No dia 3 de setembro foi realizado, na UERJ, o Seminário Educação e Favela, organizado pelo Núcleo de Pesquisa Educação e Cidade (Nupec), com apoio do Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro/IFCS-UFRJ) do Grupo de Pesquisa Ciências Sociais e Educação (GPCSE/UERJ) e Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (InEAC/UFF). O seminário teve como objetivo debater os desafios que envolvem a educação pública em favelas e periferias da Região Metropolitana do Rio.
Primeira Mesa Cobre Desigualdades Urbanas e Escolares nas Favelas
O tema da primeira mesa do dia foi “Desigualdades Urbanas e Desigualdades Escolares: O caso das favelas”. A mesa foi coordenada pela professora Neiva Vieira da Cunha da UERJ e teve como palestrantes o pesquisador e professor Marcelo Burgos da PUC-Rio, Ana Carolina Christovão do Observatório das Metrópoles/IPPUR–UFRJ, e as professoras e pesquisadoras Leticia de Luna Freire e Patrícia Elaine Pereira dos Santos da UERJ.
Abrindo o painel de debate, o Marcelo Burgos defendeu que o tema favela precisa ser central para o debate acerca da educação, na medida em que é diferente trabalhar numa escola dentro da favela e em uma escola em outro território. Sua pesquisa, “Escola, favela e rede de proteção dos direitos da criança”, concluiu que a escola tem dificuldades para lidar com os efeitos da favela e com isso, acaba desenvolvendo um trabalho pautado em estereótipos, partindo de algumas premissas que são negativas, como a de que a criança da favela é violenta e vive em famílias menos “educógenas“.
O pesquisador destacou que a escola e as equipes pedagógicas tendem a desconsiderar as matizes das famílias nas favelas. Existem famílias de classe média na periferia e nas favelas, pessoas escolarizadas lutando para que seus filhos tenham acesso à educação, e também existem famílias com menos formação porém em busca de uma formação de qualidade para os seus filhos. Para Marcelo, quando a equipe escolar desconsidera esses e outros fatores, adotando estereótipos, faz com que se espere menos dos alunos da favela e da periferia, comprometendo, também, a motivação dos professores para trabalhar nesses espaços.
Para Marcelo, as escolas não são negligentes, apenas não há a politização da discussão territorial. O não reconhecimento das especificidades da favela e das periferias é prejudicial para o processo pedagógico e gera uma vulnerabilidade escolar que afeta, inclusive, a frequência dos alunos, culminando em um processo de evasão escolar. Nesse sentido, Marcelo aponta que na Rocinha 18% das crianças estão fora da escola.
Uma outra reflexão importante foi sobre a rede de proteção à criança e a relação com a escola, tema da pesquisa que ele apresentou no seminário. As escolas deveriam estar comprometidas com a proteção das crianças, sobretudo mantendo o diálogo eficaz com o Conselho Tutelar, em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Porém, o que acontece na prática é um total isolamento da escola, o que, segundo Marcelo, é um “terreno baldio” no sistema de proteção. Para ele, é preciso pensar uma política urbana e de educação que dialogue com as famílias, respeitando o esforço que elas fazem para que as crianças possam estudar, e possam chegar em uma universidade. “Nem em dia de jogo de futebol as pessoas se organizam tanto, como para colocar as crianças na escola”, disse ele.
Por fim, para o professor o Rio de Janeiro deve inovar e criar novas pedagogias, pois além de ter potencial para tal, trata-se de uma medida necessária diante do processo de privação do direito à educação em curso.
Leticia Freire, professora e pesquisadora da UERJ, apresentou sua pesquisa “Entre a casa e a escola: efeitos da remoção sobre a experiência escolar de crianças da favela Metrô-Mangueira”, que acompanhou o processo de remoção de famílias na Metrô-Mangueira e como isso afetou o desempenho escolar e a relação das crianças com o território que foram obrigadas a abandonar. As remoções e os conflitos sociais interromperam as relações afetivas desenvolvidas por essas crianças nas escolas.
