A Rede Favela Sustentável (RFS)*, em parceria com a Secretaria Nacional de Periferias (SNP) do Ministério das Cidades, promoveu, no dia 14 de novembro, o evento de lançamento da publicação Soluções Baseadas na Natureza nas Periferias: Avanços na Regulamentação de Uma Nova Política Pública. Desde outubro de 2023, o Grupo de Trabalho Ampliado de Acompanhamento (GTAA), que contou com o apoio da GIZ Brasil, desenvolveu esse trabalho engajando, além da Rede Favela Sustentável, o Instituto Perifa Sustentável, o Grupo de Pesquisa e Extensão Periférico Grupo Periférico – UNB, Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), Aliança Bioconexão Urbana, SEMASA Santo André, Banco Mundial no Brasil, Rede por Adaptação Antirracista, e o pesquisador independente Erich Wolff.
O evento de lançamento no Rio de Janeiro foi realizado no atelier com sua exposição permanente de imagens da história da primeira favela, o Zona Imaginária, no bairro da Gamboa, como atividade paralela ao G20 Social. Com o objetivo de ampliar o diálogo de saberes em torno de uma política pública que incentive a adaptação climática em territórios periféricos, a partir do Programa Periferia Viva, foi um passo importante para a inovação na forma de construções a partir de Soluções Baseadas na Natureza (SBN).
A atividade reuniu experiências práticas de SBN nas favelas, realizadas por integrantes da Rede Favela Sustentável, representados por Alessandra Roque (Providência Agroecológica), Luis Cassiano (Teto Verde Favela) do Parque Arará, Otávio Alves Barros (Cooperativa Vale Encantado), Roberto Fonseca (Horto Natureza) e Alan Brum (Raízes em Movimento) do Complexo do Alemão. Também estiveram presentes Raissa Monteiro (GIZ Brasil), e os Secretários Nacionais Adalberto Maluf (Secretaria Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática) e Guilherme Simões (Secretaria Nacional das Periferias, Ministério das Cidades), reforçando o compromisso da União com soluções para o enfrentamento da crise climática em áreas periféricas e de favelas, regiões mais vulneráveis climaticamente.
O Que São Soluções Baseadas na Natureza (SBN)?
Luiz Arend Filho, coordenador no Departamento de Mitigação e Prevenção de Risco, da Secretaria Nacional de Periferias/MCID, em sua fala apresentou as Soluções Baseadas na Natureza (SBN), contextualizando os seus benefícios não só para as favelas e periferias, mas para toda a sociedade.
“As SBNs são ações que abordam desafios sociais com benefícios para as comunidades e para os ecossistemas envolvidos… Por exemplo, chove, uma parte da água infiltra, uma parte da água escoa superficialmente. Quando tem urbanização, concreto, asfalto, menos água infiltra, mais água escoa superficialmente. Quando tem mais água, qual a solução tradicional? Aumentar a capacidade do rio, fazer canal, meter concreto. Se a urbanização continua, e vai além do previsto,… tem mais água. O que se faz ainda dentro de uma abordagem tradicional?… Bota o excesso dentro de um piscinão, faz mais concreto. Tem alternativa? Tem. As alternativas são as SBNs. O que a SBN pode fazer? O que a urbanização [tradicional] faz? Com mais água, menos água infiltra, mais água escoa superficialmente. O que a SBN faz? Segura a água, infiltra a água, reverte o que a urbanização faz.” — Luiz Arend Filho
Durante o evento, Luiz, o Secretário Nacional das Periferias Guilherme Simões, e o Secretário Nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental, Adalberto Maluf, lançaram no evento a publicação, Soluções Baseadas na Natureza nas Periferias.
Secretário Maluf no evento deu uma perspectiva da importância de trabalhar em parceria, principalmente em relação ao meio ambiente urbano, em regiões periféricas e de favelas. Ele falou do Programa Cidades Verdes Resilientes e de sua potência para as periferias brasileiras, afirmando que as favelas já oferecem e podem oferecer muitas alternativas para as consequências da questão climática, que afeta desproporcionalmente mais as favelas e periferias.
“Quando a gente pensa em, simplesmente, terra, os grandes projetos que acabam vindo com as prefeituras são aquelas infraestruturas cinzas, grandes obras, de milhões e milhões, com grandes construtoras. Resolvem o problema? Sim, uma parte. E nunca vai ter dinheiro para fazer tudo. Já as Soluções Baseadas na Natureza, que voltam às nossas origens, de usar a natureza, usar as cidades, essa geografia natural das regiões onde a gente mora, com esse recorte territorial muito claro nas periferias, um recorte de gênero, de raça, onde… a gente pode fazer soluções como agricultura urbana, jardins filtrantes…. ao mesmo tempo, a gente pode fazer, inclusive, infraestrutura importante de drenagem.” — Adalberto Maluf
Soluções Baseadas na Natureza como Política Pública
O Secretário Nacional das Periferias, Guilherme Simões, do Ministério das Cidades, fez uma fala bastante extensa, sobre o lançamento da publicação Soluções Baseadas na Natureza nas Periferias e das SBNs como política pública. Assista ao vídeo acima para sua falta completa.
