Horror ou folia? Há um tanto de tudo sobre a existência e a história do surgimento dos bate-bolas. Assustadores e performáticos, historiadores apontam seu surgimento ao início do século XX, quando o carnaval do Rio de Janeiro deixou de lado as valsas e abriu alas para o samba. Naquele momento—em que o carnaval ainda era uma festa para os muito ricos e, portanto, poucos—os mascarados, inspirados nos palhaços da Folia de Reis e nas mágicas máscaras de Veneza, começaram a sair às ruas, vindos dos becos das favelas e dos subúrbios, contrariando a burguesia e a ordem pública da época.
Mas deixo aos estudiosos da história tal missão. A de contar tim-tim por tim-tim a ordem dos fatores e os detalhes da nossa cultura. Apenas sei, ousadamente, que: desde lá, até hoje, são os bate-bolas—grupos constituídos por homens, mulheres e crianças, das mais diversas idades e contextos da cidade—os verdadeiros reis e rainhas do carnaval popular carioca, responsáveis por democratizar a folia e “povoar com povo” as ruas.
O que a Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2012, reconheceu como Patrimônio Cultural Carioca “são personagens típicos do carnaval carioca e que refletem a forma alegre e irreverente da população suburbana festejar e a sua capacidade de produzir uma manifestação de caráter tradicional e ao mesmo tempo renovador”.
Neste sentido, ainda na infância, encantado com as fantasias e o som das bolas que batiam no chão, ao contrário dos outros colegas que fugiam para bem longe dos “monstros” coloridos que cruzavam os becos da Cidade de Deus, Anderson Luiz, o “Playboy”, se apaixonou e sonhou com o próprio grupo.
Agora, aos 40 anos, ainda um menino que apenas deseja brincar de carnaval, comemora os seus mais de 20 anos de ocupação das ruas com a mais complexa variedade de desenhos, cores e tecidos na memória, após participação em grupos históricos de bate-bolas do território.
E como sonhou um dia, hoje desenha, corta, cola e costura orgulhoso, cada uma das fantasias do grupo “Badalados e Badaladas CDD”, em que é fundador e líder, e que neste carnaval completará três anos de existência.
Ainda com pouquíssima estrutura, Playboy transforma o beco da Rua Monte Sião, esquina com o Bar da Índia, na região conhecida como “AP2” na Cidade de Deus, em seu barracão. Trabalho realizado sob o olhar dos curiosos e das crianças, que assim como ele um dia sonham em ter o próprio grupo. Na rua, monta as casacas, varas, bolas e adereços com sorriso no rosto, coordenando uma galera formada por 17 mulheres, 15 homens e 5 crianças, todos crias e moradores da Cidade de Deus.
No entanto, não pense que absolutamente toda a fantasia é construída publicamente. Afinal, parte da emoção da saída dos bate-bolas—dia em que há queima de fogos, funk e a reunião de todos os membros—é a surpresa! Nesta hora, o público e os outros grupos descobrem como são os meiões, o desenho das casacas e as máscaras daquele ano.
Os adereços considerados fundamentais, desenvolvidos a sete chaves, escondidos em lugares diferentes, não são fotografados e compartilhados, e podem ser vistos apenas pelos membros da equipe. “É como em uma surpresa de aniversário. Você pede um videogame de presente. Antigamente a criançada pedia isso, né? Aí o pai não tem condição de dar e te diz que não vai dar. Mas ele faz de tudo pra conseguir até o seu aniversário. E quando consegue, deixa do seu lado na cama enquanto você dorme. É o nosso presente para o público que acompanha o trabalho”, explica Playboy.
A preparação, que reinicia ao fim de cada carnaval, tem duração de um ano inteiro, desde a concepção da ideia—momento em que os membros são consultados sobre os desenhos rascunhados—pesquisa dos materiais e planejamento financeiro, até a colagem da última pena multicolor.
Tamanha preparação e dedicação impressiona. Mas o tempo é pouco para quem, como o Anderson, não vive de carnaval. Por isso, conciliando com as profissões de professor de jiu-jitsu, personal trainer, segurança e frentista, os preparativos acontecem quase sempre no período da noite e madrugada.
Para que nada fuja do planejado, os preparativos são pensados e realizados ao lado do tio de consideração, Hélio Alexandre, o “Gym”. Outro apaixonado pelo carnaval, ele é também o principal entusiasta da empreitada do sobrinho Playboy. Com 45 anos de idade, cria da Cidade de Deus, contabiliza cerca de 25 anos de amor pelo bate-bola e compartilha: “Desde criança eu queria sair [como bate-bola], mas não tinha dinheiro. Ficava olhando. Quando pude investir na minha fantasia, trabalhando muito, nunca mais parei. Fazemos questão da presença da criançada. E de todo mundo. Se não tiver como pagar, a gente dá um jeito”.
Companheiros de tesoura e sonho atravessam a noite sem olhar para o relógio, empenhados e entregues ao que acreditam. São homens comuns, trabalhadores, que enxergam no carnaval e na fantasia [nada simples, pura arte!], a possibilidade de fortalecer laços, e de preencher, mesmo que por alguns dias, as ruas da favela com alegria, imaginação e vida, e não mais violência.