“É preciso que a leitura seja um ato de amor”, afirmava Paulo Freire. Para os moradores do Complexo de Manguinhos, conjunto de favelas da Zona Norte do Rio de Janeiro, a presença de um espaço como a Biblioteca Parque de Manguinhos representa, desde sua origem, a possibilidade de reinventar suas relações com o local onde vivem, trabalhar e também desenvolverem seus afetos. Uma biblioteca na favela. Um território historicamente negligenciado, vulnerabilizado e atacado. Um lugar onde a garantia de direitos básicos é luta cotidiana.
Inaugurada em abril de 2010, durante as obras do PAC Manguinhos–um conjunto de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento socioeconômico e urbanístico promovido pelo governo federal–a Biblioteca Parque foi planejada com o intuito de ser um espaço de referência para um novo olhar da cultura e literatura na periferia da cidade. Com uma estrutura física e de programação de atividades próxima a um centro cultural, o espaço acolheu diversos coletivos de Manguinhos dos mais variados segmentos culturais: teatro, música, poesia, artes plásticas, cinema e dança se combinaram e produziram experiências ricas de participação social. Ballet Manguinhos, o grupo de teatro Manguinhos em Cena, Ecomuseu de Manguinhos, Sarau Poético de Manguinhos e o jornal Fala Manguinhos são apenas alguns dos grupos que ocuparam a biblioteca com atividades voltadas à comunidade. E, claro, os moradores, estudantes e trabalhadores que circulavam diariamente pela Biblioteca Parque, formando um público ativo entre as fileiras de livros.
Em 2016, ano de seu fechamento, começaram os avisos prévios aos funcionários e uma série de demissões. A gestão já havia sido transferida com o prazo de um ano para a gerência da prefeitura, já apontando para um quadro de ausência de recursos justificada pelo governo do Estado. Com a crise generalizada, com desdobramentos em áreas estratégicas como educação e saúde, assistimos também a descontinuidade de espaços como a Casa da Mulher, voltada ao acolhimento de mulheres vítimas de violência e que necessitam de orientação judicial, psicológica e de outras naturezas. E a Biblioteca Parque de Manguinhos seguindo o mesmo destino.
Moradores, trabalhadores e coletivos de Manguinhos seguem mobilizados desde então, em defesa do espaço, reivindicando a reabertura da biblioteca, a retomada dos serviços de empréstimo de livros e a reativação das instalações para uso dos moradores e grupos artístico-culturais e de organização comunitária de Manguinhos. A luta em defesa da Biblioteca Parque de Manguinhos entrou na agenda de mobilização do território, com atividades de enfrentamento e denúncia de violações de direitos, entendendo a cultura como elemento estruturante na promoção de cidadania e dignidade para as pessoas. O II Sábado Cultural “Eu só quero é ser feliz: em defesa da cultura na favela onde eu nasci”, que aconteceu em março de 2017, é um exemplo de ação nesse sentido.
Após meses de falta de respostas definitivas e ações concretas do governo, em maio deste ano a nova superintendência de Leitura e Conhecimento da Secretaria Estadual de Cultura passa a reconhecer as reivindicações dos coletivos e grupos reunidos no Conselho Comunitário de Manguinhos e se compromete a garantir os recursos básicos para a reabertura durante um ano, a partir de agosto de 2017. Acompanhando de perto, com reuniões no território e na própria superintendência, os moradores e coletivos locais seguem engajados na defesa da participação ativa em todos os processos de reativação da Biblioteca Parque de Manguinhos junto ao governo.
Essa é uma luta que reúne grupos de diferentes segmentos e parceiros em prol da continuidade de espaços de produção cultural de periferia, de uma cultura feita por e para Manguinhos. O que se defende aqui não é apenas a preservação de um aparelho público do Estado. O que se reivindica, essencialmente, é a manutenção das relações que foram produzidas internamente, entre o morador e a própria comunidade. Um movimento sensível de reconhecimento das potencialidades locais, um olhar para dentro. A Biblioteca Parque de Manguinhos como um espaço de confluência de ideias e ações, de leituras e escutas. E lutar por ela também é um ato de amor.
Matéria escrita por Renata Dutra e produzida por parceria entre RioOnWatch e Fala Manguinhos. Renata Dutra, 20 anos, é estudante de jornalismo da UNISUAM, moradora da comunidade do Amorim em Manguinhos e jornalista do Fala Manguinhos!. Como prática de comunicação comunitária produzida por e para Manguinhos, o Fala Manguinhos! tem em sua origem a defesa dos direitos humanos e ambientais, promoção de cidadania e saúde com a participação direta dos moradores e moradoras nas decisões que envolvem a Agência de Comunicação Comunitária de Manguinhos, a partir dos encontros do grupo de comunicação do Conselho Comunitário. Siga o Fala Manguinhos pelo Facebook aqui.