Sexta-feira, 27 de julho marcou o último dia do terceiro Julho Negro, que acontece anualmente. O evento deste ano buscou conectar lutas internacionais contra violações de direitos humanos, a partir da solidariedade fomentada pela participação de movimentos ativistas dos Estados Unidos, México, Palestina e Haiti nos anos anteriores. Este ano, ativistas do Brasil, Palestina, Índia, Argentina, África do Sul e outros países, relataram que a crescente violência policial contra os pobres e pessoas de cor é um fenômeno global.
Concluindo uma semana de manifestações e debates, os ativistas se reuniram no último dia do evento para discutir o que eles percebem como o papel do governo de Israel no apoio às violações de direitos humanos em diferentes contextos. As discussões focaram especificamente no comércio de armas israelenses e nas maneiras como isso possibilita a militarização e violações de direitos humanos ao redor do mundo.
Ativistas internacionais descrevem o papel de armas israelenses em suas diversas lutas
A tarde começou com uma conversa entre um grupo de ativistas sobre o papel das armas israelenses e métodos de treinamento em seus respectivos países. Gautam Navlakha, um advogado e ativista de direitos humanos, salientou a violência cometida pela política contra civis na Índia, citando um acontecimento recente em Tamil Nadu no qual a polícia abriu fogo e matou doze manifestantes desarmados. Gautam também discutiu o estado terrível de militarização policial e violência na Caxemira, descrevendo-a como uma região que está sob cerco há décadas. Semelhante à situação nas favelas do Rio, sob a intervenção militar federal, a ocupação fortemente militarizada na Caxemira, impacta quase todos os aspectos da vida cotidiana dos moradores.
Após Gautam, Alex Mdakane da Africa do Sul discutiu a história de seu país sob o domínio de um governo militarizado de apartheid. Como descrito por Alex, o regime de apartheid sul-africano mantinha uma relação mútua com o governo de Israel, baseada na segurança, ao passo que, publicamente, o governo de Israel criticava o sistema de apartheid. Após a transição democrática e o fim do regime de apartheid, a sociedade sul-africana permaneceu profundamente militarizada e dividida. Como no Brasil, há uma combinação explosiva, em potencial, entre uma distribuição de terras altamente desigual e uma militarização extrema.
Finalmente, dois ativistas de direitos humanos israelenses falaram sobre suas próprias experiências ao lutar por direitos humanos em Israel e na Palestina. Eitay Mack contou sua experiencia como advogado defensor de palestinos em processos civis contra Israel. Ele também discutiu o amplo alcance do comércio estratégico de armas de Israel. Para o país, ele explicou, vender armas não é apenas uma forma de lucro econômico–é também uma tática estratégica para, essencialmente, comprar alianças e fomentar a dependência de governos estrangeiros. De acordo com Eitay, o comércio de armas israelense–assim como a ocupação militarizada da Palestina–só cresceu porque Israel se apropriou de anseios globais para estigmatizar e criminalizar dissidentes palestinos, primeiro através do paradigma da “guerra ao terror” e agora través do crescimento da xenofobia e islamofobia de direita.
Após Eitay, Shahaf Weisbein, uma representante da Coalisão de Mulheres Para a Paz em Israel falou, sob uma perspectiva feminista, sobre os aspectos de gênero da ocupação israelense. Sendo a única mulher na mesa, Shahaf mencionou tanto a importância de olhar para o absurdo impacto da ocupação sobre as mulheres, quanto a massiva campanha de relações públicas, do governo israelense, para ser visto como defensor dos direitos das mulheres e dos LGBT e “a única democracia no Oriente Médio”. Ela descreveu um fenômeno familiar a qualquer morador da favela: uma cidade que se envolve em bandeiras de arco-íris e divulga sua indústria de turismo LGBT, enquanto oculta a discriminação e abusos de direitos humanos cometidos contra certos segmentos da sociedade. No Rio, essas violações de direitos inclui a militarização da vida nas favelas; execuções desenfreadas e extrajudicial de homens negros, resultando em cargas imensas e únicas colocadas sobre os ombros de mulheres e crianças; o abusivo sistema de encarceramento em massa que perpetua o ciclo de violência; e remoções que privam famílias de seus lares e comunidades.
O estado dos direitos humanos no Rio de Janeiro e no Brasil
Enfim, no painel de encerramento, ativistas brasileiros falaram sobre o estado dos direitos humanos no Rio de Janeiro e no Brasil como um todo. A primeira palestrante foi Elisa Quadros, uma das 23 prisioneiras políticas presas durante os protestos de 2013-2014 no Rio de Janeiro, que foi posteriormente difamada na mídia brasileira sob o apelido de “Sininho”. Elisa falou de maneira poderosa sobre seu caso e o de outros prisioneiros políticos que lutam pela liberdade de protestar. Ela prometeu recorrer no caso e continuar a luta por justiça. Após Elisa vieram os representantes da Campanha Nacional pela Liberdade de Rafael Braga. Arbitrariamente preso em 2013, Rafael se tornou um símbolo da repressão do governo sobre dissidentes e da desproporcional criminalização de pobres e negros. Os representantes da campanha proporcionaram uma atualização do caso de Rafael e sua condição: desde que desenvolveu tuberculose na prisão, Rafael está sob prisão domiciliar e irá retornar para a prisão assim que se curar.
A próxima a falar foi Victória Grabois da ONG Tortura Nunca Mais. Victória situou a atual luta de prisioneiros políticos brasileiros no contexto da luta por responsabilização por crimes cometidos durante a ditadura, frente ao legado em andamento da anistia a torturadores, e da impunidade em geral. Victória afirmou que o Brasil nunca prestou contas totalmente das violações cometidas durante a ditadura–bem menos do que os vizinhos latinos-americanos. A recente investigação e Relatório da Comissão Nacional da Verdade divulgado durante a administração da Presidente Dilma foi, segundo Victória, incompleta, e foi produto de um processo de conciliação insuficiente.
Para finalizar o painel de encerramento, a plateia ouviu Fransérgio Goulart, um ativista do Fórum Grita Baixada. Fransérgio trouxe à discussão de volta para as favelas no contexto brasileiro, falando sobre o atual estado dos direitos humanos e os impactos do comércio armamentista de Israel em sua região natal, a Baixada Fluminense–que, como ele disse, tem sido chamada de “a África do Brasil”. Na Baixada, seis ativistas foram assassinados recentemente por milícias por estarem ligados a grupos de direitos humanos. Fransérgio foi cético quanto à possibilidade do progresso vir do governo brasileiro–até das administrações mais progressistas–lembrando ao público que “a democracia burguesa não vai resolver nossos problemas, nós precisamos construir alternativas… foi um governo progressista que militarizou as favelas”. Finalmente, Fransérgio incentivou a plateia a prestar atenção aos nefastos investimentos estrangeiros, que patrocinam atrocidades desde as favelas do Rio até a Caxemira, desde a Africa do Sul até a Palestina.