Iniciativa: Museu de Favela
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Ano de Fundação: 2008
Comunidade: Cantagalo e Pavão-Pavãozinho (Zona Sul)
Missão: Transformar o morro do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo em monumento turístico carioca da história de formação de favelas, das origens culturais do samba, da cultura do migrante nordestino, da cultura negra, de artes visuais e de dança.
Eventos Públicos: O MUF oferece visitas guiadas à sua Galeria a Céu Aberto—um circuito turístico de casas pintadas, as Casas-Telas, que contam histórias e retratam memórias da comunidade—e uma caminhada ecológica guiada até o Caminho do Alto, que apresenta memórias da natureza e da história ecológica da favela. O MUF também organiza atividades para reunir moradores e visitantes, como: exibições de filmes no CineMUF, uma biblioteca itinerante, cursos de inglês e uma loja de produtos artesanais feitos localmente.
Como Contribuir: Participe de um dos tours oferecidos (entre em contato para marcar a data e a hora com antecedência), compre artesanato feito por moradores na loja, doe para apoiar o museu e apoie a economia local da comunidade. O MUF também está procurando voluntários e estagiários para ajudar no ensino e contação de histórias na área de recreação infantil.
Situado em um morro entre Ipanema e Copacabana, as favelas do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho têm vista para alguns dos bairros mais emblemáticos (e caros) da “Cidade Maravilhosa”. Para muitos visitantes, esse morro é o primeiro vislumbre de uma realidade distinta da paisagem mais visitada da Zona Sul do Rio, caracterizada por praias ensolaradas e hotéis luxuosos. Cerca de 20.000 moradores do Rio chamam de lar as comunidades do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. A história dessas comunidades remonta à chegada de ex-escravos de Minas Gerais (que se estabeleceram no Cantagalo) e do Nordeste brasileiro (que se instalaram no Pavão-Pavãozinho) em 1907, servindo às áreas abaixo: isso foi na mesma época do início da urbanização de Copacabana.
Com sede em uma igreja no Cantagalo, o Museu de Favela (MUF) é uma iniciativa comunitária que visa valorizar a memória da favela, tornar sua história pública e apoiar a vida cultural local. O museu não é um local físico que pode ser destacado na paisagem. Em vez disso, o conceito é de um museu territorial: o espaço da favela se torna o foco do museu, e tudo o que está dentro dos limites da comunidade se torna parte do “acervo”, por assim dizer. Isso desfaz noções tradicionais e elitistas daquilo que constitui um museu e de quem os museus servem, afirmando que as favelas—e essas favelas, em particular—contêm tesouros de cultura e história que devem ser valorizados e preservados.
Sidney Silva, conhecido como Mestre Tartaruga por seus alunos de capoeira, viveu no Cantagalo por todos os 47 anos de sua vida. Ele é dono de uma escola de capoeira, é um dos diretores do MUF e é um respeitado líder comunitário. Muita coisa mudou desde a infância de Sidney—acesso à eletricidade, infraestrutura de saneamento básico e pavimentação de ruas, por exemplo—mas Sidney é rápido em apontar que essas mudanças devem ser vistas como ganhos obtidos pelos moradores, não por políticos. Da mesma forma, o MUF é uma iniciativa que surgiu graças à dedicação dos moradores em melhorar sua própria comunidade.
O MUF foi fundado em 2008 no contexto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que incluía financiamento para projetos de urbanização de favelas. No Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, esses fundos foram utilizados em parcerias com universidades públicas para oferecer cursos na comunidade. Os moradores solicitaram cursos de museologia e turismo, através dos quais aprenderam sobre a ideia de ecomuseus e decidiram explorar as formas que o conceito poderia ser aplicado localmente, aproveitando a localização da favela e o potencial turístico para gerar recursos importantes para a comunidade.
O projeto reuniu dezesseis líderes comunitários, fundadores originais do museu—“um grupo diversificado e talentoso de artistas, músicos, cantores, compositores de hip-hop e samba, líderes comunitários reconhecidos, apresentadores de rádio, jornalistas, dançarinos de capoeira, artesãos, fotógrafos, arquiteta-urbanista, ex-empresária e advogada”. Os líderes do museu—desde sua fundação até os dias de hoje—são em sua maioria mulheres, a maioria das quais cresceu e continua morando na comunidade.
O MUF se refere tanto ao museu territorial—que inclui todas as casas, ruas e pessoas dentro do complexo da favela—quanto à organização que funciona como um “guarda-chuva cultural”, como Sidney chama, unindo e apoiando iniciativas culturais ao longo de toda a comunidade. Essas iniciativas incluem projetos de rádio comunitária, aulas de música, grupos de performance, música por Alini Rangel, graffiti por Carlos Acme, e própria escola de capoeira de Sidney.
