Apesar de Bárbara Nascimento ser amiga e co-organizadora com André Gosi no Vidigal, uma favela na Zona Sul onde houve uma significativa gentrificação nos últimos anos, as pessoas “não têm nenhuma ideia” quanto ao nome da rua onde ele mora. Bárbara, professora e atual estudante de mestrado nascida e criada no Vidigal, usa um conjunto de pontos de referência bem conhecidos na favela para localizar as casas dos outros colegas moradores. Mesmo ao descrever o seu endereço para os outros, Bárbara afirma: “só falo que moro na Pedrinha”.
Este sistema de mapeamento diz respeito ao contexto maior do Rio de Janeiro, onde a cultura das favelas sofre o impacto das tensões entre as narrativas da comunidade e das advindas do governo. No Vidigal, este atrito estende-se à política do local, pois os regulamentos e iniciativas da prefeitura frequentemente contradizem as necessidades dos moradores. Nos anos noventa o governo tentou dar nomes com tema de frutas às ruas do Vidigal. Como Bárbara Nascimento explica, esta mudança proposta ignorava o fato que muitos moradores lutam para conseguir emprego quando os seus endereços são reconhecidos como sendo de uma favela. “Já tinha essa questão de preconceito se morava na favela. E ainda na Rua Banana?” Enquanto isso, as tentativas lideradas pela comunidade de dar às ruas do Vidigal os nomes dos heróis locais vivos foram derrubadas por um decreto do governo que apenas permite homenagear indivíduos falecidos.
Avançamos para 2012, quando o designer gráfico André Koller vivenciou o desafio de traçar a comunidade informal ao desenhar um mapa local chamado “Vidigal: 100 Segredos“. Procurando colocar os marcos importantes com maior precisão no seu mapa, ele começou a pesquisar os vários pontos de referência do Vidigal, descobrindo que havia “histórias ricas atrás da maioria desses locais”. Então André Koller uniu-se a Bárbara Nascimento como parceiro de pesquisa e eventualmente uma nova ideia nasceu: instalar placas estratégicas e artísticas em todos estes locais importantes.
A partir daí, André e Bárbara entraram em contato com André Gosi–responsável pelo setor cultural da Associação dos Moradores do Vidigal–para juntar-se ao projeto. 42 placas foram selecionadas, homenageando diferentes áreas no Vidigal, sendo que duas já foram desenhadas. Oito artistas locais confirmaram a sua participação na iniciativa, e mais cinco mostraram interesse. Os artistas terão liberdade para escolher as áreas que querem homenagear, bem como o desenho das placas, e o seu trabalho será voluntário. Uma campanha de financiamento coletivo está em andamento para a compra dos materiais necessários para a execução destas placas.
Bárbara Nascimento, André Gosi e André Koller declaram ter três metas: preservar a memória, realizar um projeto de melhoria que a prefeitura do Rio reluta em fazer durante um momento de crise, e homenagear os heróis locais e as figuras importantes da comunidade, esforçando-se em dar aos moradores um senso de identidade e em edificar o orgulho comunitário. As placas também servirão como pontos de referência físicos para reforçar o conhecimento coletivo e a história em torno de cada local.
Sendo assim, o objetivo abrangente do projeto é, conforme diz Nascimento, “legitimizar essa lógica própria da favela”. Devido décadas de informalidade, o Vidigal apresenta desafios logísticos para um estranho, mas que são ultrapassáveis. “Quando a gente compra alguma coisa, de qualquer loja, e pede uma entrega, você coloca o nome da rua e ao lado você coloca o nome da área. Se não, eles não vão localizar. Isso é coisa que o comércio entende”, enquanto os correios recusa-se a fazê-lo. Ruas não oficiais na favela, apesar de receber um número de CEP, não são reconhecidas por seus nomes comunitários pelas autoridades, o que torna o recebimento de serviços extremamente difícil. Através da campanha, seus protagonistas esperam um maior reconhecimento geral para o Vidigal, bem como estimular outras favelas a fazerem o mesmo.
Como projeto histórico, no entanto, esta iniciativa terá uma função específica para o Vidigal. Coletar e tornar memórias como estas permanentes é extremamente importante em uma época em que o Vidigal está enfrentando uma crescente gentrificação, e a primeira geração dos moradores está envelhecendo rapidamente. Como André Koller coloca, “A vida de uma pessoa é igual à história do Vidigal”. Sem documentação, em alguns anos, o conhecimento em primeira mão dos anos cruciais da formação da favela serão perdidos.