No último 15 de novembro aconteceu a terceira edição do Festival de Artes de Imbariê (FAIM), em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O FAIM é um festival para exposição de arte—fotografia, cinema, música, artesanato—e tudo que a periferia é capaz de produzir.
Numa sexta chuvosa, o clima ameno deu espaço para a boa energia de quem ia a Imbariê prestigiar aqueles que vivem no bairro, fazendo arte para (sobre)viver. Quem chegava já dava de cara com uma criançada brincando no pula-pula, já ouvia o som do Kalebe Nascimento, do Filipe Lobo, do João Azevedo, do Luís Fernando e do grupo Barracão.
Na entrada, era impossível não parar para prestigiar a produção dos artesãos que expunham seus trabalhos. No salão interno, obras de vários fotógrafos e artistas plásticos da região davam o tom daquele dia: a sexta em Imbariê era um dia para celebrar a vida e contemplar a beleza dos olhares.
O olhar do fotógrafo Victor Vieira, por exemplo, faz em sua obra o resgate do povo negro e sua conexão com a história da região. Ele diz que o caminho do ouro, nome dado a uma trilha de pedras entre Magé e Petrópolis construída por escravos no século XVIII, pode ser encontrado também no próprio rosto das pessoas, no reluzir deles. Suas fotos têm um tom dourado por esse motivo.
A obra de Victor foi produzida no bairro ao lado de Imbariê, chamado Parque Estrela, e o nome que ele escolheu para sua exposição, “Raízes”, reforça o que os artistas presentes queriam dizer: queremos celebrar a conexão das pessoas com o território, não queremos nos distanciar das nossas raízes, queremos mostrar que fazemos e que temos valor.
Rompendo com os padrões da arte que se encontram nas galerias de museus e nos grandes centros metropolitanos, o festival reuniu músicos, cineastas, atores, professores, jornalistas e uma galera que sabe que prestigiar e fazer ecoar a voz de Imbariê é essencial para a costura de novos paradigmas artísticos.
O FAIM foi idealizado pelo morador de Imbariê e professor de geografia Osmar Paulino. Osmar é um andarilho das artes e da educação. Como um bom professor, é um observador, que enxerga no outro possibilidades para construções. Pensando nisso, em suas andanças—dando oficinas de artes, de fanzines, de cartografias e colocando seus saberes à disposição da comunidade—reuniu um grupo de amigos e colocou o festival na rua em 2017.
Hoje, o FAIM é celebrado por moradores de Caxias e da região metropolitana. “O FAIM é, acima de tudo, um encontro de pessoas com objetivo de discutir os problemas daqui, expondo, também, alegrias e belezas da periferia através da arte. O nosso trabalho é durante o ano todo, fazendo oficinas sobre arte periférica nas escolas públicas da região. o FAIM é a culminância desse trabalho. Nós fazemos isso porque entendemos que arte, educação e cultura são elementos fundamentais para a constituição do ser humano”, disse Osmar.
O festival reuniu obras de 15 artistas e serviu para a expressão da periferia e para o encontro da juventude local. Luana Santos, artista plástica e professora da rede pública do município vizinho, Magé, acredita que o FAIM é importante pois desenvolve nos jovens o sentimento de pertencimento. “É preciso fazer algo assim na minha cidade”, disse ela, que foi uma das expositoras do evento.
O evento também serviu para que produtores independentes apresentassem seus trabalhos, fazendo girar uma “economia própria”, termo muito usado no evento. O incentivo à produção autônoma e o debate da cultura como economia criativa também foi lembrado pelos visitantes do festival. “Imbariê é a periferia da periferia de Caxias e aqui está a demonstração de uma arte feita por uma galera preta que está construindo subjetividades de apresentação e produção da economia”, afirmou Wesley Teixeira, morador de Caxias e coordenador do Pré-Vestibular Popular +Nós.
Também morador da cidade, Jefferson Barbosa, jornalista e colunista da Carta Capital, esteve no FAIM pois gosta de arte, cultura e da Baixada e, para ele, o festival é a reunião disso tudo. “O FAIM é um espaço que mostra futuro, que possibilita a gente ter esperança no lugar que a gente vive. É muito bonito ver todo mundo aqui. Esse encontro é uma celebração da vida”, disse ele, animado.
Rodrigo Duarte, professor e morador de Magé, foi prestigiar o evento, cuja importância, segundo ele, é reforçada pelo território onde ele acontece. A diferença desse festival para outros, segundo ele, está na simultaneidade da presença do tráfico no bairro e da potencialidade das obras. “Esse contraste chama minha atenção”, colocou ele.
Sobre a produção artística e os padrões que dominam as artes, Bruna Maria, que foi criada em Imbariê, afirma que paradigmas são rompidos quando uma mostra de fotografias, música e cinema é produzida por moradores e artistas periféricos. “Vejo pessoas como eu, do meu lugar, expondo o que eles enxergam do mundo. Eu estou muito, mas muito feliz de estar aqui hoje”, contou.
A professora Rose Cipriano, também moradora de Caxias, reforçou a diversidade dos trabalhos expostos no FAIM: “Estar do outro lado de Caxias, no extremo do município, numa mostra de artes com essa diversidade é maravilhoso. Estou muito feliz em ver a Baixada girando esse eixo”.
O festival contou com a presença de ainda mais pessoas que fazem importantes trabalhos em seus territórios. Cyntia Matos, militante pela economia solidária, também colabora com o projeto da Tia Angélica, que faz um trabalho de educação há décadas com crianças no bairro Parque Paulista, em Duque de Caxias. Para Cyntia, o “FAIM é um espaço de arte e educação e é um marco na cidade, que é um lugar conhecido apenas pela violência. É um espaço para conectar pessoas”.
O cineasta Gabriel Barbosa, da Quiprocó Filmes, também marcou presença. Gabriel, empolgado, contou que o FAIM é um espaço de encontro onde “boas novas” acontecem. Feliz, compartilhou: “FAIM é o evento do ano que reúne tudo o que tem de bom na Baixada. É um espaço de recomeço, juntando a galera do cinema, da música. Essa mistura de encontros produz novos recomeços”.
Henrique Silveira, criado em Imbariê e coordenador executivo da Casa Fluminense, afirmou: “o FAIM é um catalisador de uma produção cultural emergente das periferias, que tem um recorte social muito demarcado, trazendo ativismo, reivindicando uma vida plena. A produção desse evento é uma militância que reivindica que a periferia tem que ser lugar de criação e fruição estética”.
O evento trouxe encontros, conexões, felicidade e beleza para Imbariê. Vida longa ao FAIM!
Thábara Garcia, moradora de Magé, é professora e faz parte do coletivo Roda de Mulheres da Baixada.