são ainda mais sérios quando as Clínicas de Família precisam fechar repentinamente em tempos de violência. Joana, que passou por tais situações na Rocinha, diz que os moradores frequentemente se queixam que a clínica fecha quando os moradores têm mais necessidade do seu apoio.
Marize Bastos da Cunha, uma pesquisadora de saúde na Fiocruz, diz que houve um aumento de diabetes e pressão alta nos últimos anos, um problema que acredita estar diretamente ligado ao aumento da depressão crônica e da ansiedade. “O governo está investindo em armas mais do que na saúde e nas condições de vida das pessoas”. Ecoando Irenaldo, ela diz que a depressão ainda é um problema invisível, especialmente entre a juventude nas favelas. “A juventude é apenas um objeto de política da saúde para falar sobre gravidez e drogas. Então estes jovens estão vivendo um dia a dia extremamente dramático, com problemas de estômago, problemas de saúde mental, sem perspectiva na vida, pressão alta, obesidade… E para estes jovens não têm um programa de cuidado específico para eles ou para elas”.
As condições de vida também podem ser uma barreira para uma mente saudável. Moradores das favelas podem ter espaço limitado para morar, as ruas podem ser congestionadas e sujas, o esgoto pode correr a céu aberto por falta de um sistema de esgoto adequado. Esta condições são precursoras de vários problemas de saúde, como a tuberculose. Irenaldo, de Pica-Pau, vem exigindo que a Prefeitura do Rio implemente uma infraestrutura melhor na sua comunidade durante anos. Ele acredita que a falta de saneamento adequado e de coleta de lixo tenha impactos severos sobre o bem-estar na sua comunidade, e que os problemas de saúde mental são mais frequentes na sua favela devido às más condições de vida.
A negligência do governo é portanto um grande contribuinte para os problemas de saúde mental. Um bom exemplo é o programa Morar Carioca da prefeitura, que desde 2010 prometeu urbanizar, e trazer os serviços faltantes, para centenas de favelas. Ao invés disso, o programa deixou as comunidades como Pica-Pau esperando, e assim revivendo o abandono, cada vez mais. O abandono das favelas pelo governo não apenas as deixa em um estado precário que contribui para os desafios da saúde mental, mas pode criar um sentimento de desespero nos moradores, o que causa um aumento de depressão e ansiedade para aqueles que são forçados a viver com as consequências disto. A estigmatização das populações das favelas também pode ter impactos similares, pois os que moram nas favelas sentem-se marginalizados na cidade e às vezes sentem-se envergonhados quanto ao lugar de onde vem.
Esta estigmatização, claramente, não tem fundamento, e as favelas cada vez mais representam valores de criatividade e comunidade. Na verdade, a resiliência que seus moradores encontraram para lidar com a saúde mental é graças principalmente aos ativos próprios das favelas, como mutirão, criatividade e vida comunitária.