3° Intercâmbio da Rede Favela Sustentável: Grafite, Compostagem e Reciclagem na RONGO

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Rede Favela Sustentável (RFS) é um projeto da Comunidades Catalisadoras (ComCat)* desenhado para construir redes de solidariedade, dar visibilidade, e desenvolver ações conjuntas que apoiem a expansão de iniciativas comunitárias que fortalecem a sustentabilidade ambiental e a resiliência social em favelas de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto começou em 2012 com a produção do filme Favela como Modelo Sustentável, tendo continuidade em 2017, quando foram mapeadas 111 iniciativas sustentáveis e foi publicado um relatório final que analisa os resultados. 

Em 2018 o projeto realizou uma série de intercâmbios entre oito das mais duradouras e estabelecidas iniciativas que foram mapeadas na Rede Favela Sustentável e em seguida foi realizado, no dia 10 de novembro, um dia inteiro de intercâmbio com toda a Rede Favela Sustentável. Assista ao vídeo que acompanha os intercâmbios de 2018 clicando aqui.

Em 2019, o projeto está realizando uma segunda rodada de intercâmbios—dessa vez abertos a todos os membros da RFS e ao público geral—em projetos baseados na Babilônia, Camorim, Pavuna, Vila Kennedy e Manguinhos. O terceiro intercâmbio deste ano visitou o Museu do Graffiti e o Projeto de Reciclagem Verde Vale na RONGO (Região de Oficina Nacional de Grafite Organizado) na Pavuna. O intercâmbio iniciou com uma apresentação do histórico da RONGO e da moeda de troca local, em seguida houveram oficinas de jardinagem e de grafite, uma roda de capacitação em mobilização comunitária e para finalizar o grupo foi até o Rio Pavuna, onde pôde acompanhar o trabalho de monitoramento da qualidade da água.


Boas-Vindas Emocionantes

Na manhã do sábado, 27 de agosto, 78 pessoas se reuniram na sede da Região de Oficina Nacional de Grafite Organizado (RONGO), na Pavuna, Zona Norte, onde os  visitantes foram recebidos calorosamente pelo fundador e diretor da RONGO, Carlos André do Nascimento. Começava ali, o terceiro intercâmbio da Rede Favela Sustentável, que teve seu início com uma fala emocionante do André, que narrou o seu próprio percurso, de pichador de rua a fundador e diretor da RONGO. Ele explicou que seu objetivo era fazer da arte do grafite, não somente uma arte individual, mas também um registro da história da arte, o que resultou na criação do Museu do Graffiti, principal atração da sede da RONGO.

O museu, que hoje acolhe exposições de artistas locais e aulas de arte para jovens, transporta visitantes para um outro mundo. Paredes são cobertas com pinturas, grafite e citações bíblicas e históricas, as salas estão repletas de esculturas feitas com materiais reaproveitados e as janelas abertas para os morros da Pavuna exibindo uma exuberante visão panorâmica da Pedreira e Lagartixa, as favelas ao redor. O resultado é uma fusão de sustentabilidade e arte urbana.

André se define como um “ambientalista urbano”, o que também o levou a criar o projeto de reciclagem Verde Vale. Esse projeto, baseado na iniciativa do André de “olhar para as pessoas e para as coisas perto da gente”, lhe inspirou a trabalhar com lixo e materiais recicláveis que se acumulam na Pavuna e em áreas próximas. O lixo coletado pelos voluntários é classificado na sede da organização e os itens utilizáveis separados. Alguns deles são transformados pela Verde Vale em obras de arte reaproveitada, enquanto outros são manipulados pela cooperativa de reciclagem do grupo, gerando renda para os membros participantes.

Além de criar renda e dignidade para os participantes, o sistema Verde Vale permite que os moradores da comunidade ou das comunidades vizinhas tragam materiais recicláveis para a cooperativa e, em troca, recebam um Vale Verde—chamado de “moeda gentileza” por unidade—o que denota o valor monetário desse material. O Vale Verde pode então ser usado como pagamento em restaurantes locais, em serviços como transporte dentro da comunidade, ou em outras empresas locais que participam do sistema Verde Vale. João Correa, antigo morador de rua, que graças a ajuda do André se tornou um integrante central do projeto, concluiu a pungente apresentação inicial do intercâmbio dizendo que “a reciclagem humana é a coisa mais importante que fazemos aqui”.

Oficinas Coloridas e Almoço Coletivo

Após essa apresentação introdutória, os participantes foram convidados a botar as mãos na massa através de diferentes oficinas. Um grupo descobriu os segredos da compostagem e das hortas, na oficina de jardinagem com João, enquanto outro elaborou um grafite coletivo com André.

