No dia 5 de maio, a London School of Economics (LSE ou Faculdade de Economia de Londres) sediou o Brazil Forum UK 2018 (Fórum Brasil – Reino Unido 2018), intitulado “Break[ing] Down the Constitution” (Desmontando a Constituição). O evento é organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido e a edição deste ano promoveu a reflexão sobre a Constituição de 1988 por principais líderes e pensadores do Brasil. O objetivo era explorar os avanços econômicos e políticos e os retrocessos dos últimos 30 anos, considerando as implicações sociais da Constituição além de suas legalidades.
Tendo como pano de fundo as próximas eleições e a crescente polarização social e política no Brasil, o debate do dia foi passional e polêmico, e a reação do público igualmente animada e dividida.
Luis Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente de honra do Fórum Brasil -Reino Unido 2018, abriu os trabalhos do dia destacando as “conquistas” das últimas três décadas e os problemas que o Brasil enfrenta atualmente. Seu elogio à estabilidade monetária, à inclusão social e à falta de “rupturas jurídico-institucionais” combinados com críticas ao “patrimonialismo, formalismo e cultura da desigualdade” foram recebidos com aplausos e zombarias intrometidas.
Além disso o ministro sugeriu que “o Estado brasileiro não tem dinheiro suficiente para bancar uma universidade pública com a qualidade que o Brasil precisa” e que as universidades deveriam buscar fontes de financiamento alternativas. Estes comentários foram recebidos com descontentamento retumbante da multidão, embora o orador tenha sido categórico ao afirmar que ele não é a favor de privatizar universidades públicas. O juiz continuou criticando “uma sociedade viciada no Estado” com uma “cultura de desigualdade e desonestidade institucionalizada” que resultou em “uma corrupção sistêmica e endêmica”. Ele observou que “a corrupção no Brasil não foi um conjunto de falhas individuais”, nem um “fenômeno de um partido ou governo”, mas um ato “endêmico que envolve estatais, agentes públicos, privados, membros do Executivo, e do Legislativo”.
Barroso deu o tom para o dia de debates e enfocou a desigualdade social e econômica. No painel de discussão sobre política econômica que se seguiu, Laura Carvalho e Samuel Pessoa, ambos professores de economia, iniciaram um debate caracterizado por um desacordo polido, mas firme. Samuel culpou a fraca política fiscal do governo do Partido dos Trabalhadores do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por gerar “um padrão de gastos públicos que é incompatível com os nossos ganhos”, enquanto Laura elogiou a administração e os seus “três pilares de crescimento”: “acesso ao crédito”, “expansão significativa dos programas de investimento social” e uma”política que entendeu que a distribuição de renda pode funcionar como um motor de crescimento”.
Isso abriu o caminho para a discussão do painel sobre desigualdade e redistribuição com a ex-Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome sob Lula, Tereza Campello; o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), José Graziano da Silva, e Marc Morgan, doutorando em economia, que examinou a concentração de renda no Brasil. Tereza argumentou que “é mais fácil reduzir a pobreza do que a desigualdade” e avidamente defendeu gráficos que demonstravam o aumento do acesso de famílias pobres e negras à educação, água, sistemas de esgoto e geladeiras. Apesar de amigável com a ex-Ministra, José Graziano apontou para “a herança histórica da desigualdade” que sobreviveu ao mandato do PT no poder, e acrescentou que “a forma de se mudar isso é através das políticas públicas”.
Marc Morgan expôs suas descobertas de pesquisa e concluiu que “a desigualdade no Brasil é uma escolha política”, pois “há uma forte correlação entre como você regula a transmissão de riqueza e o desempenho dos indicadores de desigualdade de renda”. Ele atribui essa lacuna socioeconômica predominantemente a “baixa taxa sobre herança”, afirmando: “Se você ganhar uma fortuna de seus pais e essa fortuna é pouco taxada, como no Brasil, você já começa com mais vantagens na sociedade. Como falar de meritocracia? O que há é a persistência da desigualdade através das gerações… Quando as sociedades se tornam mais desiguais, o processo econômico para sustentar mais crescimento fica mais difícil, uma vez que há poucas pessoas no topo… então, se você concentra renda nas mãos de poucas pessoas, qual é o sentido da democracia?”