“A gente tem uma função que é a prevenção de riscos de desastres, especialmente ligados a deslizamentos. Então, nós somos os responsáveis no governo federal por obras de contenção de encostas, aquelas obras que vocês vêem passando aqui no Rio, no Recife, muito grandes, de concreto, que seguram eventualmente o deslizamento. E funciona, vamos dizer que funciona, não é, Luiz? Funciona. Mas nós estamos dizendo há bastante tempo que é importante pensar em outros tipos de solução para esse problema. Por quê? Porque o paredão tem algumas consequências. Como é concreto, o sol bate, esquenta demais aquele território, que fica mais quente do que o resto. Aquele lugar, quem é de lá sabe, fica um paredão, fica um muro. Quando dá um problema em outro lugar, o pessoal vai lá e reocupa…
Eu preciso discutir que, no Brasil, para eu reduzir risco de desastre, para eu melhorar a segurança de vida do povo com relação aos eventos climáticos, eu preciso reduzir as desigualdades. Porque se o cara mora melhor, ele não precisa ir para área de risco, certo? Então, ninguém–e aí essa é a frase clássica que todos nós, ativistas e militantes do negócio usamos–ninguém vai para a área de risco, ninguém mora em área de risco porque quer, porque escolheu. Nós vamos porque vivemos em uma cidade que produz industrialmente a desigualdade… Eu queria voltar para falar da SBN aqui porque nós vamos ouvir falar mais sobre isso. E quanto mais a gente ouvir falar disso sob a ótica de quem vive isso, portanto de quem está atuando, quem está fazendo, construindo experiências, melhor…
Nós temos a maior felicidade de ser a primeira ação orçamentária do governo federal com este nome, Soluções Baseadas na Natureza, dentro de uma secretaria. E esse debate, que a gente tem que falar no Brasil, tem que falar… Nós temos que explicar que quem mais sofre com o impacto da crise climática são os mais pobres. Temos que explicar o óbvio. Mas se é para explicar o óbvio, nós estamos aqui. Vamos explicar o óbvio quantas vezes for necessário.
Enquanto a gente achar que o Estado tem o papel de elaborar uma política e efetivar ela de cima pra baixo, essa relação não vai dar certo… Portanto, quanto mais a gente construir essa metodologia, que resultou nesta publicação, mas que resultou antes disso na estratégia do Periferia Sem Riscos, vai ser melhor… Os planos comunitários de redução de gestão de risco que nós estamos elaborando em parceria com as universidades e com os territórios vêm com uma série de ações propostas… Então, eu queria dizer que esse momento aqui é extremamente gratificante, porque nós estamos construindo, eu tenho esse sentimento de que nós estamos construindo uma experiência e mostrando que é possível. Porque não é coisa do passado combater a desigualdade. Não é coisa do futuro combater os efeitos da crise climática. É um desafio nosso, do nosso tempo, né?… Em 2025, vamos lançar um edital para projetos de Soluções Baseadas na Natureza. E aí não é projeto só: queremos ver a coisa acontecer. Queremos transformar essas ilustrações em intervenções reais. Pra mostrar pro nosso povo, mas também mostrar pros prefeitos, pros governadores, pros técnicos, que muita gente desacredita disso aqui ainda, prefere a solução mais fácil, concretar tudo, né? Pra mostrar e provar que as soluções baseadas na natureza, partindo das experiências territoriais, podem sim ser uma resposta para a crise climática.” — Guilherme Simões
As Favelas como Pioneiras na Construção de Soluções Baseadas na Natureza
A mesa com experiências de Soluções Baseadas na Natureza nas Favelas, representadas por iniciativas integrantes Rede Favela Sustentável, contou com várias apresentações de modelos comunitários. Alessandra Roque, da Providência Agroecológica, explicou sobre o projeto de agroecologia, educação ambiental e outras ações territoriais no Morro da Providência.