O MUF também organiza atividades regulares próprias. A organização realiza exibições gratuitas de filmes (geralmente exibindo filmes com temas sociais ou culturais) em vários locais da favela por meio de uma iniciativa chamada CineMUF. Ao convidar moradores e pessoas de fora para participar, a organização cria um espaço para novas conexões e diálogo entre pessoas que, de outra forma, nunca teriam se encontrado—seja entre moradores e visitantes ou entre membros da mesma comunidade. Outro espaço importante é a brinquedoteca, onde as crianças locais podem brincar com uma coleção de brinquedos e livros, interagindo entre si e com voluntários adultos. O MUF também organiza oficinas e cursos de idiomas, particularmente inglês e espanhol. Além disso, a organização mantém uma loja que vende produtos artesanais feitos por moradores da comunidade, permitindo que os visitantes apoiem financeiramente todos esses projetos.
A primeira exposição do MUF foi a série “Velhos Ilustres”. Para a exposição, os organizadores entrevistaram treze moradores de longa data sobre suas infâncias e vidas na favela. Utilizando materiais dessas histórias orais, Carlos Acme—um grafiteiro de renome mundial e um dos fundadores originais do MUF—trouxe uma equipe de artistas que pintaram essas histórias nas paredes de casas no Cantagalo e no Pavão-Pavãozinho. Ao fazê-lo, a arte tornou-se parte das casas. Os moradores puderam então escolher entre manter a arte ou pintar sobre ela. A maioria optou por mantê-la, identificando-se com a arte e as histórias retratadas. Coletivamente, essas pinturas contam as histórias do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. Colocadas nas paredes antes que os guardiões dessas histórias desapareçam, a exposição oferece aos visitantes uma janela para a vida na comunidade e capacita os moradores a valorizar sua própria história.
Outra marca registrada do MUF é a exposição e os prêmios “Mulheres Guerreiras”, concedidos a mulheres excepcionais da comunidade cujas “histórias mais representam a memória coletiva desse complexo de favelas”. Após serem selecionadas por um comitê de moradores, as mulheres são entrevistadas e suas histórias transformadas em cartazes artísticos que são exibidos em um desfile ao longo da favela no dia da cerimônia de premiação, recolhendo as escolhidas em suas casas ao longo do caminho. No final do dia, os participantes celebram com samba e churrasco na sede do MUF, reunindo-se em homenagem às mulheres que construíram as fundações, pilares e telhados de suas comunidades—figurativamente, e às vezes, literalmente.
Um dos papéis mais importantes do MUF é o de mediador: o MUF reúne diversos setores da sociedade, sempre no intuito de apoiar os moradores locais. A organização reúne moradores e visitantes para contar as histórias de moradores de longa data—reconhecendo a importância da atenção externa, mas também insistindo na capacidade de auto-reconhecimento da comunidade. Os envolvidos com o museu são agentes culturais e criadores de mudanças que facilitam o intercâmbio cultural e experiencial com outras favelas do Rio, resistindo assim à fragmentação e trabalhando para construir solidariedade entre as favelas.
A organização também atua como mediadora entre os moradores e o governo, lutando pelo direito dos moradores à permanência diante de ameaças de remoção e agindo para equilibrar os interesses de muitos atores (de dentro e de fora da favela) que visam ter uma voz no futuro da comunidade.
Finalmente, devido à sua localização na Zona Sul, o MUF ocupa um lugar único de visibilidade—tanto dentro do Rio como internacionalmente, permitindo que a organização desafie as percepções estigmatizadas das favelas e pinte uma imagem que seja distinta das imagens negativas das favelas que aparecem comumente nos meios de comunicação.
Para Sidney, como para muitos outros líderes comunitários das favelas, é importante situar as dificuldades enfrentadas por sua comunidade no contexto político nacional—especificamente, no contexto de corrupção e das autoridades do governo que valorizam mais o capital do que as pessoas. Com frequência, diz ele, os políticos constroem projetos maciços em favelas sem a participação de membros da comunidade—às vezes até explicitamente indo contra os desejos da comunidade, apenas para embolsar os ganhos para si mesmos e deixar a favela não mais desenvolvida do que antes. A violência que se tornou tão presente no cotidiano de muitos moradores das favelas—alimentada por questões sistêmicas como a criminalização da pobreza—fragmenta as comunidades e inibe o desenvolvimento local. “Eu moro num país rico, de diversidade… e eu vejo a riqueza do povo ser jogada lá para baixo. Tudo que está na mão dos políticos, na verdade é nosso—é do povo”.
No entanto, as pessoas não podem reivindicar tudo o que é verdadeiramente delas até se tornarem organizadas. A firme crença de Sidney é que “[os moradores da] comunidade tem que se organizarem entre eles. Se eu não posso contar com o Estado, eu vou contar com quem? Se ele ler lá no site RioOnWatch que está tendo remoção, ele tem que pensar: ‘Está tendo remoção por quê?’ Tem que ir lá, estar lá na reunião. Porque hoje não foi na casa dele, mas amanhã pode ser a casa dele. Hoje a operação [policial] foi lá, mas amanhã pode ser aqui. A gente tem que começar a se organizar, para a gente mudar a realidade”.
