No Mês da Consciência Negra em 2024, alguns locais fundamentais para a cultura negra carioca receberam a ilustre visita de Sua Majestade Real, a Rainha Diambi Kabatusuila, também chamada por seu povo de Diambi Mukalenga Mukaji Wa Nkashama, cuja tradução é “Rainha da Ordem do Leopardo”. Coroada em 31 de agosto de 2016, governante do povo Bena Tshiyamba, uma nação de Bakwa Indu, antes parte do Império Luba, localizado na região central de Kasaï na moderna República Democrática do Congo, Sua Majestade Real tem como uma de suas principais missões buscar alianças para mudar a narrativa sobre o povo africano pelo mundo e se reconectar com os afrodescendentes na diáspora, sobretudo, os que ainda resguardam tradições Bantu, inclusive, enredo da Mangueira para o Carnaval 2025.
No dia 4 de novembro, Rainha Diambi foi homenageada pela manhã na Câmara Municipal de Niterói, através da Vereadora Benny Briolly, mulher negra e primeira vereadora trans eleita na cidade do Grande Rio. Em seguida, a rainha realizou uma visita ao Quilombo do Camorim localizado na Zona Oeste do Rio, acompanhada da imprensa congolesa, Kongo News, lideranças indígenas do Observatório Cultural das Aldeias (OCA) e do sacerdote de axé de tradição Angola-Kongo (que resguarda diversos elementos Bantu) e também da Ordem do Leopardo, Tata Lemba Dyala, do Terreiro Muna Nzo kongo Dya Mayala Mavuemba Nkôsi Biolê.
A visita foi facilitada e guiada por Adilson Almeida, presidente da Associação Cultural Quilombo do Camorim (ACUQCA), em visita da real ao Quilombo Camorim, na Zona Oeste carioca. Todos também estiveram presentes no dia anterior, durante a visita de Sua Majestade à Casa Tia Ira Rezadeira, no Morro da Serrinha. O terreiro de Tata Lemba Dyala foi visitado pela rainha dos Bantu dias antes, que circulou por diversos espaços pretos ou de tradição Bantu no Grande Rio.
Além destes, estavam presentes quilombolas e convidados, que a receberam no Quilombo do Camorim com uma deliciosa feijoada feita à lenha. Durante o evento, ao falar com a imprensa presente, a Sua Majestade comentou sobre a importância do Novembro Negro. Uma data comemorada no Brasil, mas também importante para os que não são descendentes dos traficados.
“Eu vejo as diferentes atividades e o que está acontecendo e eu vim aqui agora, neste quilombo, para aprender sobre a história da luta por justiça e igualdade para as pessoas que vieram da África nos últimos séculos e cujos descendentes estão aqui e em todo o Brasil. Eu acredito que a grande maioria dos brasileiros são descendentes da África… Então, para mim, é surpreendente que seja apenas um mês de celebração quando a maioria da população é, na verdade, descendente de África.
Mas, ao mesmo tempo, é bom que tenhamos um mês para reconhecer a contribuição das pessoas africanas para construir este país porque elas não vieram como escravos, elas vieram capturadas. O que nós não sabemos sobre a África antes da colonização é que ela era um continente com grandes impérios, grandes civilizações que impactaram o resto do mundo. Então, as pessoas que vieram da África não vieram sem conhecimento, elas vieram com tecnologias e toda uma sabedoria advindos do continente africano para fazer este país viável para os portugueses e todas as outras pessoas que vieram depois, além de serem capazes de trabalhar com as comunidades indígenas presentes no território.
Precisamos reconhecer o que as pessoas africanas trouxeram para este país. Não apenas o trabalho, mas a inteligência e a sabedoria. Essas ações contribuíram para a construção do que hoje conhecemos como Brasil. Uma coisa que eu acho interessante é fazer as pessoas entenderem que, sem usar esse patrimônio (essa contribuição africana no Brasil), sem trazer esse patrimônio à frente, o Brasil está perdendo. Um patrimônio é uma riqueza. Então, quando você usa, quando você valoriza, você ganha. Eu gostaria que as pessoas brasileiras entendessem que, com o patrimônio dos descendentes de africanos, é o Brasil inteiro que ganha e se torna mais forte. Porque a África é um lugar de onde muitas coisas boas vêm e consolidar a relação com a África é seguir através dos descendentes de africanos no Brasil.” — Sua Majestade Real, Rainha Diambi Kabatusuila
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O encontro foi marcado pelo toque dos tambores ecoando o jongo local. Houve também uma caminhada guiada por Adilson, que conduziu o grupo presente pelas matas do quilombo, passando por um sítio arqueológico de fundamental importância histórica e pelo rio que corta o Camorim. Além disso, na mata do quilombo foi plantada uma muda de Pau-Brasil, simbolicamente regada com uma água trazida do Congo pela Rainha Diambi.
