O Instituto Pretos Novos ou IPN, um museu na Região Portuária do Rio, que abriga o maior cemitério de escravos das Américas e é um dos principais locais que preservam o legado da cidade como o maior porto de escravos na história do mundo, vem lutando pela sua sobrevivência desde o início deste ano quando a Prefeitura do Rio cortou o financiamento do Instituto. Apesar deste desafio, o IPN continua recebendo visitantes e sediando programações, e esta semana está participando da Semana Internacional do Museu com cinco dias de eventos.
O IPN tem recebido financiamento da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região Portuária (CDURP) como parte do Circuito do Patrimônio Africano do Centro. Após ser avisado no final de 2016 que o seu financiamento seria descontinuado, o IPN começou a procurar meios para obter financiamento de outras fontes. Em janeiro e fevereiro, o Instituto sediou cursos pagos sobre tópicos históricos, e usou as taxas de inscrição para pagar as contas básicas. Um curso sobre a fundação da cidade sob a perspectiva preta, por exemplo, pagou os materiais de limpeza, enquanto um sobre a história afro-brasileira do carnaval financiou uma reforma no banheiro feminino do museu.
Após uma reunião com os representantes da prefeitura no dia 3 de março, o IPN foi informado que teria que funcionar sem o financiamento do governo pelo menos até junho, quando há outra reunião agendada. O IPN protestou contra estas condições, lançando a campanha #IPNResiste para chamar a atenção para a negligência do governo. A iniciativa gerou financiamento de doadores individuais, mas por enquanto a prefeitura se recusa a mudar a sua posição oficial quanto ao museu.
Os representantes do governo municipal apontam a crise econômica e política atual no Brasil e as dificuldades pós-Olímpicas da Prefeitura do Rio como sendo o motivo para a falta de financiamento para o museu. Do ponto de vista do IPN, no entanto, “esta crise é do governo, enquanto isso as pessoas precisam continuar a fazer as coisas como sempre fizeram”. Além de manter o espaço físico do museu, o IPN depende de financiamento para inaugurar novas exposições e continuar sendo um recurso de primeira linha para pesquisadores de história.
Desde que o Rio obteve a candidatura das Olimpíadas em 2010 e iniciou o projeto Porto Maravilha, a Região Portuária tornou-se uma área cada vez mais popular para a criação de novos museus. O IPN espera ser um membro ativo desse circuito, respeitado e financiado pela prefeitura tanto quanto qualquer outro instituto. O governo municipal tem provido o IPN de algumas maneiras, estabelecendo o Circuito do Patrimônio Africano em 2011, uma ação que trouxe mais publicidade e financiamento ao museu. De outras maneiras, no entanto, o IPN e locais como ele tem sido menosprezados. A prefeitura demonstrou preferência por projetos mais novos, como foi noticiado no início deste ano que mais de um milhão de reais destinados aos projetos na favela Morro do Pinto foram realocados para o Museu do Amanhã.
O IPN também encontrou um obstáculo legal para continuar em funcionamento, com uma lei obscura que impede o uso de financiamento externo para pagar contas como os custos de água e luz do museu. A CDURP pagou estas despesas até o início deste ano, mas agora que não há mais financiamento, o IPN está enfrentando a perspectiva de ser incapaz de usar o dinheiro que recebe para aquilo que é mais necessário. Em resposta a esta situação cada vez mais insustentável, o IPN está considerando iniciar um “fechamento de protesto” simbólico este mês, se estes problemas não forem resolvidos. Este ato de protesto significará que o IPN se encarregará do seu futuro da sua maneira e chamará mais atenção para a luta contínua. O trabalho do IPN também não irá parar durante este período de protesto: “Se as pessoas vierem, estaremos aqui”.
Uma parte do compromisso do IPN de continuar as suas atividades, tão normalmente quanto possível, é a sua participação na edição da Semana Internacional do Museu no Rio, que acontece esta semana. Na segunda-feira, 15 de maio e na terça-feira, 16 de maio, o IPN levou o seu trabalho para fora do museu, primeiro ao Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) no Centro do Rio e depois para a cidade vizinha de Saquarema. Hoje, quarta-feira, o museu sedia um seminário sobre arqueologia, museologia, e comunidade. Na quinta-feira, 18 de maio, a ex-professora da Universidade de Columbia Hebbe Mattos dará uma palestra sobre reparações e a história dos direitos humanos dos pretos. Finalmente, na sexta-feira o IPN sediará um evento sobre a “patrimonialização da dor, horror, e terror“.
O tema deste ano para a Semana do Museu, dizer o indizível em museus, é especialmente significativo para o IPN. Os africanos escravizados que foram enterrados em massa onde agora é o local do museu tiveram as suas vozes caladas, assim como as suas vidas apagadas, pelos traficantes de escravos que os trouxeram ao Brasil. Em um sentido mais amplo, todos os africanos escravizados no Brasil, mesmo os que sobreviveram à travessia do Atlântico, não tinham voz oficial até a abolição da escravatura em 1888 (um evento cujo aniversário em 13 de maio cai um pouco antes da Semana do Museu). Mesmo hoje em dia, a história da escravidão e a experiência dos africanos e afrodescendentes no Brasil permanecem como tópicos raramente discutidos–até mesmo indizíveis, pelo menos não falados com a frequência necessária. O IPN existe, e lutará para continuar a existir, para corrigir este desequilíbrio.
A Semana do Museu também representa uma oportunidade para “repensar o próprio IPN após seus 21 anos de existência”. Como o Instituto entra na sua terceira década, ele continua determinado a manter-se constantemente atualizado e focado na sua missão de fornecer um serviço histórico crucial aos cidadãos do Rio, do Brasil e do mundo. O quarto estágio do processo de escavação em grande escala que vem acontecendo no local desde o seu descobrimento em 1996 está previsto a ser completado ainda este mês. A determinação do IPN e a dedicação dos seus diretores e muitos colaboradores asseguram a continuidade da atividade, mesmo em face de tantas incertezas.