No dia 19 de fevereiro, foi realizado o evento para a escolha do samba do carnaval 2019 do Bloco Carnavalesco Loucura Suburbana no SESC Engenho de Dentro. O bloco funciona no Instituto Municipal Nise da Silveira—mais conhecido como “Nise”—e foi criado em 2001 com a proposta de ser uma das ferramentas de tratamento e interação entre os pacientes em substituição ao modelo asilar (ou manicomial)—não por acaso, isso acontece no mesmo ano em que foi oficializada a Reforma Psiquiátrica, através da promulgação da Lei nº 10.216/2001.
O desfile oficial acontece sempre na quinta-feira que antecede o início do carnaval. Neste ano, portanto, o bloco sai no dia 28 de fevereiro às 17h, com concentração na Rua Ramiro Magalhães, nº 521, no Engenho de Dentro, a partir das 16h. O bloco é composto por usuários da Rede de Saúde Mental, por trabalhadores da área e por qualquer pessoa que quiser participar, já que os ensaios e oficinas são abertos ao público como reforçou Abel Luis, que é o coordenador musical do bloco.
A importância de se falar sobre a saúde mental através do carnaval
Na abertura do evento, a coordenadora geral do bloco Ariadne de Moura pontuou a importância do bloco como espaço de resistência e de luta antimanicomial, contextualizando sua fala em relação a possíveis retrocessos nas políticas públicas do setor.
Recentemente, foi divulgada pelo Ministério da Saúde a Nota Técnica nº 11/2019, com mudanças e novas diretrizes para a Política Nacional de Saúde Mental e para a Política Nacional sobre Drogas, que causou indignação de diversos setores da saúde, como o Conselho Federal de Psicologia e o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Alguns dias após a divulgação, a Nota Técnica foi retirada do ar pelo próprio Ministério da Saúde.
Sidimar Marinho é integrante da equipe e mestre-sala do bloco desde o início das atividades, em 2001, fazendo dupla com a Porta-bandeira Elisama Arnaud. Ele é usuário da Rede de Saúde Mental e explica as vantagens de realizar o bloco e as oficinas todo ano para as pessoas que estão em tratamento: “às vezes um colega está em crise, vem para o bloco mesmo assim, e depois do bloco melhora, consegue ir para casa e ficar bem com a família… Todo mundo se ajuda e carrega o colega para participar”.
Sidimar enfatiza o poder da arte e da conexão como importantes para a recuperação de pacientes psiquiátricos. Durante o evento, estes usuários puderam exercer o direito à convivência comunitária e ao lazer, dançando e cantando ao som dos sambas tocados e também apresentando seus próprios sambas, criados na Oficina Livre de Música.
A psiquiatra alagoana Nise da Silveira, que dá nome à instituição acolhedora destes usuários, foi pioneira no processo de utilização da arte como terapêutica. Nise criou em 1946 a seção de “Terapêutica Ocupacional” no Centro Psiquiátrico Nacional—antiga Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro e, hoje, Instituto Municipal Nise da Silveira—onde incentivou o uso de pintura e modelagem também como forma de acesso ao inconsciente dos usuários. Com o aumento do acervo de artes produzidas pelos pacientes, ela fundou o Museu de Imagens do Inconsciente. Além disso, apontou para desinstitucionalização de pacientes manicomiais, criando o primeiro serviço de egressos em 1956, a Casa das Palmeiras, que proporcionava atividades extramuros.
A escolha do samba
O processo de escolha do samba começa com a apresentação de cada um deles, primeiramente sem música de fundo e, posteriormente, acompanhados do ritmo dos instrumentos da bateria “A Insandecida”. Os jurados, então, se reúnem, escolhem três finalistas—este ano, dado à ótima qualidade dos sambas, foram eleitos quatro finalistas—e há uma nova apresentação. Daí sai o samba destaque do ano.
O júri foi composto por 18 pessoas de diversas instituições e até representantes de outros blocos carnavalescos. Dentre os nomes escolhidos estavam Paulo Amarante, Débora Resende, Mestre Folia (Tá Pirando, Pirado, Pirou) e Tatiana dos Santos.
Este ano, os sambas finalistas foram: “Sou o Loucura Suburbana”, de Elisama Arnaud e André Cabral, “Patrimônio Popular”, de Michel Indiano, “Do asilo ao Parque Nise da Silveira: é o Loucura Suburbana desfilando a história”, de Eurípedes Júnior, e “Doutor eu ouço vozes”, de Angela Maria Soares de Carvalho e Paulo Fernando.
O grande consagrado da noite foi o samba “Doutor eu ouço vozes”, que dá destaque para a necessidade da resistência política e do tratamento antimanicomial. Confira a letra completa abaixo:
Doutor, eu ouço vozes
Vozes que vêm do além
É preciso resistir
Ninguém solta a mão de ninguém!!É remédio pra cá
É oficina pra lá
Na terapia, eu vou me encontrando
E se a saudade apertar
Eu quero apenas amar
O Loucura Suburbana vai passarO Loucura Suburbana
Mais uma vez
O Loucura Suburbana com vocês
Campanha de financiamento colaborativo no Catarse
Apesar de toda a celebração e alegria, o bloco vem encontrando dificuldades para a realização de seu desfile por conta da falta de recursos para confecção de fantasias e de camisetas/material de divulgação, aluguel do carro de som e reparo dos instrumentos da bateria, dentre outras necessidades. Por conta disso, estão com uma campanha de financiamento aberta para que entusiastas de seu trabalho apoiem e tornem possível o desfile desse ano.
Para ajudar o Loucura Suburbana colocar o bloco na rua no dia 28 de fevereiro, clique aqui.