No mesmo evento, o professor Leonardo Mattos de Xangô entregou o selo “Casas Ancestrais” para o Quilombo do Camorim. O programa Casas Ancestrais foi instituído pela Lei Municipal no 7.390/2022 e é efetuado através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima da Prefeitura do Rio.
Perguntado sobre a importância da visita régia da Rainha Diambi, Adilson relata a importância de receber a ilustre convidada Bantu. Essa visita representa uma consagração da ancestralidade.
“Então, para mim, com imensa gratidão da presença aqui da Sua Majestade Rainha Diambi, que traz cada vez mais esse entrelaço entre nós, África e Brasil, isso estreita cada vez mais essa base de família, família África, família Brasil. Porque o Brasil, se posso considerar um quilombo—mas nem todos estão dentro desse quilombo—o Brasil está disposto a lutar pela própria história. Então, essa vinda dela aqui, para mim, traz esse marco. Esse marco não é temporal. É um marco que lhe dá uma continuidade de séculos atrás, de África milenar para esse presente que nós estamos aqui; ela realmente traz uma energia de positividade, uma esperança para todos nós… Eu tinha receio de querer tocá-la, porque geralmente as realezas não se pode tocar e, quando a gente chega, a gente recebe o primeiro abraço dela. Isso é acolhedor, a gente vê que isso é família.
A Rainha Diambi traz esses laços familiares, isso nos emociona. A ancestralidade… a Rainha… afirmou esse elo e continuidade de África. O povo africano que veio de lá para cá para construir o Brasil em cima de muita tristeza, de muito trabalho, mas hoje nós trabalhamos não só numa questão de lembrar pela tristeza, mas de trabalho. Somente pelo nome do Camorim, é motivo festejar o nosso povo, a alegria, a coletividade, o amor. Porque só com amor, carinho e respeito é possível alcançar a transformação. Eu trago muito a Sankofa do dicionário Adinkra, que a Sankofa remete ao passado, presente e futuro. Então, eu sempre fico aqui, que é voltar ao passado, buscar suas origens, aprender coisas boas, trazer para um presente e construir um futuro melhor.
As pessoas às vezes perguntam ‘como se faz isso?’ Então, em 1998, eu, sentado ao leito do Rio Camorim, me fiz a pergunta: de onde eu vim, quem eu sou e para onde eu quero ir? Aí ,eu fechei os olhos e realmente cheguei em África. Mas só que eu não cheguei num determinado local, eu cheguei numa parte de um vilarejo com muitas idosas, crianças, cantarolando, festejando. Eu passo, fico um tempo e vou vagando por vários vilarejos também e, ao acordar, eu estava ao leito do Rio Camorim, dentro do meu território. E aí entendi que aquela mensagem era uma missão para mim. Eu aceitei, conversei com Deus, conversei com a minha ancestralidade, que eu daria continuidade, mas que precisava de muita proteção, e isso realmente eu tenho. Se não fosse a proteção dos meus ancestrais, eu não estaria aqui hoje, contando essa história e recebendo a Rainha Diambi através dessa coletividade, com almoço em clima de família em uma mesa extensa com todos confraternizando. Hoje, é um marco histórico para nós e acho que para cada um que esteve presente também vai sair daqui com um pensamento diferente, de realmente lutar pela própria história, mas que ela é História do nosso povo, ela é nossa, o povo do Brasil, é o povo estrangeiro, de África.” — Adilson Almeida, presidente da Associação Cultural Quilombo do Camorim (ACUQCA)
O Quilombo do Camorim não marcou o fim de sua visita. Ficou por dias ainda no Rio de Janeiro, período no qual visitou, por exemplo, o Instituto dos Pretos Novos (IPN). Além do Rio de Janeiro, Rainha Diambi visitou em novembro de 2024 diversos estados brasileiros, entre eles: Bahia, Goiás, Minas Gerais e São Paulo.
É importante notar que esta não foi a primeira viagem de Sua Majestade Real ao Rio de Janeiro. Ela já esteve na cidade em 2019, quando também encontrou com afrodescentes.
Sobre o autor: Rhuan Gonçalves é natural de Macaé, cidade do Norte Fluminense, possui licenciatura em História pela PUC-Rio, dirige e produz o documentário “Menino de 47 Vai a Campo”, sobre a fundação do time profissional de futebol do G.R.E.S. Império Serrano, é fotógrafo do acervo do Imagens do Povo, vinculado ao Observatório de Favelas, localizado no Complexo da Maré, e ritimista do Império Serrano, da Estação Primeira de Mangueira e da Acadêmicos de Vigário Geral.