Territórios de Memória: Rio das Pedras e a Baixada de Jacarepaguá—Evento Coloca o Rio das Pedras no Centro da História das Favelas

Em 23 de novembro, a Agência Lume realizou 'Territórios de Memória Rio das Pedras e a Baixada de Jacarepaguá'. Foto: Daniele Ventura
Em 23 de novembro, a Agência Lume realizou ‘Territórios de Memória Rio das Pedras e a Baixada de Jacarepaguá’. Foto: Daniele Ventura

Em 23 de novembro, a Agência Lume realizou no colégio CAIC Euclides da Cunha, na favela do Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, um evento aprofundado sobre a memória da comunidade e da Baixada de Jacarepaguá. O evento “Territórios de Memória: Rio das Pedras e a Baixada de Jacarepaguá” foi realizado em parceria com a Énois e faz parte do programa “Diversidade nas Redações: Desinformação e Eleições”.

A primeira mesa, “Rio das Pedras Orgulho, Identidades e Desafios”, contou com um debate sobre o Rio das Pedras a partir da perspectiva de moradores e ex-moradores e de pesquisadores que atuam na região. Participaram da conversa Adão Castro, cria do Rio das Pedras e doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bruna Neres, mestre em Geografia pela PUC-Rio e integrante da Agenda Rio das Pedras 2030, Fernando Tomaz, morador do Rio das Pedras e membro fundador do coletivo Conexões Periféricas, Kássia Pedrosa, mestre em Ciências Sociais pela PUC-Rio, que realizou um estudo sobre memória e migração do Rio das Pedras, e Marcelo Burgos, sociólogo e coordenador do estudo que deu origem ao livro A Utopia da Comunidade: Rio das Pedras, uma Favela Carioca.

“Na minha pesquisa falo que quem construiu o Rio de Janeiro e a Barra foi o Rio das Pedras! Precisamos pensar o que a cidade precisa da favela. Precisamos inverter a lógica… Rio das Pedras mudou minha identidade como ser humano. Minha visão de olhar e de mundo foi criada aqui. A favela não é só o que passa no jornal, é um lugar de resistência, luta e muita cultura sendo produzida… Não dá mais para a gente viver em uma cidade que pensa a habitação a partir da iniciativa privada, em que a segurança pública é pensada para a classe média alta e não pela favela.” — Adão Castro

Mesa 1 - A 'Rio das Pedras Orgulho, identidades e desafios'. Foto: Daniele Ventura
Mesa 1 – A ‘Rio das Pedras Orgulho, Identidades e Desafios’. Foto: Daniele Ventura

Para Bruna Neres, a inquietação sobre a diferença de mundos entre Rio das Pedras e a Zona Sul, principalmente na PUC-Rio, onde ela se formou, a fez estudar e buscar soluções para melhorias da comunidade. A geógrafa conta que, através da sua experiência durante sua formação, decidiu trazer e compartilhar conhecimentos da graduação na comunidade, mostrando para os jovens que eles podem acessar a universidade.

Ela explica que, através de seu mestrado, fez uma pesquisa sobre a mobilidade urbana, na perspectiva das mulheres de Rio das Pedras: “a gente acredita que, mais do que ninguém, já que somos nós que moramos e vivenciamos o Rio das Pedras, [somos nós] que sabemos o caminho para buscar melhorias que precisamos”.

Bruna também fala que a interação entre movimentos sociais causa impacto no território e este foi um dos motivadores da criação da Agenda Rio das Pedras 2030.

“As organizações sociais fazem muito e causam impacto aqui no território. Mas, sozinhas, elas não têm o alcance de um poder público para transformar na escala que precisamos para mudar a vida dos moradores.” — Bruna Neres

Auditório cheio de moradores interessados em discutir a História de Rio das Pedras. Foto: Daniele Ventura
Auditório cheio de moradores e outros interessados em discutir a história de Rio das Pedras. Foto: Daniele Ventura

Em sua fala, Marcelo Burgos comenta sobre construir novas formas de representação das favelas para quebrar estereótipos sociais e políticos do passado. O sociólogo também expressou que “quem defende a democracia e o direito está aqui dentro da favela. As redes de solidariedade que sempre caracterizaram o Rio de Janeiro, ficaram esterilizadas. Então, torna este debate extremamente importante”.