“Nós montamos, no Morro da Providência, uma escola que se chama Providência Agroecológica. Nossa ideia é que todas as crianças tenham acesso à educação… A gente não tem condições de levar essas crianças para uma ecovila, para uma fazenda, mas a gente tem condições de trazer um ou dois exemplares de cada espécie ou de cada via ambiental para mostrar para essas crianças. E aí, no projeto, a gente não está ligado à rede pública de esgoto, mas a gente tem uma bacia de evapotranspiração, a gente trata o nosso esgoto. Nós temos banheiro seco, teto verde, minhocário, eira estática, leira de viração, triturador. Existem vários formatos para a gente dar fim ao nosso lixo… A gente tenta fazer a utilização total dos alimentos, até com a casca da banana e usando tudo, tudo que a gente tem.” — Alessandra Roque
Luis Cassiano, do Teto Verde Favela, morador do Parque Arará, desenvolve um projeto de teto verde em sua residência e, em sua apresentação, falou sobre o que é essa tecnologia e como ela conseguiu reduzir a temperatura de sua casa, tornando o ambiente mais agradável.
“Eu morava com a minha mãe em casa de caseiro na Mata Atlântica quando eu era adolescente. Então, eu tive muito contato com a natureza. A gente conseguiu comprar nossa casa nessa favela [Parque Arará]. E aí, eu constatei, que eu saí do lado da selva, para uma selva de pedra. E aí, quando mudou, muito quente, eu tive que entender como tolerar aquilo. Então, um amigo meu, ele morava na Alemanha, ele falou assim, o que pode te ajudar, seria um telhado verde. E aí, eu descobri que tem tudo a ver. Primeiro, realmente, porque eu gostava de plantas. E tem muita gente assim, que nem eu, que mora na favela, e esquecem, né? Porque vêem ali só cimento, tijolo, e aí até se acomodam. Desistem de plantar, vê que não tem mais espaço e tal. Eu realmente não tenho espaço pra plantar. E aí, eu vi que seria legal. Dá pra plantar na telha, né?… Então, vamos ver como é que é isso. Comecei a pesquisar e vi que é possível. Consegui, pesquisando, chegar até uma pessoa fantástica, que é o Bruno Rezende, que estava fazendo doutorado de tetos verdes, criando uma técnica que tem a ver com a favela. Então, eu comecei a entender isso, pesquisar mais sobre isso. E, hoje, eu tenho telhado verde há uns 13 anos. Então, o meu telhado está lá, verdinho, funcionando. E aí, o que acontece? Diminui bastante a temperatura. Diminuindo a temperatura, a gente também economiza com energia elétrica. A gente gasta menos no ar condicionado, gasta menos na noite, deixa a casa mais bonita e o ecossistema agradece.” — Luis Cassiano
Otávio Barros, da Cooperativa Vale Encantado, uma comunidade no Alto da Boa Vista, nas bordas da Floresta da Tijuca, contou sua experiência na construção comunitária de um biossistema de saneamento ecológico para resolver a questão do lançamento de esgoto nos corpos hídricos do território.
“Eu trabalho com turismo e a gente é a Cooperativa Vale Encantado, ela foi criada em 2005. Em 2007, quando um grupo de turistas foi à comunidade, eu levei eles até uma cascata no entorno da comunidade. E lá eles queriam tomar banho na cascata. E eu falei que não podia tomar banho porque a água estava poluída, não só pela comunidade, mas também pelos condomínios que têm acima da comunidade. E comecei a tentar ver como poderia ser resolvida essa situação… Eu trabalhava na PUC, rodava muitos departamentos de geografia, de arte, de ambiente… eu fui tentando ver qual seria a melhor forma de fazer esse tratamento de esgoto. E aí conheci o Léo e o Tito, que hoje são parceiros lá da comunidade. E a gente conseguiu fazer um biossistema, um sistema de tratamento de esgoto por zona de raízes. Ele fica no final da comunidade [em uma parte mais baixa] e aí vai por gravidade. Então, [o esgoto] era canalizado das casas e jogado no córrego e formava um pequeno riacho que era totalmente contaminado a céu aberto dentro da comunidade. [Nós fizemos toda] a canalização, tiramos a canalização do esgoto e levamos para esse sistema, com aquela cúpula redonda que vocês estão vendo ali, que parece um iglu. Ela recebe todo o afluente da água cilíndrica e tem um cano branco… Quando ela sai no final desse tratamento, ela é devolvida ao meio ambiente novamente, despejada em uma área que é mais plana, e aí é absorvida por outras plantas que tem ao redor da comunidade.” — Otávio Barros
Roberto Fonseca, do Horto Natureza, atua na Comunidade do Horto, no Jardim Botânico, e tem como proposta de trabalho de revitalização, manutenção e preservação do Rio dos Macacos, que cruza a comunidade, além de um trabalho de educação ambiental e construção de uma contranarrativa de que não são os moradores do Horto, os responsáveis pela poluição do rio.