Antes de Jurema Werneck, Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil, assumir o palco, uma breve vigília para Marielle Franco foi realizada, e alguns de seus famosos discursos soaram pelo auditório. Com sua energia tão viva como sempre, sua fala foi saudada com uma ovação de pé e cantos de “Marielle presente! Agora e sempre!”
Esse foi um lembrete vívido do tema do discurso de Werneck: a violência que se espalha pelo Brasil. Ela disse que “a violência é um fenômeno complexo e representa parte do DNA da nação”, citando como o Brasil tem a “terceira maior população carcerária do mundo” e que “11% estão lá por homicídios”. Ela colocou o Estado como responsável e criticou a intervenção militar recente no Rio, “os números mostram que essa medida não resolve o problema da violência”. Ela não hesitou em afirmar que as vítimas são predominantemente homens jovens de favelas–campos de batalha da intensificação da violência durante a intervenção.
Edesio Fernandes, professor de Direito Urbano e Ambiental, apresentou evidências de que tanto a violência quanto a segregação socioespacial decorrem da “estrutura fundiária nos centros urbanos”. A arquiteta e assessora parlamentar, Joice Berth, baseou-se nesse argumento, descrevendo as favelas como “lugares de resistência” e dizendo que “é preciso desestabilizar o conceito de desigualdade. Isso implica refletir temas centrais como o racismo. É através deste debate que se entende o surgimento das periferias e favelas no país”.
O painel final sobre o papel das empresas na redução da desigualdade foi parcialmente ofuscado pela antecipação da chegada da ex-Presidente Dilma Rousseff para o discurso de encerramento do dia. Mas enquanto manifestantes e apoiadores se reuniram do lado de fora do auditório, lá dentro um grupo unificado de painelistas de diversas indústrias brasileiras discutiam o que Marcel Fukuyama descreveu como “uma grande mudança de cultura sobre o papel da empresa na sociedade”. Enquanto a advogada Flavia Oliveira perguntava “quanto o acionista está disposto a abrir mão do lucro para expandir as suas atividades relacionadas à impacto?”, o discurso mais progressista veio de Daniela Barone, que ofereceu um lembrete significativo para “incluir as pessoas que sofrem com o problema na solução do próprio problema”.
Em seguida, Dilma apareceu no palco. Alguns a receberam com aplausos arrebatadores e cantos de “Dilma! Guerreira!” e “a presidente legítima do Brasil”, enquanto outros ficaram sentados, imóveis, em silêncio. Nos próximos noventa minutos, ela de forma convicta refuta seu impeachment e a condenação de Lula, defende a política de desenvolvimento social, desencadeia acusações de um golpe organizado e até mesmo dá um toque de humor irônico sobre a probabilidade de corrupção dentro do Partido dos Trabalhadores. Ela concluiu dizendo que “Lula é preso político” e, portanto, o PT não considerará nenhum “plano B” e “não vai retirar o Lula, nem oferecerá outro candidato” para as próximas eleições.
O Fórum Brasil – Reino Unido 2018 ofereceu, como esperado, um dia de polêmica, emoção e divisão. No entanto, foi a ex-presidente, a palestrante mais emotiva do dia, que ofereceu a ideia mais unificadora: de que os três componentes do assassinato de Marielle Franco foram: política (“por ser vereadora”), raça (“por ser negra”) e gênero (“por ser mulher”). Foi uma declaração pungente que trouxe um consenso reflexivo e resumiu não apenas o dia, mas a situação que o Brasil está enfrentando atualmente: que o desenvolvimento social e inclusão no Brasil, apesar de alguns avanços recentes, ainda tem um caminho bem longo a percorrer, e até que consiga lidar com esses elementos, a violência e a exclusão continuarão a manchar um país repleto de positividade, beleza, energia e potencial.
Patrick Gibbs é presidente da The Favela Foundation, uma organização que busca contribuir para o desenvolvimento e crescimento de projetos sociais e educacionais sustentáveis nas favelas brasileiras.