Já passou quase um mês desde que o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ocupou pela primeira vez uma parcela de terra à beira da Rodovia Washington Luís, no bairro do Sapê em Niterói. O que começou como um pequeno acampamento com algumas barracas, uma cozinha improvisada e um banheiro se transformou em um assentamento movimentado. A ocupação atual, que hoje abriga mais de 130 famílias, é a segunda do tipo a ocorrer em Niterói nos últimos três anos. A primeira ocupação, que começou em 6 de abril de 2015, foi uma tentativa de responsabilizar a prefeitura por sua promessa de ajudar aqueles que perderam suas casas em 2010, na catástrofe do deslizamento de terra da favela do Bumba, a se reconstruirem. Como resultado da ocupação de 2015, a Prefeitura de Niterói designou um terreno no Sapê para a construção de casas para as vítimas dos deslizamentos e reafirmou sua intenção de ajudar nesse processo. No entanto, as turbulências políticas tanto locais quanto nacionais impediram as negociações e a construção nunca começou.
A falta de ação por parte da prefeitura foi o que levou o MTST a reocupar o terreno em 6 de abril, o oitavo aniversário da catástrofe em Niterói e três anos após a primeira ocupação do movimento no Sapê. Para Fabíola Oliveira, que se envolveu com o MTST durante a primeira ocupação em 2015, a decisão de reocupar era óbvia. “A gente pobre, negra–a grande maioria–organizada, principalmente numa cidade como Niterói que concentra uma grande quantidade das pessoas ricas, faz uma diferença e a prefeitura sofre a pressão [da nossa ocupação]”. Os resultados da ação coletiva são evidentes; demorou apenas três dias para a prefeitura reiniciar as negociações com o MTST.
Fabíola deixa claro, no entanto, que a luta pela moradia em Niterói é apenas um pedaço de uma luta maior, que busca concretizar os direitos básicos de cidadãos e comunidades que têm sido negligenciados pelo governo local. “Se a gente luta só por moradia, a luta vai proporcionar casas para as pessoas, mas elas irão continuar sem saúde, elas irão continuar sem esgoto, sem água, sem as coisas que são direitos mínimos. A ocupação é uma ponte para uma casa, mas é uma escola de política também.”
A ocupação, com suas dezenas de tendas, crianças correndo e brincando, e cozinha comunitária, é uma manifestação dessa ideologia. O planejamento do acampamento, a reparação de barracas danificadas e a confecção de refeições são tarefas coletivas, e todas as noites os moradores realizam uma assembléia para discutir questões atuais e resolver problemas. Enquanto a ocupação tem sua própria organização interna e infraestrutura, está longe de ser isolada das comunidades circunvizinhas. Muitos dos participantes trabalham durante o dia e retornam à ocupação à noite, e os líderes organizam oportunidades educacionais para as crianças e inúmeros eventos musicais e teatrais para os ocupantes desfrutarem.
Recentemente, a ocupação recebeu o Coletivo Madalena-Anastácia, um coletivo do Teatro do Oprimido formado por mulheres negras que se apresentaram para moradores. Eles se apresentaram diante de uma faixa com as palavras “Marielle Presente” em homenagem à Vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março. A performance explorou as dificuldades e complexidades de viver como mulheres negras em uma sociedade que tantas vezes tenta silenciá-las através da violência, e convocou os membros do público para compartilharem suas histórias pessoais e se engajarem em um debate aberto. Após a apresentação, o coletivo de teatro facilitou uma roda de conversa com as mulheres que assistiram e participaram da performance. Depois, Fabíola discutiu o impacto de tornar performances como o espetáculo da tarde acessível ao povo da ocupação. “É importantíssimo alcançar cultura porque é reforçado que pobre só precisa trabalhar, e que ele não precisa ter lazer. Você não pode levar seu filho no cinema ou no teatro, pois é uma coisa muita cara e muito fora do nosso orçamento, da nossa realidade.”
Essa realidade é o que a ocupação está tentando mudar, e enquanto a luta para abrigar as vítimas da catástrofe em Niterói tem sido longa, os que lutam há oito anos ainda têm esperança. As negociações que foram reativadas com a prefeitura são uma fonte de otimismo e uma confirmação da eficácia da ocupação. Como Fabíola observa, “A luta organizada dará frutos… Somos ensinados que a única coisa que vai mudar o Brasil é ir votar, mas isso para mim é uma grande mentira. Se a gente não faz parte dos processos políticos que existem dentro da nossa cidade a gente não faz mudanças políticas. Isso é o que a ocupação traz para além de moradia”.