A História de Andrezza, Cotista da UFF e Lutadora Por Educação da Maré

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Moradora da Maré e graduada em publicidade pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Andrezza Francisco Paulo traz consigo uma intensa experiência de vida, apesar dos seus 23 anos. Neste perfil iremos conhecer um pouco sobre sua trajetória e o papel da educação na sua vida. Conheça perfis de outros cotistas publicados no RioOnWatch aqui.

Quando Andrezza tinha seis anos, seu pai morreu de câncer, e neste mesmo ano, Andrezza, sua mãe e sua irmã se mudaram para a Maré. “Foi nesse momento que eu percebi que o mundo não era só flores”, ela lembra. Ana Maria, mãe de Andrezza, sustentava a família fazendo qualquer tipo de trabalho que conseguia, sem contar com a ajuda de ninguém. “Ela chorava muito”, conta Andrezza. A menina se perguntava então como ela podia ajudar a sua mãe, e por fim entendeu que a única possibilidade era estudar.

Ao finalizar o ensino fundamental, Andrezza fez provas para ingressar em três escolas técnicas, passou para as três, e se inscreveu no Colégio NAVE na Tijuca. “Essa foi a primeira vitória da minha vida”, ela diz com orgulho. Para pagar a matrícula no valor de oitenta reais, Ana Maria teve que negociar o aluguel da casa. Sem nunca ter tido um computador ou telefone celular, Andrezza ingressou no ensino médio aos 15 anos.

Os próximos três anos foram marcados por trabalho duro e bullying na escola, onde apenas crianças advindas de escolas privadas estudavam. Andrezza tinha que estudar mais do que os outros: “Eu não tive adolescência”. Ela vivia o racismo por ser uma das poucas pessoas negras na escola. Ela conta uma das frases que ouvia na escola e que nunca esquecerá: “Levante os pés para a corrente não arrastar no chão”.

Andrezza era a grande esperança de sua mãe, mas “carregava muito esse peso”. O sonho da Ana Maria se tornou realidade quando a sua filha passou para a faculdade em 2014, entrando através da Lei de Cotas por ser negra. Estudando publicidade na UFF, mas sem receber nenhuma bolsa, Andrezza se mudou junto com sua mãe para São Gonçalo, para estar mais perto da UFF e pagar menos pela passagem de ônibus. Relembrando o seu tempo na UFF, ela abre um grande sorriso: “Todos os professores confiam mais em você que você mesmo”. Uma das professoras ofereceu um emprego à Andrezza, o que tornou possível cobrir o valor do transporte. Além disso, ela apresentou Andrezza a outros professores, o que ajudou na conquista de uma bolsa de estudos.

Em seu trabalho acadêmico, Andrezza focou na crítica à grande mídia e como ela apresenta os moradores das favelas. “Eu entendi que esse era o meu papel”, diz ela, pois conhece a vida na favela. “Eu tinha mais obstáculos, mas consegui chegar aqui.” Mesmo assim, ela enfatiza que não acredita na meritocracia: “Essa palavra é uma injustiça, e é de uma crueldade forte”, explica, “dizem que se eu consegui, todo mundo pode conseguir, mas esquecem que eu tive muita sorte também”.

Todavia, com o passar do tempo, os estudos começaram a ficar mais difíceis, e em setembro de 2015, Andrezza descobriu que estava grávida, o que a deixou desesperada: “Eu pensei, o que vou fazer da minha vida? Sempre ouvi que eu não ia chegar a lugar nenhum”. Mas seus professores lhe deram força, acreditando nela. Junto com o seu esposo, ela voltou à Maré para morar mais perto da sua sogra. Andrezza não tirou nenhum mês de licença, cursou as matérias em casa e depois que sua filha nasceu teve a oportunidade de participar do início do coletivo de mães da UFF. Em uma ocasião, Andrezza tinha que fazer uma prova, mas não sabia o que fazer com seu bebê de seis meses, e um professor cuidou do bebê durante quatro horas. “Eu amo os professores da UFF”, ela diz.

Apesar dessa ajuda, logo ela percebeu que tinha que decidir entre ser mãe ou aluna da faculdade devido à situação financeira da pequena família: “A gente começou a abrir mão de coisas para a casa, e eu comprava menos comida para poder comprar livros para a faculdade”. De novo, os professores e alunos da faculdade intervieram. Durante seis meses, cada um dos trinta alunos da sua turma pagava vinte reais por mês para ajudá-la a conseguir se formar. “Eu já tinha decidido parar, mas consegui [me formar] graças a eles. Existem pessoas maravilhosas nesse mundo”. Andrezza percebeu que não basta tentar sozinha, pois é preciso da ajuda dos outros.

A experiência vivida por Andrezza levou a uma ideia para uma iniciativa. Seu plano é abrir centros de estudos em favelas, para que outros tenham as mesmas oportunidades que ela: “Eu penso que a gente precisa mostrar para [os moradores de] favela que a faculdade também é deles”. Andrezza é critica frente ao fato de que nas universidades, praticamente só são estudados autores do asfalto, embora o morro também tenha autores maravilhosos. Além disso, Andrezza constata que ainda há muito poucos alunos de meios desfavorecidos nas universidades públicas: “Sou muito a favor das cotas, mas só tinha eu de negra na minha turma. Que cotas são essas?”

Para Andrezza, a luta está longe de terminar. Na verdade, acabou de começar.

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