No sábado 2 de dezembro, várias organizações locais do Complexo da Maré, na Zona Norte, se uniram para produzir o Afro Maré, um dia cultural para crianças com patins e skate, batalhas de rap e DJ, arte de tinta spray e exibições de filmes.
Embora a ênfase durante o dia tenha sido se divertir, a ideia do evento surgiu a partir dos desafios enfrentados pela cultura negra e as faveles do Rio de Janeiro. Um dos organizadores representando o coletivo de breakdance Maré Skills, Pedro, explicou que “a ideia era ter um evento que abordasse cultura e diferentes problemas da nossa cidade. Nós precisamos passar nosso conhecimento de um para o outro… Precisamos lutar, precisamos saber por que temos que continuar lutando”. Ele disse que o punho levantado que simboliza o poder negro foi apresentado em vários folhetos do evento para transmitir os objetivos dos organizadores de incentivar a valorização da cultura negra e da resistência.
O evento ocorreu na Praça Nova Holanda, localizada dentro da Nova Holanda, na favela da Maré. Pedro enfatizou que a escolha da localização foi deliberada, porque geralmente há eventos de ONGs “na entrada da favela, para a qual [os moradores] não vão, mas as pessoas de fora da favela vêm apenas para visitar uma favela. Criamos este evento dentro da favela–pela favela, para a favela–para mudar isso”. Cada criança no evento teve a oportunidade de deixar sua marca na praça. Um mapa da África foi delineado em uma rampa no centro do parque de skate, onde as crianças poderiam escolher um país e, depois de aprender alguns detalhes sobre ele, escolher uma cor para pulverizar tinta dentro de suas fronteiras, deixando uma bela obra de arte final.
Vários grupos além do coletivo Maré Skills se juntaram à organização do evento, incluindo Maré Longboard, Conexão Jamaica Gangue (CJG) e Na Favela. Apontando para uma escassez de atividades para crianças na Maré, Pedro disse: “Organizo eventos semanalmente, a CJG [organiza eventos] todas as semanas, porque se nós não organizássemos, não haveria eventos culturais disponíveis”.
Maré Longboard é um coletivo que se formou organicamente, enquanto o longboarding cresceu em popularidade no Complexo da Maré. Os primeiros poucos indivíduos a adotar o passatempo despertaram interesse entre outros no bairro, e o organizador Diego lembrou o momento da criação: “Todos estão aqui, uau, vamos criar um grupo!” Hoje o grupo é composto por oito a dez organizadores e um grupo flutuante de crianças e adolescentes. Diego vê o grupo como um exemplo importante de uma atividade positiva, em um bairro que é geralmente visto por uma lente negativa: “O Complexo da Maré é visto como um centro de crime, com armas, drogas, talvez crianças famintas, mas [essa visão] não vê a essência das pessoas“. Para ele, a verdadeira essência inclui “muitas capacidades aqui–temos designers ótimos, realmente talentosos com suas habilidades, skatistas e muito mais”.
Diego e outro membro do coletivo, Marvin, destacaram a importância do skate não só como um esporte coletivo e um passatempo para manter as crianças focadas em aprender, mas também como forma de abrir suas mentes para as possibilidades de quebrar limites, para motivá-los a buscar novas oportunidades que anteriormente não consideravam possíveis. “Uma semana antes de planejar esse evento cultural”, disse Diego, “vimos um grupo de crianças andando com armas falsas… indo em direção a um caminho de vida, sabe? Então, por que não ser skatista? Vamos ouvir novas músicas, vamos abrir novas portas. Skate introduz ao hip-hop, o skate te apresenta novos tipos de dança, o skate faz você querer ir a novos lugares, então boa viagem!”. Marvin refletiu que os moradores da favela correm o risco de internalizar estereótipos sobre eles e seus vizinhos, especialmente no atual clima de conflito e medo. “Nós temos que tirar isso da nossa mente. Esses estereótipos existem aqui dentro das favelas, mas o skate pode eliminar isso”.
Conexão Jamaica Gangue (CJG) organiza uma batalha de rap semanal que reúne MCs de toda a cidade, e às vezes até de outros países. O coletivo inclui cerca de oito membros regulares, incluindo MCs, beatmakers, produtores e DJs. Seu objetivo é ajudar a “criar mais cultura para a comunidade”, explicou André, um dos representantes do grupo no evento Afro Maré. A CJG pretende fornecer uma plataforma para que os moradores explorem seus talentos musicais, e André enfatizou que todos os participantes do Afro Maré são bem-vindos nas batalhas de rap da CJG às sextas. Com a crescente acessibilidade das mídias sociais, o grupo também encoraja os moradores a aproveitar a expansão de oportunidades para divulgar seu trabalho para os outros ouvirem.
Outro coletivo presente no evento foi o Na Favela – Núcleo Audiovisual Favela–que usa filmes para promover a mudança ou “plantar sementes” para a mudança social na mente das pessoas. Após o pôr-do-sol no Afro Maré, o coletivo exibiu curtas-metragens que abordaram temas como a vivência em favelas e consciência negra. Era uma maneira apropriada de encerrar um dia para crianças com mensagens positivas de consciência negra, independência e crescimento através da música, conversas, arte e longboard.