Cosme Felippsen, co-guia do Rolé dos Favelados no último fim de semana na Rocinha, começa seu tour dizendo ao grupo: “Eu não gosto da palavra turismo… É uma questão de trazer pessoas para a favela, porque eu sou da favela e a favela também precisa ser ouvida”. Os comentários de Cosme definem o cenário de um tipo muito diferente de favela tour: longe do controverso e externamente conduzido jeep tours, seu modelo de turismo valoriza as vozes dos moradores, declara o seu propósito de ativismo, coloca o foco no diálogo significativo, e partilha os pontos fortes e as lutas das favelas por todo.
Cosme, morador da Providência e fundador do Rolé dos Favelados, hoje fez parceria com o guia local e ativista da Rocinha, Erik Martins. Erik explica como conheceu Cosme através de uma recém-formada Associação de Guias de Turismo de Favelas, que foi fundada após a morte de uma mulher espanhola assassinada pela polícia na Rocinha enquanto estava em um tour (não gerido por moradores) na favela. Erik imediatamente se identificou com a missão do Rolé dos Favelados, que combinava com sua própria crença na importância dos próprios moradores da favela falarem sobre as favelas, e o uso da palavra “ativismo” ao invés de “turismo”. Erik observa que as agências externas estão “vendendo pobreza” e não investem em mudanças positivas para as favelas. No entanto, ele não tem problemas com pessoas de fora trabalhando em turismo nas favelas: “O problema não é que as pessoas sejam de fora e venham trabalhar aqui… Quando elas vêm trabalhar sem ter nenhum vínculo, sem trabalhar com a gente local, elas têm que ser honestas. Elas têm que ser justas”.
“A cidade não existe sem a favela”
O rolé de hoje começa no alto da passarela da Rocinha, que atravessa a movimentada Autoestrada Lagoa-Barra, onde o Prefeito Marcelo Crivella começou, recentemente, suas obras para pintar as fachadas das casas da Rocinha que ficam de frente para a estrada. Esse anúncio frustrou profundamente muitos moradores que querem ver o dinheiro gasto em infraestrutura básica, muito necessária dentro da própria favela. Esse branqueamento literal e a relação entre a prefeitura e os moradores da favela estão entre os tópicos discutidos enquanto o grupo de turistas está no viaduto projetado por Oscar Niemeyer, olhando em direção a que alguns consideram ser a maior favela da América do Sul e no outro lado bairros próximos da Zona Sul, que possuem alguns dos imóveis mais caros do Brasil.
Nesta primeira parada, Cosme e Erik se apresentam e compartilham com o grupo como eles se envolveram em turismo e ativismo em suas respectivas comunidades. Todos no grupo são então convidados a responder a pergunta: “O que é uma favela?” Claro, não há uma resposta única. Como observa Erik, cada favela é única, com suas próprias lutas e características. Cosme dá uma visão geral da origem das favelas e sua relação contínua e inseparável com a cidade mais ampla do Rio de Janeiro: “Se a favela não descer [o morro], se nenhum favelado sair de casa, a cidade não funciona”.
Entrando na Rocinha, Erik leva o grupo ao Largo do Boiadeiro, uma movimentada área comercial com profundas influências nordestinas perto da entrada da Rocinha. Por muitas décadas, houve um fluxo constante de migração para o Rio a partir do nordeste historicamente pobre do Brasil, com muitos imigrantes construindo suas casas em lugares como a Rocinha enquanto trabalhavam para construir a cidade como a conhecemos hoje. Boiadeiro remete a quando gado era vendido na praça. Agora a praça é uma área comercial durante o dia e um point de música e bares à noite. Como Erik explica, a Rocinha–com uma população de pelo menos 150.000–é dividida em várias áreas diferentes, cada uma com sua própria personalidade distinta.
Do Largo do Boiadeiro, o grupo passa por uma área que recebeu alguns projetos de desenvolvimento como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o barulho e o sol quente rapidamente abrem caminho para uma área sombreada, cheia de árvores e arte. O destaque aqui é o trabalho do artista local Wark da Rocinha, cuja arte, incluindo os anjos icônicos, pode ser vista em todo o Rio e em todo o mundo. As ruas com árvores alinhadas, explica Erik, resultam do trabalho de alguns vizinhos que se uniram para construir uma cerca baixa para separar as árvores da rua e manter os jardins regados e livres de lixo.
“Não existe paz armada”
Na metade do “rolé”, o grupo de turistas para em uma praça para se sentar ao redor de uma mesa e ouvir sobre alguns dos problemas enfrentados pelos moradores das favelas hoje. Cosme e Erik falam sobre a violência policial–a frase deles, “não existe paz armada”, repercute–UPPs, a guerra às drogas, a falta de serviços básicos do Estado para além do policiamento, a contínua ameaça de remoções, os traficantes, o crescente movimento evangélico e a falta de educação de qualidade para os moradores das favelas. As histórias e pontos de vista, por vezes divergentes e por vezes semelhantes, de Cosme, da “favela mais antiga” do Rio, e de Erik, da “maior favela” do Rio, trazem uma discussão esclarecedora que incorpora a missão declarada desses tours: moradores de favela devem ser ouvidos.
Para Ben, um australiano que se juntou ao “rolé” depois de viver no Rio por mais de três anos “mas sem nunca conhecer muito sobre uma das áreas mais populosas e agitadas do Rio”, a mensagem dos guias chega a ele: “Sentia-me inseguro em visitar a Rocinha, mas fiquei tranqüilo com a ideia de que os guias eram moradores da comunidade interessados em educar e compartilhar, em vez de algum tipo de turismo de pobreza que alimenta a curiosidade mórbida das pessoas. Fiquei surpreso com a diversidade de paisagens, culturas e vizinhanças dentro da comunidade e saí com uma melhor compreensão da vida na Rocinha e de problemas enfrentados pelas pessoas que a chamam de lar”.
“Rocinha não é um monstro”
Enquanto Erik lidera o grupo através da Rocinha, o conceito de favela como comunidade é claro: as pessoas param para cumprimentar o guia e também estão felizes em conversar com os visitantes. O grupo conhece um artista de samba local, um dos homens que cuidam do belo espaço verde mencionado acima, duas estrelas do filme AREP a ser lançado (filmado na Rocinha), a irmã de Erik que trabalha como modelo, um número de outros guias turísticos locais (tanto em serviço como fora dele), parceiros de negócios do pai de Erik… a lista continua! O que não é falado é o que muitas vezes pode ser mais poderoso: aqui na Rocinha, as pessoas fazem de tudo para parar e fazer com que os visitantes se sintam bem-vindos, e o senso de comunidade entre os moradores está em toda parte. Isso coincide com outra das missões de Erik: combater as mensagens da grande mídia e “mostrar às pessoas que a Rocinha não é um monstro”.