“O Horto Florestal foi muito crucificado na mídia, com várias ameaças de remoção das nossas casas. Então, a luta foi muito grande para a gente continuar a preservar a nossa moradia. Teve os antepassados que fizeram muito pelo Horto na preservação, só que era muito esquecido, apagavam muito a nossa história. O projeto Horto Natureza veio para mostrar que tinha muitos preservadores. Eu, como sou neto do funcionário do Jardim Botânico, tentei pegar isso, e a gente construiu uma sustentabilidade para poder mostrar para a mídia que quem cuida, merece morar. Então, eu comecei com o projeto limpando o Rio dos Macacos, antes, tudo o que acontecia na Lagoa Rodrigo de Freitas era culpa da favela do Horto… O Horto sempre foi um lugar onde teve preservação, só que a gente não tinha como mostrar essa preservação, era escondida. Depois da rede social, eu comecei a postar esse trabalho de preservação que os moradores sempre tiveram…. A gente começou a fazer um trabalho bonito que foi para os moradores que através de a gente plantar a gente poderia colher. Aí começamos com a nossa horta sustentável, tirando todo o material da natureza, mostrando que o Rio dos Macacos estava sendo preservado… não somos invasores e somos preservadores.” — Roberto Fonseca
Alan Brum, do Raízes em Movimento, que desenvolve seus trabalhos no Complexo do Alemão, focados em direitos humanos, desenvolvimento local, social, cultural e humano, facilitou o Fórum Popular do Complexo do Alemão, que coletivamente produziu o Plano de Ação Popular do Complexo do Alemão, onde uma das ênfases era a urbanização verde das favelas do CPX. Em sua fala enfatizou a importância dos espaços coletivos das favelas no fortalecimento do todo.
“Então, no Complexo do Alemão a gente conseguiu construir esse plano com a diversidade de ações. Muitas delas têm ações muito próximas, que são muito ricas. Mas a minha fala diz sobre a questão da intervenção urbanística, socioambiental e climática. Então, a gente começou a trabalhar na favela, articulando uma universidade construindo diagnóstico socioambiental da própria favela dialogando com a Faculdade de Arquitetura para que pudesse construir e escutar os moradores com as suas prioridades e, a partir dali, elaborar o plano de intervenção urbanística para depois ir para o poder público e tentar pautar e colocar na agenda pública. Isso foi feito durante os últimos dois anos, chegando à Secretaria de Ambiente e Clima… A gente conseguiu que a secretaria pudesse pegar esse projeto de urbanização e não a Secretaria Municipal de Habitação, que geralmente faz a urbanização das favelas… Esse contexto é fundamental para a gente pensar a Solução Baseada na Natureza que está lá no projeto arquitetônico de urbanização, está lá apresentado está lá detalhado ter um corredor verde, um pomar (resgatar o pomar que já existiu ali há décadas) e trazer as Soluções Baseadas na Natureza… A gente quer fazer aqui uma discussão a partir do que é SBN para as favelas.” — Alan Brum, Raízes em Movimento
Após as apresentações das iniciativas de SBN nas favelas, o Secretário Nacional das Periferias, Guilherme Simões, refletiu sobre a importância destas iniciativas na construção de novas políticas públicas.
“Nós estamos construindo política pública. Eu acho que esse é o único sentido de ocupar esse espaço de poder, de execução orçamentária. Esse é o único sentido: fazer política pública nesta troca, vendo o que vocês estão fazendo, admirando e dizendo, porra, isso aqui pode ganhar escala. O teto verde pode ganhar escala, não precisa ficar restrito a meia dúzia de casas ou barracos de uma comunidade ou de uma favela. Pode ganhar escala. Evidentemente, tem que respeitar a dinâmica que foi construída, como foi concebido, etc., mas pode ganhar escala… E aí, essa metodologia de trazer os agentes coletivos organizados para elaborar política pública não fica restrita só à ação de SBN.” — Guilherme Simões
Assista aqui as gravações completas das apresentações durante o lançamento SBN nas Periferias.
Veja as Fotos do Evento no Flickr:
*A Rede Favela Sustentável (RFS) e o RioOnWatch são iniciativas gerenciadas pela organização sem fins lucrativos, Comunidades Catalisadoras (ComCat).
Sobre a autora: Bárbara Dias, cria de Bangu, possui licenciatura em Ciências Biológicas, mestrado em Educação Ambiental e atua como professora da rede pública desde 2006. É fotojornalista e trabalha também com fotografia documental. É comunicadora popular formada pelo Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) e co-fundadora do Coletivo Fotoguerrilha.