O museu desempenha um papel fundamental na organização da comunidade, oferecendo espaços e oportunidades para os moradores se unirem—para aprender, conversar e trabalhar—a fim de atender às necessidades coletivas. Talvez uma das maneiras mais poderosas do MUF desempenhar esse papel de mediador é promover o envolvimento entre a favela e o “asfalto”—a cidade formal. “Eu acho que o propósito do museu é interligar cidade e favela, é fazer uma cidade só”, diz Sidney. O MUF fomenta a participação dos moradores, fortalecendo as iniciativas comunitárias e cultivando a compreensão de que os moradores da favela também fazem parte da cidade—contrariando a retórica estigmatizante que coloca as favelas como espaços urbanos separados e os moradores das favelas como uma subclasse sem direito de participar da cidade.
Isso começa com a ideia do próprio museu. O MUF é registrado como um museu nacional e faz parte de uma rede de museus localizados em toda a cidade e em todo o país. No início deste ano, a base do MUF serviu como um ponto de distribuição para passaportes de museus, que concedem a entrada gratuita para mais de setenta museus e centros culturais no Rio. Por meio de iniciativas como esta, os moradores ganham acesso a ofertas culturais das quais são frequentemente barrados devido ao preço, preconceito ou falta de informações acessíveis. Além de proporcionar acesso a instituições culturais diversas, essas trocas incentivam os moradores a reconhecerem que a história e a realidade da favela—formas locais de conhecer, viver e compreender—são tão importantes quanto as da cidade formal. Além disso, essas iniciativas incentivam moradores a entender que a favela é parte essencial e fundamental dessa cidade e deve ser comemorada e preservada como tal.
Particularmente afiada é a luta para preservar a memória e a cultura afro-brasileira em uma comunidade que está experimentando a crescente influência da igreja evangélica e em uma sociedade com uma corrente crescente de intolerância às religiões afro-brasileiras. Falando sobre sua experiência como instrutor de capoeira no Cantagalo, Sidney descreve que as religiões afro-brasileiras são muitas vezes demonizadas e que a cultura afro-brasileira como o samba e a capoeira continuam a ser marginalizadas. Ele vê isso como uma forma de “apagar toda a história da nação… pouco a pouco, você perde tradições. A capoeira é uma conexão com a história do Brasil. Tem todo esse contexto histórico—do escravo que precisava fugir da escravidão e se escondia nos quilombos”. Buscando manter as expressões culturais afro-brasileiras vivas, Sidney conta essa história para todos os que estão dispostos a ouvir e a passa para gerações futuras através de sua escola de capoeira. “A capoeira não vai morrer porque eu não vou deixar”, ele afirma.
Sidney enfatiza que a cidade do Rio de Janeiro deve muito às favelas e aos favelados—boa parte da cultura e da força de trabalho da cidade, por exemplo. Para Sidney, é fundamental que os moradores das favelas conheçam essa história e a realidade atual para que eles entendam seu verdadeiro lugar, no coração da cidade. Caso contrário, é fácil apagar essas verdades, e os moradores das favelas serem enganados: “É isso que o sistema faz—quebra toda uma cadeia histórica—desde o começo da escravidão, da ocupação, da expansão francesa, holandesa, espanhola, portuguesa. Porque o sistema faz assim: apaga a história [do morador] porque ele vai esquecer, vai ser escravo pra sempre, vai trabalhar sempre pelo salário mínimo. A gente fica sempre nessa. A massa é sempre refém: ou ela vai sofrer com a violência, todas [as violências,] como a falta da assistência do estado, ou a gente vai ficar nessa, por falta do nosso próprio cuidado”. É frente a esse dilema impossível que o MUF resiste, mantendo viva a memória da comunidade e despertando a consciência dos moradores para exigir direitos e afirmar seu lugar na cidade.
Este é o poder da memória: ao reivindicar um lugar no passado da nação, os moradores afirmam seu direito ao presente e reivindicam um espaço no futuro da nação. Por essa razão, o trabalho do MUF é tão importante para garantir a sustentação da comunidade, garantindo que os moradores não se esqueçam de sua história e os incentivando a imaginar o futuro da comunidade e continuar em sua luta diária pelo direito à cidade. Nas palavras de Sidney: “A gente usa a memória para ter esse poder de pertencimento. A gente fala: ‘Cantagalo-Pavão-Pavãozinho faz parte da cidade do Rio de Janeiro’. Mesmo o governo não querendo, o rico não querendo—a gente quer”.
* O Museu de Favela é um dos mais de 100 projetos comunitários mapeados pela Comunidades Catalisadoras (ComCat)—a organização que publica o RioOnWatch—como parte do nosso programa paralelo ‘Rede Favela Sustentável‘ lançado em 2017 para reconhecer, apoiar, fortalecer e expandir as qualidades sustentáveis e movimentos comunitários inerentes às favelas do Rio de Janeiro. Siga a Rede Favela Sustentável no Facebook. Leia outros perfis dos projetos da Rede Favela Sustentável aqui.