O RioOnWatch estará publicando, no decorrer desta semana, uma série de notas sobre o trágico incêndio que destruiu o Museu Nacional neste domingo. A presente nota foi postada no Facebook por Thainã de Medeiros.
Sou museólogo e militante de favelas. Essas duas formações me faz refletir sobre o que representa o estrago do incêndio do Museu Nacional ontem com uma perspectiva histórica, afetiva favelada/suburbana.
Posso afirmar que a maioria dos amigos que tenho tiveram sua primeira experiência em museu ali, senão a única. Eu mesmo fui assim. A primeira vez que meu pai me levou disse que eu iria conhecer a múmia e dinossauros! Imagina como fica o imaginário de uma criança com essas informações? Também entrei nele numa excursão da escola onde tacamos o terror (no bom sentido da palavra em que crianças se apropriam do espaço museológico), corremos para ver tudo! Era irado aquele esqueleto de uma baleia!! Pirávamos!
Não tem como pensar nesse museu sem citar um dos passeios inesquecíveis com meu amigo Hugo! Ainda rolava tarde de futebol na grama, zoológico e pipa! Aliás, aquele gramado sim, muito utilizado e apropriado pela favela. Local de festa de dias da criança, tardes de sol, passeio com a galera da escola, shows! Aquele gramado foi construído, pois é resultado de obra paisagística característica da construção da antiga morada da família imperial. Ali também tem um pedaço da memória da cidade que continua preservada e viva, e vai continuar sendo utilizada pela favela neste final de semana. [Enquanto isso] o Museu Nacional estará fechado.
Quando se perde um Museu desses se perde patrimônio histórico e laços afetivos. Uma perda inestimável pra memória coletiva (alguns dirão social), mas não individual. Vejo muitos amigos profissionais de museus se posicionando, mas vejo muito favelado que não é da área lamentando, e isso é um dado importante! De alguma forma, aquele Museu participava da memória dessa galera! Não é qualquer Museu que consegue isso no Rio de Janeiro.
A última vez que entrei nele, eu já era um profissional da área dos museus, então olhava com certa tristeza que ele não tinha condições ideais de funcionamento, mas mesmo assim continuava funcionando com o trabalho dos profissionais que atuam sem condições. Olhar técnico tira um pouco da magia, mas foi por gostar de museus que escolhi estudar está área. Foi por ter ido lá a primeira vez com meu pai e depois com amigos que decidi ser museólogo. Outros museus têm participação nisso, como o Museu de Belas Artes ou o Museu da República, mas o Nacional foi o primeiro.
Vídeo de junho 2018, de comemoração de 200 anos do Museu Nacional, e chamada por apoio:
Fico feliz em ver esforço da galera pra trabalhar em torno da memória e uma grande mobilização em torno deste museu. Sendo militante de direitos humanos, vejo muita militância nascer de perdas. A maioria começa assim. Mas a maior militância que podemos fazer agora é nos apropriarmos dos outros museus. Lotar eles! Principalmente os de favelas! Sim! Também são patrimônios, porém contam a história não oficial. Claro que os museus de história oficial também têm que ser preservados, assim como o Museu Nacional deveria. Mas um recomeço tem que ser pela base. Tudo se começa pela base.
Thaiña de Medeiros é museólogo e jornalista, nascido no Complexo da Penha e residindo há quatro anos no Complexo do Alemão. Atua no Coletivo Papo Reto, um coletivo que usa o audiovisual como forma de fazer disputa de narrativa sobre a favela.