Além disso, ela disse que políticas educacionais não costumam levar em conta as cidades e como é construída a relação entre o espaço e a vida escolar da criança. Fazendo relação direta a sua pesquisa, Letícia apontou que o processo de deslocamento casa-escola é o que produz a relação ser-cidade das crianças, pois na maioria dos casos o único contato que elas produzem com o espaço urbano é ao fazer esse percurso, alimentando olhares e percepções. Ou seja, a pesquisadora aponta a cidade como formadora e estimuladora no processo de aprendizagem das crianças.
A também professora e pesquisadora da UERJ, Patrícia Elaine Pereira dos Santos, apresentou sua pesquisa “O debate racial como uma metodologia de acesso para as periferias a partir da escola pública”. Ela apontou, de início, que o momento atual demanda a criação de novas epistemologias para a educação, de forma a ressignificá-la para que ela deixe de ser o “espaço da ausência” onde falta professor, faltam os alunos e faltam investimentos. Essa nova epistemologia passa por superar a escola enquanto um espaço sexista e racista e por superar o conhecimento hegemônico de origem europeia, que não serve mais para as crianças e para as escolas públicas, principalmente as de favelas e periferias.
Ana Carolina Christovão, pesquisadora do Observatório das Metrópoles que apresentou sua pesquisa “A vizinhança importa: uma pesquisa sobre desigualdades educacionais no Morro do Cantagalo”, concluiu que não é mais possível querer que os alunos entrem na escola, sentem em suas cadeiras e estejam abertos para receber o conhecimento, que muitas vezes não tem nenhuma relação com a realidade deles. “Precisamos pensar no aluno real”, disse ela.
Após a palestra a fala foi aberta ao público, e um membro da plateia perguntou sobre o uso da linguagem da periferia. A professora Patrícia Elaine respondeu que o Brasil adota a língua portuguesa em sua norma culta, o que acaba restringindo a periferia que nem sempre usa a norma culta.
Segunda Mesa Cobre os Efeitos da Violência Urbana nas Escolas Públicas em Favelas
O tema da segunda mesa foi “Efeitos da Violência Urbana nas Escolas Públicas em Favelas”. A mesa foi coordenada pela professora Leticia de Luna Freire e teve como palestrantes Edson Diniz da PUC-Rio e da Redes da Maré, Marcos Veríssimo da UFF, Rosana Muniz da Secretária e Eduardo Ribeiro da UERJ.
Na segunda mesa, Edson Diniz, coordenador da Redes da Maré, iniciou sua apresentação afirmando a importância da atividade diante do momento político de ataques às universidades. Para ele, a formação do professor ainda é pouco debatida e o profissional é em geral formado para trabalhar em uma realidade que não existe.
Ao apresentar um panorama sobre a realidade escolar do Complexo da Maré, que inclui 46 escolas públicas, ele revelou como os números são paradoxais: apesar de ser o complexo de favelas com maior número de escolas do Brasil, a Maré também teve, só em 2017, 84 conflitos armados, o que resultaram na perda de 35 dias de aula por parte de 16.000 alunos. Diante desses dados, Edson questionou como é possível as crianças e os professores voltarem às aulas normalmente no dia seguinte a uma operação policial.
Edson falou ainda acerca da necessidade da escola se integrar à comunidade e ao território no entorno e começar a pautar e questionar a política de segurança pública aplicada nas favelas. “Meu sonho é uma escola intercultural, onde se respeita cada manifestação cultural dos alunos”, ele ainda completou.
Para concluir, Rosana Muniz, professora da rede municipal do Rio de Janeiro, atuante no Complexo do Chapadão, na Zona Norte, disse que o principal questionamento deve se dar na relação território-escola-família. Em sua pesquisa “Narrativas de violência no cotidiano das escolas de periferias” e em sua atividade como professora, ela realiza acompanhamentos da rotina doméstica das crianças e o exemplo que marca sua preocupação é a relação que a escola ainda tem com o “dever de casa”. “Tem que fazer o trabalho de casa! Mas em que casa?”, ela chamou atenção.
Foi recomendado aos participantes que assistissem o mini-documentário Morri na Maré, de Maria Naudascher e Patrick Vanier.
Thábara Garcia, moradora de Magé, é professora e faz parte do coletivo Roda de Mulheres da Baixada.