Fernando Tomaz em sua fala enfatizou que esporte, cultura e educação fazem uma comunidade melhor, descrevendo as ações do Conexões Periféricas dentro da comunidade, dos seus cursos de comunicação em escolas e Clínicas da Família. O comunicador insiste sobre a importância dos moradores “meterem a mão” para buscar melhorias para a comunidade: “Qual é o tamanho do poder que está na nossa mão? Nós devemos deixar de fazer para outras pessoas fazerem? O que devemos fazer por nós hoje?”.

Já a mesa dois, intitulada “Yakaré Upá Guá: O Turismo Histórico e Ambiental da Baixada de Jacarepaguá” cobriu o turismo na região, com destaque para a história da Baixada de Jacarepaguá desde a Taba Tupinambá até os dias atuais. Nesta mesa, participaram Ana Melo, doutora em História e especialista em história indígena, Enalva Lima, guia de turismo da Casa de Cultura de Jacarepaguá, Leonardo Santos, professor associado ao Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá (IHBAJA), e Marcelo Calvano, líder gestor do Instituto Limpa Brasil no Rio de Janeiro.

Mesa 2 - 'Yakaré Upá Guá O Turismo Histórico e Ambiental da Baixada de Jacarepaguá'. Foto: Daniele Ventura
Mesa 2 – ‘Yakaré Upá Guá O Turismo Histórico e Ambiental da Baixada de Jacarepaguá’. Foto: Daniele Ventura

Mediada por Leonardo Santos, foi muito mencionada a origem indígena do toponímio da região, já que o nome da mesa “Yakare Upá Guá” significa “lagoa baixa dos jacarés”, que deu o nome ao bairro de Jacarepaguá, onde a favela do Rio das Pedras fica localizada. Ana Melo falou bastante sobre a história indígena. A historiadora falou do tempo em que os indígenas da tribo Tupinambá viveram na região, antes da invasão e ocupação portuguesa. Ela também comentou sobre a importância do trabalho indígena—e negro—no desenvolvimento da região naquela época.

“O principal escoamento da cana-de-açúcar e do café era pelo mar da Barra ou por Irajá, já que a região de Jacarepaguá antes pegava entre estes dois locais, e era feito por indígenas remeiros, que levavam esta carga até a Baía de Guanabara… Resgatar a história [é fundamental] para ter um lugar melhor para as pessoas e próximas gerações.” — Ana Melo

Enalva Lima apresentou as ações que a Casa de Cultura de Jacarepaguá realiza, com suas visitas guiadas e exposição permanente sobre a memória da Baixada de Jacarepaguá, além de exposições temporárias de arte e artesanato com obras de artistas e artesãos da região. Como guia, ela faz a rota do Artur Bispo Do Rosário, interno da Colônia Juliano Moreira, que foi inicialmente criada para receber pessoas com problemas mentais, mas acabou virando um bairro da Baixada de Jacarepaguá. Enalva também descreveu a formação da região por indígenas e negros escravizados, destacando sua historia riquíssima.

Auditório cheio de moradores escutam palestrantes falando sobre diversos aspectos da história e memória de Rio das Pedras. Foto: Daniele Ventura
Auditório cheio com palestrantes falando sobre diversos aspectos da história e memória de Rio das Pedras. Foto: Daniele Ventura

Marcelo Calvano se emocionou enquanto contava sua relação com a Baixada de Jacarepaguá. Segundo ele, sempre se perguntou o que poderia fazer pela região, pela qual ele tem um carinho imenso. Marcelo fala também da importância de se valorizar o bairro e as pessoas que moram nele, através de iniciativas que ajudem a comunidade.

“O turismo local gera para a população esse senso de pertencimento, valorizando a cultura local e a cultura do povo desse território.” — Marcelo Calvano

Fechando o evento, a terceira mesa falou sobre comunicação periférica. Intitulada “Papo Reto: O Papel da Comunicação Independente e Comunitária na Luta contra a Desinformação”, o debate ficou por conta de Fernanda Calé, jornalista, diretora executiva e co-fundadora da Agência Lume, Karen Fontoura, jornalista do Fala Roça, e Wesley Brasil, criador do Site da Baixada.

