Após dois meses de intervenção militar federal de (no mínimo) dez meses no Rio de Janeiro, o Observatório da Intervenção realizou um evento, no dia 26 de abril, para apresentar seu primeiro relatório e lançar seu novo site. O Observatório é uma das várias novas iniciativas civis formadas para monitorar, criticar ou atuar em defessa de mudanças no contexto da intervenção. O relatório do grupo, coordenado por Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), consolidou novos dados sobre a intervenção e, consequentemente, apresentou uma plataforma para debates construtivos com o governo federal.
Silvia abriu o evento com um gráfico que apresenta as taxas de homicídio no Rio de Janeiro e nacionalmente nos últimos 35 anos. Ela enfatizou que, embora as taxas no Rio tenham caído em comparação à década de 1990, a intervenção decretada em 16 de fevereiro representa o mesmo antigo modelo de segurança pública—baseado em um confronto violento–que não conseguiu produzir impactos positivos duradouros na redução da violência na cidade, conforme demonstrado pelo recente aumento nas taxas de homicídio desde 2014. Silvia argumentou que essas estatísticas refletem a futilidade e a ineficácia do modelo e como ele criou “novos problemas” em vez de soluções necessárias.
Juntamente com o aplicativo de monitoramento de tiroteios Fogo Cruzado, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Segurança Pública (ISP), o Observatório da Intervenção produziu um Mapa da Intervenção mostrando as 70 operações policiais ou militares que a equipe monitorou nos últimos dois meses. O mapa apresenta a distribuição das operações entre municípios, com o maior número de operações ocorrendo na Vila Kennedy (7) e Bangu (6), na Zona Oeste, e na Rocinha (6), na Zona Sul. Nos meses de fevereiro e março houve um total de 940 homicídios, sendo 209 (22%) pessoas mortas pela polícia e 19 (2%) policiais mortos, de acordo com os dados do ISP. O relatório também destacou que menos tiroteios foram registrados pelo Fogo Cruzado nos dois meses pré-intervenção (1.299) em comparação aos primeiros dois meses pós-intervenção (1.502). Esse aumento reforça o título do relatório do Observatório: “À Deriva–Sem Programa, Sem Resultado, Sem Rumo”, Silvia ressaltou como os responsáveis “ainda não divulgaram quanto será pago”, as “metas” e nem os “programas”.
Silvia enfatizou que, dentre os homicídios ocorridos nos tiroteios mencionados anteriormente, estavam o de oito homens na Rocinha, em represália pelo assassinato de um policial no local três dias antes. Tais histórias contribuem para a deterioração da sensação de segurança pública; de acordo com os dados do FBSP, 92% dos moradores do Rio têm medo de ser atingidos por uma bala perdida e a mesma porcentagem teme estar no meio de um tiroteio entre policiais e facções. Silvia explicou que as autoridades podem usar o medo da população para justificar uma política ineficaz que gera mais violência e controvérsia. Ela reivindicou investimentos mais direcionados a locais com piores indicadores de segurança, como a Baixada Fluminense e São Gonçalo. A equipe do Observatório acredita que alguns resultados imediatos podem ser alcançados pelo aumento nos investimentos em inteligência e no bom uso da tecnologia. Essa proposta está registrada no relatório por meio da lista de cinco mudanças que o Observatório acredita que seriam requisitos mínimos para melhorar a segurança do Rio:
- Reforma policial.
- Substituir as políticas de confronto por políticas consistentes de inteligência e investigação para desarticular o crime.
- Alterar radicalmente a política de drogas.
- Modernizar o sistema de justiça criminal.
- Integrar os governos municipais ao planejamento de ações de segurança pública.
O evento do Observatório também contou com palestrantes de instituições como a Federação das Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ), o aplicativo de monitoramento da violência Defezap e o Observatório de Favelas, entre outros. A representante da Anistia Internacional Brasil, Renata Neder, refletiu que as pessoas precisam somente olhar para exemplos anteriores de aumento da presença militar em outros estados para ver claramente que “o uso das forças armadas não reduziu a violência ou crime”. Raquel Willadin, do Observatório de Favelas, destacou como adotar uma “perspectiva crítica, mas também propositiva” se fez necessária para ajudar a mudar políticas futuras e respeitar os direitos das pessoas mais afetadas pela violência perpetuada pela intervenção militar.
Cecília Oliveira, co-criadora do aplicativo Fogo Cruzado, enfatizou a importância da coleta e da apresentação de dados que foram “sistematicamente relegados pelo poder público”. O acesso aos fatos por meio do novo site e do relatório do Observatório, ela adicionou, permitirá que o público geral tenha “uma imagem maior do que tem sido feito” na cidade. Por meio da junção de dados sobre tiroteios em toda a cidade, tecnologias como a do Fogo Cruzado e os dados consolidados pelo Observatório impedem a perigosa normalização da violência na cidade.
A apresentação do relatório foi encerrada com um lembrete importante do ex-comandante da Polícia Militar, Coronel Íbis Pereira, de que, embora a intervenção tenha apenas dois meses, as Forças Armadas estão presentes e ativas no estado do Rio de Janeiro desde agosto do ano passado. Continuar dessa forma seria “atravessar uma linha perigosa para a democracia”, ele argumentou, reivindicando mudanças significativas no modelo de segurança pública do Rio. Silvia garantiu ao público que o Observatório da Intervenção continuará monitorando e apresentando todos os dados coletados, enquanto pressiona as autoridades por transparência nos gastos e planejamento para futuras direções da intervenção.