Ao chegar em cima do Vidigal, uma das mais belas vistas de favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro, em um moto-táxi no sábado não pude deixar de notar, a cada volta da moto, a elevada concentração de oficiais e soldados da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Esta nova presença física é uma diferença marcante em relação ao Vidigal que visitei no mês passado. Famosa por ser localizado acima do Sheraton no final do Leblon com vista para o oceano, a favela do Vidigal foi ocupada pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) na manhã do domingo 13 de novembro, juntamente com as favelas da Rocinha e Chácara do Céu. A ocupação da polícia, apelidado de “Operação Choque de Paz”, marcou a instalação da 19ª UPP em favelas no Rio de Janeiro. Hoje, 280 mil dos moradores da cidade vivem sob programas de UPP.
A UPP, também conhecido como o “Polícia da Paz” ou policiamento comunitário, representa um instrumento importante para o governo do estado, uma vez que recupera os territórios perdidos para o tráfico de drogas. A promessa feita pelo Estado é que a presença da polícia, permite ao governo a inclusão social e paz para os setores mais carentes da população. Este novo modelo de segurança pública e policiamento foi criado para promover uma boa relação entre a população e a polícia, bem como o fortalecimento das políticas sociais em várias favelas.
Felizmente, o Estado não parte do zero quanto ao desenvolvimento de programas sociais em comunidades como Vidigal. Já existem inúmeras importantes organizações de base comunitária com vasta experiência no apoio a moradores. Uma delas é o GASCO (Grupo de Ação Social Comunitária), fundado por Bernadete Soares Pereira em 2007 para promover a inclusão social, cidadania e auto-estima das famílias e indivíduos que vivem em Vidigal. O GASCO desenvolve projetos e programas sociais, educacionais, culturais e esportivas, bem como eventos e competições. A organização também desenvolve projetos para a defesa e expansão dos direitos das mulheres, crianças, adolescentes e idosos.
No último sábado, 26 de novembro, quando o moto-táxi me deixou na Vila Olímpica, o complexo de esporte aberto à comunidade que faz fronteira com a sede do GASCO, eu fui recebido com a mesma energia positiva que testemunhei na minha primeira visita alguns meses antes. Neste sábado o GASCO realizou um torneio de vôlei para as crianças e adolescentes da comunidade que participam regularmente das aulas semanais e dos jogos. A cena lúdica da juventude feliz, e instrutores e voluntários igualmente entusiasmado, recebendo troféus e medalhas por suas realizações capturam e sintetizam a missão do GASCO. Após a dispersão da celebração para outras áreas do Vidigal, eu acompanhei Bernadete no espaço da ONG, composta por seis salas, que ocupam um prédio de dois andares. Este espaço estava abandonado, então o GASCO assumiu o espaço em 2007 e deu-lhe como finalidade a sua sede, investindo em seu desenvolvimento. Desde então, Bernadete tem continuamente tentado receber o título de posse de acordo com as leis de usucapião brasileira.
Foi com grande emoção que Bernadete recebeu a notícia da implementação da UPP em sua comunidade. Quando eu a vi sábado, ela me disse: “Eu me senti muito feliz, pensei que iríamos ter políticas públicas para a nossa comunidade que foi abandonada por muitos anos. Tudo vai para a Rocinha, o Vidigal não ganha nada. Há apenas nós aqui, fazendo o trabalho do Estado, sem dinheiro, com muito sacrifício. Então eu pensei: agora a nossa qualidade de vida vai melhorar. “Em seu mural do Facebook no dia 13 de novembro, ela anunciou: “A notícia aqui é encorajadora. Agora é hora de começar a trabalhar imediatamente em ações sociais: educação, saúde, saneamento, lazer, inclusão digital, geração de emprego, apoio e encorajamento do espírito empresarial … Vamos estar todos unidos nessa tarefa”. Bernadete esperava que com a chegada da UPP e UPP Social viriam os programas sociais para a comunidade, uma vez que a polícia tenha ocupado a comunidade, e que sua ONG seria um aliado natural de apoio a esses programas sociais.
