Na quarta-feira, 13 de setembro, o Centro Acadêmico de Relações Internacionais (CARI) da PUC-Rio organizou um debate sobre “A Construção do Outro pela Mídia“, como parte de uma série de eventos sobre mídia e relações internacionais. Os palestrantes foram o professor e jornalista da Rede Globo Alexandre dos Santos, a professora Renata Summa do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, o jornalista da Globo News André Fran e Thaís Cavalcante, jornalista do Complexo da Maré e correspondente do The Guardian e RioOnWatch. O debate foi mediado por Maria Carolina Soares, da CARI, que enfatizou que a construção do “outro” ocorre em oposição à construção de uma identidade de “nós”.
Renata Summa abriu a conversa definindo amplamente a ideia do “outro” como uma pessoa ou grupo que não se encaixa nas características identitárias do grupo dominante. A mídia desempenha um papel crucial no estabelecimento e divulgação de uma definição na sociedade da identidade dominante, explicou Summa. Ela enfatizou que a mídia é uma ferramenta poderosa para um grupo dominante (seja um partido político, raça ou classe social) para influenciar as opiniões das pessoas e obter controle e legitimidade aos olhos da população.
Com base na discussão do poder da mídia na construção da imagem do “outro”, Alexandre dos Santos ressaltou o poder e a responsabilidade do público–como consumidores da indústria da mídia–na construção do “outro”. O professor explicou que toda narração e representação são produzidas através do filtro de alguém–todas as matérias são escritas através do filtro do jornalista. Mas, além disso, ele acrescentou, as representações são filtradas novamente pelo leitor, que conscientemente ou não pode escolher ler apenas o que confirma sua opinião. A influência do ponto de vista do escritor ou do leitor sempre desempenha um papel na construção do “outro”, e Alexandre acredita que é um dever do consumidor de mídia estar ciente disso e procurar um ponto de vista diferente. “Parte da construção do outro através da mídia diz respeito ao que as pessoas deixam a mídia construir”, argumentou.
André Fran afirmou que é importante para os jornalistas tentarem quebrar o ciclo de representações negativas e incompletas do “outro” ao ir ao encontro do “outro” sem as barreiras que costumam existir entre os repórteres e os entrevistados. Ele explicou que é preciso apenas contar verdadeiramente a história das pessoas tal como elas narram, refletindo suas condições cotidianas de existência, e assim ser possível quebrar os preconceitos detidos pelo público que está longe destas realidades.
Participando via Skype, Thaís Cavalcante narrou sua própria história como moradora de favela, uma vez que as favelas têm sido historicamente estigmatizadas pela grande mídia, ao passo que seus moradores são construídos como “o outro”. Nascida na Maré, Thaís contou que não cresceu vendo ou ouvindo sobre a forma que os meios de comunicação de massa falavam sobre sua comunidade na TV ou no rádio. Ao invés disso, foi só mais tarde que ela se tornou consciente da representação e do discurso sobre favelas e sobre as pessoas que as habitam. Falando sobre esse discurso, ela disse: “Não sentia que me representava porque era sempre e apenas sobre a violência. Falavam sobre a favela como um lugar pobre em cultura, pobre em educação, um lugar para não visitar”. Ela forneceu evidências de primeira mão do impacto que tais imagens externas podem ter no entendimento internalizado do mundo: “Eu não gostava de morar lá porque me sentia criminalizada e marginalizada como moradora de favela”. Thaís explicou que foi essa experiência que a empurrou a se envolver com a mídia comunitária–para tentar mostrar um lado diferente e mais positivo das favelas. Compreendendo o poder da mídia em influenciar as opiniões das pessoas, ela decidiu usar esse mesmo poder para combater a criminalização e a marginalização de seu tipo de bairro.
Ela apontou para outro impacto devastador dos estereótipos negativos, argumentando que, quando as favelas são representadas apenas como violentas na grande mídia, essa imagem da favela legitima a aplicação adicional da violência. Como resultado, é essencial também falar sobre o comércio, a música e a cultura que ocorrem e, muitas vezes, derivam desses lugares. Por isso, ela acredita que a mídia comunitária é uma parte vital da resistência à construção da imagem dos moradores de favela como criminosos, e da visão dos mesmos como “o outro” pela mídia dominante.
Todos os palestrantes concordaram sobre a responsabilidade dos principais meios de comunicação na construção da dicotomia de “nós” e “eles”, e da necessidade de uma narração mais próxima e mais fiel das histórias de pessoas e das comunidades para quebrá-la.