Apesar da chuva forte no dia 8 de março, a fila do Cine Odeon, na Cinelândia, Rio de Janeiro, saía das portas dianteiras e dava volta no quarteirão. Os espectadores vieram para assistir a pré-estreia de quinze curtas-metragens, cinco dos quais haviam sido dirigidos e produzidos por moradores da Baixada Fluminense, região composta por treze municípios ao norte da cidade do Rio e que abriga aproximadamente 23% da população do estado do Rio de Janeiro. Um dos filmes apresentados na noite, Cineclubismo na BF, dirigido por Carol Vilamaro, é um documentário que explora as origens e influências do robusto e inovador movimento de cineclubes da Baixada, e o importante papel que teve nas comunidades da região.
O filme é uma série de entrevistas e debates com os fundadores de seis conhecidos clubes de cinema na Baixada Fluminense: Mate com Angu Cineclube, em Duque de Caxias; Cineclube Buraco do Getúlio, em Nova Iguaçu; Cineclube Xuxu ComXis, em Austin; Cineclube Cinema de Guerrilha da Baixada, em São João de Meriti; Facção Feminista Cineclube, em Duque de Caxias; e Cineclube Centro Cultural Donana, em Belford Roxo. Ele examina os desafios de lançar e manter esses projetos com recursos limitados e as maneiras como artistas e membros dos cineclubes têm superado esses obstáculos para estabelecer espaços de criatividade e de comunidade na Baixada.
Ao transformar espaços públicos em cinemas, os cineclubes levam os filmes aos espectadores e criam oportunidades regulares para que moradores tenham acesso ao cinema independente. Os cineclubes, todavia, não são apenas plataformas para expressões artísticas, mas também oferecem um espaço inclusivo para membros se reunirem e participarem de formas de entretenimento que são substantivas e relevantes para sua comunidade. Para os organizadores dos cineclubes, o retrato preciso da vida na Baixada é especialmente importante, uma vez que as indústrias cinematográfica e da grande mídia com frequência deturpam e apagam as experiências daqueles que vivem fora do município do Rio. Um dos membros fundadores do cineclube Mate com Angu, um cineasta ele mesmo, reflete que, quando o movimento de cineclubes na Baixada começou, era mais que apenas uma oportunidade para exibir ótimos filmes independentes, “era também uma questão de perspectiva, de contar uma história a partir daqui”. Enquanto cada um dos clubes retratados no documentário é único e organiza mostras de filmes que atendem especificamente suas respectivas audiências, todos eles enfatizam a significância do movimento de cineclubes como uma forma de inspirar conversas e ações em torno de tópicos culturais e políticos atuais.
Ao longo das entrevistas, no filme, há um profundo senso de respeito mútuo e de solidariedade entre os fundadores dos vários cineclubes. Isso, em parte, se origina dos desafios em comum enfrentados ao garantir o equipamento, navegar pelos processos burocráticos para liberar espaços públicos para as mostras de filmes e dedicar imensos períodos de tempo e de energia para assegurar que suas exibições sejam acessíveis e interessantes para a comunidade. Como um dos membros do clube Facção Feminista relata, “estabelecer cineclubes na Baixada é complicado porque cinemas são praticamente inexistentes”, e por isso o “movimento de cineclubes por si só, como ocorre agora, já é uma forma de resistência cultural”. Superar essas barreiras estruturais e logísticas tem apenas tornado esses cineclubes mais resilientes, e o movimento na Baixada Fluminense, que tem se desenvolvido por mais de dez anos, continua a crescer.
Cineclubismo na BF é uma afirmação do poder do cinema de unir pessoas através das diferenças e da importância de se criar espaços inclusivos para trocas culturais e políticas. Os cineclubes representados no documentário são manifestações das maneiras inovadoras por meio das quais diretores e produtores, ativistas e aficionados por cinema estão amplificando a já rica cultura cinematográfica da Baixada Fluminese e fortalecendo suas comunidades nesse processo.