O fim e o início de um novo ano além de ser o momento de rituais festivos, é também o momento em que muitos pais e mães dão uma atenção maior para a educação dos filhos, seja parabenizando-os, caso tenham passado de ano, sem se preocupar com o processo de aprendizado, seja se assustando com a reprovação deles. Para a última existem diferentes motivos: faltas acima do limite, notas baixas, entre outras formas de defasagem escolar. Essa é uma cena muito comum em escolas públicas de bairros empobrecidos. Em Manguinhos, pais, estudantes e professores conhecem bem esse drama.
Para ilustrar melhor essa situação, eu, Edilano Cavalcante, coordenador da agência de comunicação comunitária Fala Manguinhos!, entrevistei a diretora de uma escola estadual que funciona no bairro.
Fui até o Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila conversar com Michelle Nascimento, que está há um ano à frente da escola. Falamos sobre diversos assuntos, desde o aprendizado dos estudantes, até as políticas públicas educacionais e a relação dos pais com a escola, além de termos acessado os dados relativos a aprovações, reprovações e desistências do ano de 2017 para alunos do Ensino Médio. Os dados são preocupantes.
O C.E. Compositor Luiz Carlos da Vila fica na Praça do Depósito de Suprimentos do Exército (DESUP), ou “Praça da Cidadania”, como batizada pelo ex-governador Sérgio Cabral durante o PAC. Em uma visita ao bairro, Sérgio Cabral e o ex-presidente Lula prometeram aos moradores que o colégio seria uma escola modelo em qualidade de educação, cultura e participação popular, como parte de uma parceria público-privada entre o Estado e a Odebrecht.
No início a escola recebeu todo o suporte prometido e era vista pelos moradores de Manguinhos como uma joia, mas em pouco tempo os investimentos reduziram e as atividades que destacavam a escola foram sendo interrompidas, até o ponto em que os professores fizeram greves por falta de salários e insumos para trabalharem. Com a greve, os estudantes tiveram que ocupar a escola por mais de um mês e exigir da Secretaria de Educação a retomada dos recursos para manter a escola funcionando. Nesse processo de fechamento e lutas, a escola sofreu várias violações em sua estrutura, chegando até a ter sua fiação elétrica e janelas, entre outros itens, roubadas.
Foi nesse período de resistência por parte dos alunos, quando ninguém queria assumir a responsabilidade pela direção da escola, que Michelle se propôs a vir para Manguinhos lutar com os estudantes para manter a escola aberta e garantir o direito à educação básica.
EC: Como tem sido a experiência nesse 1° ano na direção da escola?
Michelle: Eu considero um ano bom, produtivo e de muitos avanços. Mesmo depois de todos os episódios de depredação, estamos conseguindo recuperar esse ambiente escolar com a ajuda dos moradores e parceiros do território. Um exemplo é a reinauguração da biblioteca da escola, que será reaberta no inicio de 2018. Outro é a própria quadra de esportes que estamos recuperando, um espaço importante para atividades e recreações, e outros ambientes importantes desse equipamento.
Sobre a gestão, a equipe que tenho é muito boa, porém não está completa. Antes não tínhamos todos os professores, agora já temos o quadro completo, mas ainda não temos profissionais para o setor administrativo, não temos orientadores educacionais, entre outros profissionais. E mesmo com uma equipe ótima, temos que fazer várias funções ao mesmo tempo e obviamente não conseguimos dar conta. Isso acaba sobrecarregando a todos a ponto de precisarmos de afastamento médico algumas vezes por ano.
EC: Sobre o processo de fechamento de ano letivo 2017, como estão os índices de aprovação, reprovação e abandono escolar no C.E. Compositor nas séries de Ensino Médio? Na sua opinião, o que causa esse resultado?
Michelle: Os números são preocupantes e é muito importante que todos entendam a gravidade disso agora e em longo prazo. Vamos lá:
- Alunos Aprovados = 60% (500 do total 827).
- Reprovados = 20,5% (169 de 827)
- Desistentes = 19% (158 de 827)
Nas séries de Ensino Médio, os números são:
- 1° ano – aprovados 41% (114 de 280 alunos), reprovados 35% (99 de 280) e desistentes 24% (67 de 280)
- 2° ano – aprovados 65% (100 de 154 alunos), reprovados 17,5% (27 de 154) e desistentes 17,5% (27 de 154).
- 3° ano – aprovados 91% (119 de 131 alunos), reprovados 6% (8 de 131) e desistentes 3% (4 de 131).