Mesa 3 - Falou sobre comunicação periférica, intitulada “Papo Reto O papel da comunicação independente e comunitária na luta contra a desinformação”. Foto: Daniele Ventura
Mesa 3 – “Papo Reto: O Papel da Comunicação Independente e Comunitária na Luta contra a desinformação”. Foto: Daniele Ventura

Mediada por Fernanda Calé, a mesa falou sobre os desafios que os veículos de comunicação comunitária e seus comunicadores enfrentam para poder levar informação às favelas. Fernanda fala da importância de se preocupar com a vida dos moradores ao divulgar (ou não) determinada informação, além de buscar manter a neutralidade, devido à ética.

“Às vezes, a gente tem um furo e não pode publicar, porque pode afetar a vida de alguém. Para a gente é muito mais difícil e muito mais cobrado. Com isso, sofremos muito mais, pois não temos grandes fortunas para suportar nossos trabalhos ou pagar pelos processos que possamos tomar [no exercício da profissão].” — Fernanda Calé

Na mesa, Karen Fontoura afirmou que é importante buscar informar, além de trabalhar essa informação dentro do território. “Atingir as pessoas dentro da Rocinha é difícil, pois é uma comunidade muito grande, mas já estamos estabelecidos como um veículo respeitado”, diz a jornalista.

“O que a gente faz muito é dialogar com equipes de saúde, cultura e educacionais para fazer a diferença dentro da favela, além de buscar universidades para estar em conjunto com a gente, para dialogar.” — Karen Fontoura

Karen contou que ter uma sede física alavancou o Fala Roça, trazendo os moradores para dentro do jornal, gerando criação de vínculos. Em contrapartida, Karen fala que, para captar recursos para o jornal, há desafios, como saber cobrar das marcas: “Falar de dinheiro não é ensinado e isso é muito ruim quando a gente vai tratar de dinheiro com grandes empresas. Uma das soluções criativas que a gente trabalha muito é pensar nos comerciantes locais como possíveis patrocinadores do jornal”.

Wesley Brasil fala que, no jornalismo comunitário, é importante não esquecer de onde se vem, buscar contar histórias e entender o que está acontecendo para explicar de um modo que todos daquele local entendam. Ele também afirma, falando da sua localidade, que um desafio é hackear o sistema para tirar a impressão ruim que as pessoas têm da baixada: “Tenho tentado ocupar espaços porque entendemos que fazer o nosso não é o suficiente, a gente vai precisar fazer um pouco mais e transcender”.

O comunicador também disse durante a mesa que, para as redes de comunicação periféricas se ligarem, tem que começar a se encontrar mais para poder descobrir afinidades para co-criação de ferramentas. Além disso, aprender com a nova geração é um desafio para que a comunicação comunitária possa chegar a mais pessoas.

Enquanto isso, Fernanda, uma das organizadoras do evento, falou sobre a importância de eventos como este, debatendo e buscando melhorias para a favela.

“A Lume teve a felicidade de poder, nesse momento, reunir pessoas super bacanas, pessoas que fazem trabalhos muito importantes para ter esse momento de troca. Há tempos que a gente acredita que não conseguimos fazer nada sozinho, que ninguém consegue mudar ou transformar regiões sozinho. Cada um precisa fazer um pouquinho. Então, eventos como esse ajudam a gente a trocar, conversar e fortalecer a nossa região.” — Fernanda Calé

Além das conversas e da exposição, a Agência Lume lançou, em primeira mão, um novo projeto que busca contar a história de Rio das Pedras através dos moradores da favela, chamado “Lembranças: Rio das Pedras”.

Teaser de Lembranças: Rio das Pedras:

E durante o “Territórios de Memória: Rio das Pedras e a Baixada de Jacarepaguá”, o Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá (IHBAJA) levou quadros com imagens históricas da Baixada de Jacarepaguá. Intitulada “Vida e Luta na Baixada de Jacarepaguá”, a exposição levou um pedaço da história do local para quem ainda não conhecia.

Exposição “Vida e Luta na Baixada de Jacarepaguá” levou um pedaço da história da Baixada de Jacarepaguá para o evento. Foto: Daniele Ventura
Exposição “Vida e Luta na Baixada de Jacarepaguá” levou um pedaço da história da Baixada de Jacarepaguá para o evento. Foto: Daniele Ventura

Sobre o autor: Wellington Melo é morador do Rio das Pedras, formado em Jornalismo pela Unicarioca, é ex-repórter do jornal O Dia e repórter de forma colaborativa na Agência de Notícias das Favelas (ANF). Wellington tem experiência com coberturas de eventos, tendo participado dos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (2020, 2022 e 2024) e do Rock In Rio (2024).


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