Na oficina de jardinagem, João explicou aos participantes como fazer um inseticida natural caseiro já que “planta só se limpa com coisa limpa!” Para isso, só é necessário juntar cascas de bananas com água e deixar repousar por dois meses. Esse produto gerado pela casca de banana pode ser utilizado como tratamento ou de forma preventiva para manter uma planta saudável. João não recicla somente lixo, mas plantas também. Além do pesticida natural feito das cascas de bananas, ele recomenda a utilização de um adubo natural feito de várias camadas de terra, restos de vegetais, papel e serragem. Juntos, estes materiais permitem a criação de minhocas e de fungos, que, como afirmou João, são um “santo remédio para plantas!”

Ao mesmo tempo André proporcionou a oficina de grafite. Para iniciar, ele falou sobre a importância da assinatura para o artista de rua, já que a assinatura é a sua marca. André convidou cada participante a criar uma assinatura própria em uma obra coletiva, que ficará exposta no museu. Em seguida, com traços rápidos realizados com spray, André rascunhou a imagem da cadeia de montanhas da Serra dos Órgãos, onde fica o pico denominado Dedo de Deus, e cada um dos participantes pôde pintar uma parte do grafite que estava sendo criado coletivamente. Após o uso da tinta, André ensinou a fazer um stencil em forma de pássaro que foi aplicado à pintura.

Após as oficinas, os grupos se reuniram em um espaço que fica na esquina ao lado do museu, na Avenida Pastor Martin Luther King Junior, para trabalharem em ações para a criação do projeto da RONGO Bosque Verde, no local. O espaço é uma larga calçada que dá para muro de um prédio da CEDAE, que sempre foi um ponto de acúmulo de lixo. Alguns dias antes do intercâmbio, os membros da RONGO limparam o espaço para dar início ao projeto. O Bosque Verde consistirá em um pequeno parquinho voltado para resgatar antigas brincadeiras infantis. André explica que no parquinho haverá locais para jogos de bola de gude e de roda pião, e também uma geladeira deitada que se transformará em um baú de livros que ficarão disponíveis aos usuários do parquinho. Os integrantes do intercâmbio foram até o espaço e pintaram pneus com tintas coloridas, que serão usados como jardineiras para verdejar o espaço e outras áreas do bairro, e também cobriram com tinta colorida o muro da CEDAE, fazendo a pintura de base para o projeto de grafite para o local. André explica que o grafite, a ser pintado no muro, terá imagens simbólicas da situação anterior do espaço, tais como rato, mosquito e um lobo sinalizando perigo.

Depois desse lindo trabalho coletivo, todos foram convidados a compartilhar um almoço que buscou, em sua organização, diminuir a produção de lixo. Por essa razão, foi pedido a cada participante que trouxesse sua própria tigela e seus talheres. Durante o almoço, os participantes do intercâmbio se espalharam pelo espaço, travando conversas descontraídas sobre suas trajetórias e suas motivações para participarem naquele evento.

Troca de Experiências na Roda de Capacitação em Mobilização

Depois do almoço, Theresa Williamson, diretora da ComCat, conduziu com membros da Rede Favela Sustentável uma roda de capacitação sobre mobilização comunitária. Este foi um dos principais temas identificados como de interesse pelos membros da rede no lançamento da Rede Favela Sustentável, em novembro de 2018. Através de uma troca de diversas experiências, quatro membros da Rede partilharam as estratégias desenvolvidas e as dificuldades encontradas durante a mobilização comunitária.

Élida Nascimento, moradora de São João de Meriti e diretora do Projeto Inclusão, relatou a importância da apropriação da identidade da comunidade pelos próprios moradores. Élida disse que São João de Meriti é vista como uma cidade dormitório, e que mudar essa percepção é importante para que os moradores tenham uma relação de identidade positiva com o local. Élida trabalha com crianças e jovens de 5 a 17 anos. Ela contou que nesse trabalho ela foca na simplicidade como caminho para a qualidade de vida. Ela afirmou que para haver mobilização é importante que as pessoas se sintam fazendo parte.

Guilherme Hadasha, que dirige o Ateliê Hadasha em Manguinhos, Zona Norte—onde trabalha para desenvolver projetos baseados na inclusão através da música e da arte—contou que estudou música clássica na universidade e toca vários instrumentos, incluindo o saxofone, violão e percussão, e que retornou à comunidade de Manguinhos, onde sua mãe sempre viveu, para fazer essa arte junto com os jovens da favela. Hadasha disse que nas atividades de um projeto “não pode faltar o lanche” para atrair e envolver as pessoas, e que é preciso envolver o comércio local e bater de porta em porta para conquistar parceiros na comunidade.

Ilaci Oliveira, diretora da Cooperativa Transvida na Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão, contou que o lixo nas ruas em sua comunidade era um problema chocante, e que a Cooperativa Transvida, com um trabalho de formiguinha, já conseguiu retomar uma praça coberta de lixo para o uso dos moradores. A cooperativa, que visa transformar vidas ressocializando pessoas através da geração de renda na coleta de resíduos, também desenvolve um trabalho de consciência socioambiental com crianças e jovens da comunidade. Ilaci afirmou que para a mobilização é importante escutar as pessoas, mapear na comunidade quem é solidário, e ir até a casa das pessoas para conhecer e conversar pessoalmente.

