O tempo passa e governantes do Rio teimam em anunciar grandes novidades para as favelas. Agora trata-se de um “grande boulevard” na Rocinha, segundo o Governador Wilson Witzel, com investimentos de R$1,5 bilhões.
A vida dos moradores das favelas cariocas é gasta na ausência de saneamento básico, na violência da cidadania incompleta, na precariedade das moradias, no risco de deslizamentos, na dificuldade da mobilidade. Mesmo assim, governos vêm e vão e esses continuam a ser tratados como cobaias de laboratórios urbanos. Gerações sucessivas são ignoradas como parte indelével da sociedade. Mesmo com sua luta histórica de afirmação o que temos para oferecer são muitas obras e empreiteiras. Mesmo com jovens negros e pardos definindo a identidade cultural brasileira com seus rostos e almas, o que temos pra oferecer são testes de melhoria criados por governantes inspirados.
Favela Bairro, Morar Carioca, UPP, PAC das Favelas, POUSO, Comunidade Cidade, regularização fundiária, são as nomenclaturas que usamos para dizer como os sub-cidadãos irão melhorar de vida. Se sofrerão ou morrerão serão apenas casualidades deste grande experimento de erro e acerto que é governar o Rio.
Como o prefeito está em transe, o governador tem assumido funções essenciais da administração municipal. Sambódromo e ordenamento urbano já são suas atribuições. Ao anunciar intervenção urbanística embelezadora na Rocinha sem dizer qual é a base de dados que possui, quais evidências técnicas existem, qual é o projeto de urbanização, e como foi a consulta comunitária, o governador repete o erro dos seus antecessores.
A Rocinha é a única favela que conta com um plano diretor de desenvolvimento urbano e ambiental elaborado em processo participativo, contratado pelo governo do Estado, ignorado desde sempre pela prefeitura—que detém o mandato constitucional da gestão do uso do solo—e abandonado ao fim por todos quando veio a panacéia da dinheirama do PAC e pudemos comprar teleféricos como quem vai ao supermercado comprar arroz. Quem pode comprar comida hoje? Mas este é outro assunto, não é verdade?
O único procedimento para assentamentos informais que nunca tentamos desde a redemocratização do país foi institucionalizar a auto-gestão comunitária. Nunca estabelecemos orçamento participativo para favelas, nunca demos tratamento legal e fundiário como terra comum compartilhada (que resolveria a opressão das milícias em Rio das Pedras, por exemplo), nunca instituímos assistência técnica como manda a Lei 11.888, nunca destinamos os mais de R$400 bilhões gastos no Minha Casa Minha Vida para desenvolvimento comunitário. As poucas experiências inclusivas foram esquecidas no tempo.
Se a urgência em melhorar condições de vida é legitima, a pressa nada mais é do que um atabalhoamento ignorante. Persistir no planejamento, monitorar resultados, dar transparência ao processo e converter a população em dona da sua própria transformação são modos mais eficazes e justos de fazer grande política.
Tudo sempre foi e continua a ser decidido por poucos, para poucos, dando contratos de obras a pouquíssimos. Direita e esquerda são absolutamente iguais nos seus testes de laboratório. Nunca tentamos de modo diferente pois leva tempo, precisa ser paciente, não mudará em quatro anos, precisamos assumir ignorâncias, organizar informações técnicas, e nossa reputação politica é preciosa pois nossa vida dura muito, já as cobaias, bem, estas não duram tanto.
Arquiteto e urbanista, Washington Fajardo, foi Assessor Especial para assuntos urbanos na prefeitura de Eduardo Paes, ex-presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, conselheiro no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), e criador do escritório Desenho Brasileiro. Atualmente, ele está como Loeb Fellow na Faculdade de Design da Universidade de Harvard.