Último evento da Jornada Contra as Remoções, o ato Ocupa Prefeitura: Ceia dos Pobres juntou na sexta-feira, dia 15 de dezembro, moradores de favelas ameaçadas de remoção para uma manifestação em frente à Prefeitura do Rio. A manifestação pretendeu mostrar ao prefeito Marcelo Crivella que as comunidades lutarão com afinco para garantirem seus direitos de ficarem onde estão.
O evento reuniu lideranças e moradores de comunidades de vários cantos da cidade, como Araçatiba, Rio das Pedras, Horto, Barrinha e Rádio Sonda. Em meio a gritos de guerra como “se morar é um privilégio, ocupar é meu direito”, os presentes se revezaram ao microfone expressando suas motivações para participarem da mobilização.
“Estamos cansados de construir a cidade e sermos expulsos dela. Cansados de viver dentro dessa cidade como se nós não tivéssemos direito a ela”, resumiu Sandra Maria, moradora da Vila Autódromo, comunidade que resistiu bravamente a um longo processo de remoção nos anos pré-Olímpicos. “As favelas vão permanecer no seu local de origem, por que a favela quer ser urbanizada sim”.
“A nossa razão de estar aqui nessa manifestação, com esse solzão na cabeça, é ver se a gente consegue tocar na consciência [do prefeito],” declarou José Mauricio Souza da Silva, de Rio das Pedras, “Estamos aqui implorando pelo direito de morar em nossa própria casa”.
Rio das Pedras, estabelecida há 54 anos, foi ameaçada por um plano de verticalização que substituiria a arquitetura local por prédios de 12 andares. Na própria sexta-feira, foi publicado em diário oficial que a prefeitura não realizará mais o projeto de verticalização. Porém, continuam na mesa outros projetos que vão contra os interesses da comunidade, como a criação de corredores do BRT que podem resultar em remoções.
Representantes de Araçatiba, uma pequena comunidade localizada no bairro de Guaratiba, também compartilharam suas motivações para participarem do ato. “Tivemos três casas demolidas de uma forma bruta e injusta. Sem ordem prévia, sem aviso, sem dia, chegaram e derrubaram”, compartilhou Ana Frimerman. “E chegaram dizendo que iam derrubar mais sessenta casas. É por essas outras sessenta casas que a gente está aqui lutando, tentando essa reunião com o Crivella. É para acabar tanta injustiça”.
Em meio à resistência, houve oportunidade para celebração da união entre as comunidades. Cada manifestante levou uma comida para compartilhar e compor a ceia. O dia começou com clima de café da manhã, com bolo, banana, cafezinho e sanduíches, e terminou com um almoço caprichado, com cuscuz de milho, frango assado e refrigerante. Havia também rabanada, representando o espírito natalino do evento.
Enquanto os manifestantes ceiavam, líderes comunitários expressavam insatisfação com a indisponibilidade do prefeito para dialogar com a população. “Eu, além de votar nele, andei nas ruas da minha favela, dizendo ‘gente, vamos votar no Crivella’”, lembrou José Maurício. “Mas infelizmente, esse homem não recebe as pessoas que votaram nele”.
Já Márcia Beatriz Costa, das Brigadas Populares, organização que trabalha na formação de um regime político popular e democrático, vê incongruência na posição do prefeito enquanto religioso. “Ele se diz crente, se diz um homem de Deus. Cadê ele para ver o sofrimento do povo?”
Moradora há 22 anos da Barrinha, favela localizada na Barra da Tijuca, Maria Geni também se decepcionou com o atual prefeito. “Eu fui votar com tanto amor no meu coração. Acreditei muito no Crivella e hoje em dia é uma decepção”.
A situação da Barrinha foi descrita por outra moradora, Janine Castro. “É uma comunidade que vive há muitos anos escondida, com medo do poder público, do poder imobiliário e dos ricos”, explicou. “Chega de vivermos escondidos, atrás dos muros. Somos pobres, mas somos trabalhadores, somos dignos.”
Maria Geni, que já foi presidente da associação de moradores, complementou: “É triste. Você junta dinheiro pra pagar o homem, mas não tem o dinheiro pra pagar o cimento. Você junta o dinheiro do cimento aí tem que pagar o pedreiro”. Maria descreve o investimento suado que moradores fazem em suas casas. “Vai fazendo as coisas de pouco em pouco, pra depois vir um rico, que não sabe o que é isso, desfazer tudo.”
Próximo à hora do almoço, os manifestantes fecharam metade da pista onde a Av. Presidente Vargas encontra a Rua Pinto de Azevedo. A intervenção não paralisou o trânsito e permitiu que motoristas e passageiros vissem as mensagens escritas nas diversas faixas carregadas por moradores ameaçados de remoção. As faixas continham dizeres como “remoção não, moradia sim” e “vamos resistir”. Os manifestantes também distribuíram panfletos explicativos.
Alertando seus companheiros, Sandra chamou atenção para diversas táticas utilizadas para promover remoções. “Tem a remoção declarada e tem essa remoção nojenta que eles fazem: vão pressionando, pressionando a população até ela desistir do território.” Para ilustrar esse último caso, lembrou da Vila Hípica. “É uma comunidade com pessoas doentes, que dependem da energia elétrica, que está há dois anos sem fornecimento de luz, vivendo de uma forma sub-humana dentro da cidade.”
O ato de encerramento da Jornada Contras as Remoções reuniu elementos essenciais dessa luta: resistência, solidariedade e celebração da união entre comunidades ameaçadas. Maria Josefa, moradora de Rio das Pedras, expressou bem um sentimento presente durante o evento: “Nós não vamos desistir. 2017 é só o começo”.