É importante ressaltar que a nossa maior preocupação é com o 1° Ano do Ensino Médio, pois isso reflete o problema da educação no ensino fundamental, materializando um problema estrutural de péssima qualidade no Brasil. As causas sãs várias, mas a pior de todas é o formato arcaico e ultrapassado com que o Governo Federal, por meio do MEC, continua guiando a educação no Brasil. Quando se trata de educação pública, esse formato vem embutido pelo descaso, poucos investimentos e desrespeito aos professores, gestores, alunos e seus familiares.
EC: Por que a evasão escolar é tão grande no Ensino Médio? Qual o resultado disso na rotina familiar?
Michelle: A questão do abandono sempre foi e continua sendo um problema do Ensino Médio, primeiro porque até o 9° ano do Fundamental os pais são obrigados por lei a colocar os filhos na escola, pois o Conselho Tutelar tem um acompanhamento mais cuidadoso. Quando passam para o Ensino Médio, o Conselho não acompanha com a mesma atenção esses jovens. Outro fator é a necessidade de trabalho para complementar a renda familiar, principalmente os meninos. Muitos deixam a escola por um trabalho informal com uma carga horária longa e cansativa. E outra grande parte dos abandonos ocorre pelo real desinteresse de ir à escola, pois não veem como vantajoso ficar preso em salas, em um formato de aprendizado atrasado. Eles preferem sair de casa e ficar nas praças ou no pátio da escola com outros jovens.
EC: Quais políticas públicas são necessárias para que a escola possa ser vista como um local atraente e de aprendizado coletivo? O que o Estado tem feito atualmente?
Michelle: Essa questão da atratividade é algo que se discute há muito tempo, procurando reformular a forma de “educar” os alunos, com novas metodologias que tenham mais relação com o mundo atual e com novos olhares, em vez desse formato do século 18, cadeiras enfileiradas e um “mestre que sabe tudo” e um “aluno que não sabe nada”.
Nos últimos seis anos o Ensino Médio teve um viés novo, a partir da junção do Ensino Médio com o Técnico, o que deu uma nova cara à escola e seus propósitos. Porém, com toda essa crise e roubos aos cofres públicos no Rio, os recursos acabaram antes que pudéssemos ter uma análise em médio prazo. Esse último governo tem diminuído cada vez mais os recursos para a educação e isso recai novamente nas costas de quem mais precisa.
EC: Qual a relação dos pais com a escola e como isso interfere no aprendizado dos alunos?
Michelle: É muito complicada a relação de diálogo com os pais, principalmente quando se tratam de estudantes do Ensino Médio. Na maioria das vezes, os pais nem vão à escola para saber se o filho ou a filha está frequentando ou não, e quando conseguimos contato a maioria diz ser incapaz de interferir nas escolhas dos filhos, diz que não tem tempo para cuidar disso e que não pode obrigar os filhos a irem à escola. Nós educadores também não podemos recorrer ao Conselho Tutelar, pois sabemos que o Conselho não tem capacidade para responder essas demandas do Ensino Médio. Então esse aluno deixa a escola e nós não conseguimos fazer nada, pois é um problema sistemático, causado por diversos fatores que nem eu enquanto diretora e nem os professores conseguimos evitar, embora tentemos apagar esse incêndio diariamente.
Como vimos, o Colégio Estadual Compositor Luiz Carlos da Vila deixou de ser um o colégio modelo em qualidade de ensino e passou a ser modelo em descaso público e desrespeito para com a educação das crianças e jovens que precisam do ensino público. Infelizmente, essa realidade não faz parte só das escolas de Manguinhos. É algo que perpassa toda a história da educação pública do Brasil.
Esses números de desistentes equivalem à grande fatia de brasileiros empobrecidos e marginalizados que o país faz questão de manter em seu contexto histórico, político, social e cultural. Até quando os direitos constitucionais serão apenas belas palavras escritas em um livro para a maioria da população marginalizada e periférica do Brasil?
Matéria escrita por Edilano Cavalcante e produzida por parceria entre RioOnWatch e Fala Manguinhos!. Edilano é coordenador da agência de comunicação comunitária Fala Manguinhos!. Como prática de comunicação comunitária produzida por e para Manguinhos, o Fala Manguinhos! tem em sua origem a defesa dos direitos humanos e ambientais, promoção de cidadania e saúde com a participação direta dos moradores e moradoras nas decisões que envolvem a Agência de Comunicação Comunitária de Manguinhos, a partir dos encontros do grupo de comunicação do Conselho Comunitário. Siga o Fala Manguinhos pelo Facebook aqui.