Mas em vez disso, na sexta-feira, 25 de novembro, dois homens que trabalham para a Prefeitura visitaram o GASCO e entregaram a Bernadete uma notificação de despejo, solicitando que o GASCO desocupasse o local na segunda-feira dia 28 de novembro (dois dias). A existência da ONG está agora comprometida. Nenhum espaço alternativo foi oferecido. Com Bernadete eu me sentei em uma das salas da organização, cercada por uma infinidade de computadores doados, e ela me contou a sua principal preocupação e a pergunta que fez aos dois homens que entregaram o aviso prévio, ela queria saber o que ela faria com os equipamentos que ela tinha recolhido ao longo dos últimos quatro anos.
Segundo a notificação, a prefeitura quer reformar o prédio e utilizá-lo, a fim de criar projetos públicos. Os investimentos e reformas já realizadas pelo GASCO para melhorar a infra-estrutura do edifício parecem irrelevantes. Desde quando o GASCO ocupou o prédio, há quatro anos, a Prefeitura não demostrou interesse em ocupar ou reformar o espaço de propriedade pública abandonado até a “pacificação” recente de Vidigal e a chegada da UPP. De acordo com Bernadete, “o novo interesse no Vidigal decorre do desejo do poder público de retratar positivamente o Rio de Janeiro, e suas favelas, como seguro, acolhedor e preparado para receber grandes eventos nos próximos anos”. Conseqüentemente, a conclusão que ela e outros estão chegando dos motivos da Prefeitura ao melhorar a situação em algumas das favelas do Rio de Janeiro, como Vidigal, não é realmente uma questão de melhorar a vida dos moradores, mas uma questão de vaidade, aparência e política. O Presidente da Associação do Bairro Vidigal foi recentemente filmado explicando que pouco está sendo feito pelo governo, exceto o fornecimento de título de posse, que já está provocando gentrificação.
Quanto mais eu falava com Bernadete mais claro ficava que os membros do GASCO não suspeitavam e estavam completamente inocentes a respeito dos planos da Prefeitura, assim como os moradores que continuaram a entrar e sair da sala, chocados pela notícia de Bernadete. Isto foi confirmado quando Bernadete explicou que ela acreditava e esperava que a implementação da UPP iria finalmente permitir a presença do Estado, e portanto, mais facilidade de acesso e programas sociais para a comunidade. Além disso, Bernadete tinha esperado que a Prefeitura e o Estado iriam tentar integrar-se com os líderes comunitários já existentes e as instituições locais, através da colaboração, o que poderia fortalecer o que já havia sido realizado por anos, sem qualquer compensação ou a presença do Estado, mas com o sacrifício e determinação incansável de voluntários na comunidade para melhorar a qualidade de vida dos moradores do Vidigal.
Eu perguntei a Bernadete se ela acreditava que a Prefeitura e o Estado teriam sucesso na melhoria da qualidade de vida no Vidigal. Ela explicou que, embora há a possibilidade, o governo terá que ganhar a confiança e o apoio dos moradores, o que exige a participação dos moradores atuais da comunidade que conhecem e podem comunicar efetivamente as reais necessidades e desejos dos moradores, eliminando muitos das abordagens que o governo assume como sendo necessárias.
Na segunda-feira, dia 28, houve uma primeira reunião na comunidade onde foi criado um fórum com alguns líderes da comunidade e instituições que formaram uma comissão que irá apresentar o que a comunidade quer e precisa da Prefeitura. Além disso, Bernadete está solicitando apoio jurídico dos defensores públicos do Rio de Janeiro, para quem ela já reuniu documentos. O GASCO também está estendendo a mão aos políticos e usando o Facebook e as redes sociais, em geral, para espalhar a palavra e ganhar apoio. Na terça-feira dia 29, houve um protesto na comunidade em favor da permanência do GASCO na sua sede atual.
A abordagem da Prefeitura a esta situação, tomando um espaço que tinha anteriormente abandonado e que no qual já foi dada uma poderosa função social pelo GASCO, foi realizado com zero de participação, nenhuma tentativa de ouvir ou conversar com moradores da comunidade. Também não houve tentativa de levar em conta as implicações de suas ações, pelas quais organizações comunitárias de base estão agora se sentindo ameaçado por um programa que deveria apoiá-los. Como resultado, apesar do papel potencial positivo da chegada da UPP e do setor público poder desempenhar ações na comunidade, uma organização comunitária e uma líderença da comunidade firme está sem alternativa a não ser lutar para garantir a sobrevivência do GASCO uma solução social criada por iniciativa própria e um programa que já está comprovadamente beneficiando a comunidade.
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