Rafaela Provensano, assistente social que atua no coletivo de mulheres Movimento Alternativo Libertário e Organizado em prol da Cidadania (M.A.L.O.C.A.), na periferia de Duque de Caxiasafirmou que é preciso avaliar as dificuldades que as pessoas possam ter para chegar até o projeto, e também qual é o grau de disponibilidade de cada um. Ela também mencionou que é importante dar atenção a cada participante e voluntário de modo individualizado.

No final da oficina, baseado nas reflexões ali geradas, Theresa sistematizou uma lista de 10 princípios para fomentar a mobilização comunitária, abaixo.

10 Princípios Para Fomentar a Mobilização Comunitária

  1. Estudar os motivos da não participação. Checar possíveis razões, como por exemplo: falta de entendimento ou informação, desconfiança, limites de tempo, prioridades diferentes.
  2. No início, se dedicar para ações que gerem confiança e respeito. Como por exemplo: ouvir e oferecer ajuda dentro do possível às necessidades colocadas pelos moradores, buscar formas de começar as ações a partir do que as pessoas falam ser prioritárias e aprender com elas.
  3. Iniciar as ações com algo menor, construindo aos poucos, aprendendo e observando de forma contínua. Encarar tudo como experiência e aprendizado.
  4. Buscar entrar em acordo antes de planejar um evento com os integrantes-chave do evento quanto a horário, duração, transporte, ou outros aspectos que possam limitar a sua participação, assim garantindo a presença destes.
  5. Continuar sempre a zelar pela confiança, o maior ativo de qualquer projeto. Como, por exemplo: mantendo-se firme ao compromisso social e ético, mostrando-se presente, responsivo e agregador ao longo do tempo.
  6. Agir com satisfação, mostrando-se grato e comemorar cada conquista.
  7. Não perder o ânimo, o segundo grande ativo de qualquer projeto. Recolher-se quando for preciso para manter o equilíbrio.
  8. Admitir vulnerabilidades e pedir ajuda. Fazer junto, buscando sugestões, inclusive perguntando aos que não participam de que forma eles fariam diferente, e desta forma os engajando.
  9. Sempre buscar e engajar novos e variados aliados—que trarão suas experiências, opiniões, redes e talentos—encontrando a forma para cada um aplicar o seu talento em prol do objetivo, reconhecer a força e o talento das pessoas.
  10. Pensar de forma criativa, fora do comum, montando o projeto de forma a reconhecer: (1) os talentos das pessoas e instituições aliadas, (2) o objetivo transformador final do projeto, e (3) as limitações impostas pelas circunstâncias atuais (que se analisar criativamente, as vezes trazem oportunidades inesperadas para atender ao objetivo).

Em seguida, tiramos a tradicional foto de grupo, e André sorteou entre os participantes algumas camisetas da Corrida e Caminhada pela Paz Pastor Martin Luther King Jr., feita em homenagem ao Dia da Consciência Negra. Um momento de muitos risos e de alegria, que apresentou a todos mais uma das iniciativas da RONGO.

Descoberta dos Desafios no Rio Pavuna

 Para fechar o dia, participantes motivados foram visitar o Rio Pavuna e conheceram a proposta do André de criar uma Eco Barreira para limpar e transformar o rio. Um grupo fez o caminho a pé, um outro de caminhão, trazendo pneus e materiais para análise da qualidade da água. Juntos, descobriram a difícil situação dos moradores dos arredores, que enfrentam a extrema poluição do rio.

André apresentou seu trabalho de monitoramento da qualidade da água do Rio Pavuna, que é parte da iniciativa Observando os Rios da Fundação SOS Mata Atlântica que monitora corpos d’água no Brasil inteiro. Além de mostrar claramente o nível elevado de poluição, esse trabalho voluntário do André permite a criação de um registro que é utilizado para alertar o poder público. Ao longo do dia, os participantes viram com seus próprios olhos a importância das múltiplas ações feitas pela RONGO de transformação social e justiça ambiental. As pessoas voltaram para casa inspiradas, sentindo-se fortalecidas pelo apoio e solidariedade trazidos pela Rede.

Participe dos próximos intercâmbios da Rede Favela Sustentável, o quarto do ano está marcado para este sábado 14 de setembro no CCIK na Vila Kennedy, Zona Oeste da cidade. As inscrições encerram hoje, 11 de setembro (convite no Facebook aqui). O quinto e último intercâmbio do ano será no dia 29 de setembro em Manguinhos com dois integrantes da Rede: o Atelier do Hadasha e Teto Verde Favela. Entre e contato com a Rede pelo email rede@favelasustentavel.org para saber mais.

Veja fotos do intercâmbio na RONGO (ou clique aqui):

Intercâmbio da Rede Favela Sustentável com a RONGO/Museu do Graffiti na Pavuna

*Tanto o RioOnWatch quanto a Rede Favela Sustentável são iniciativas da Comunidades Catalisadoras.