Na segunda-feira, 18 de novembro, moradores da região da Jaqueira no Vidigal, Zona Sul, receberam a notificação de que suas casas seriam demolidas. Ordenados pela Secretaria Municipal de Infraestrutura Habitação e Conservação, moradores receberam 72 horas para retirarem seus pertences e sair, com um total de 42 casas marcadas para demolição. Esses moradores não receberam nenhuma explicação além de que suas casas seriam demolidas para abrir espaço para estruturas de mitigação de enchentes.
“Tem pessoas que moram 20, 30, 50 anos no local. [Elas] nasceram e foram criados ali. Depois de todo esse tempo, no qual essas famílias construíram suas vidas e têm seu teto, [elas] simplesmente são tratadas como um nada, [sendo] apenas descartadas desse jeito”, explicou um morador, falando sob condição de anonimato. “[Autoridades da prefeitura] querem demolir casas, e nós não temos respostas sobre [o que acontecerá] depois. As famílias para onde vão? O sistema não funciona. Que programa habitacional [é esse] que somente destrói e deixa pessoas sem lugar para viverem, e [que] não tem previsão de quando e de onde as pessoas vão ficar?”
Os trabalhos supostamente visam a construção de um canal para permitir que as intensas águas pluviais passem em segurança através da comunidade. Embora os moradores tenham tido conhecimento dos planos de construção (e da consequente ameaça de remoção) desde um deslizamento de terra que ocorreu após as destrutivas chuvas de fevereiro, as solicitações por informação têm sido repetidamente ignoradas. Enquanto isso, os pedidos de moradores para a realização de trabalhos de contenção numa rocha de três toneladas que ameaça a área não foram atendidos.
A falta de informação deixou moradores frustrados. Representantes de órgãos estaduais têm visitado a área há meses sem aviso prévio para efetuar “inspeções”, as quais, segundo moradores, costumam ser um pretexto para iniciar o processo de demolição. Representando o Vidigal em uma audiência pública com o Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Enchentes em setembro, o morador Luis Antônio Rocha explicou que famílias vêm buscando informações da prefeitura há meses. “Isso vai mudar a vida de todo mundo: trabalho, escolas de criança, o povo familiar também, tudo isso”. Acima de tudo, disse Luis, os moradores queriam ter sido informados sobre a data de início das obras. Até a notificação de demolição desta segunda-feira eles não receberam nenhuma informação.
Um morador anônimo do Vidigal explicou a realidade da situação daqueles que enfrentam a remoção: “Todos sabem que ainda existe pessoas esperando há cinco, dez anos para serem colocadas em algum lugar até hoje, por [causa das] chuvas ou incidentes de anos atrás. Novamente, [a Prefeitura] vêm sem avisar a ninguém. Nenhum morador tem informação certa de nada. Infelizmente, o terror psicológico que está sendo feito com a gente, eu não tenho nem palavras para descrever”.
Na audiência pública, representantes da CPI confirmaram que tinham identificado famílias a serem removidas para dar lugar a obras de mitigação das enchentes em todas as favelas afetadas pelas chuvas de fevereiro e abril de 2019. Eles declararam que essas famílias seriam priorizadas, podendo permanecer nas suas comunidades ou regressar após a construção. Desde então, moradores dizem que a prefeitura confirmou que não há nenhum programa de habitação social sendo planejado para o Vidigal, e que não será possível reassentar as famílias afetadas dentro da comunidade. “É mais fácil e mais barato derrubar. Eles estão descartando a casa de pessoas e de famílias como se fossem coisas quaisquer”, disse o morador.
Uma reunião marcada para o dia 13 de novembro entre a Associação de Moradores do Vidigal e representantes da CPI tinha como objetivo dar respostas aos moradores. No entanto, os representantes da CPI não compareceram e atribuíram sua ausência às fortes chuvas do dia. Os moradores ficaram sem respostas e a reunião nunca foi remarcada.
Moradores também fizeram repetidos pedidos para que fossem feitas avaliações em todas as casas da área, em vez das poucas entrevistas por técnicos da prefeitura, que afirmaram que nem todas as casas marcadas para demolição estão em risco e precisam ser removidas. “Eles até falaram que lá [a região afetada] é inabitável, mas a gente não acredita nessa hipótese”, disse a moradora Roselita Barros Silveira. Roselita, que viveu na sua casa, no Vidigal, durante 14 anos antes dos deslizamentos de terra de 2019, disse que ela estava esperando pacientemente a prefeitura realizar obras para estabilizar sua casa. “Isso que foi prometido para a gente”, ela disse. Roselita explicou que moradores pediram para a Defensoria Pública fazer um laudo, mas o aviso de remoção da prefeitura não lhes deixará tempo.
Moradores como Roselita, que desocuparam a área e começaram a receber mensalmente R$400 de aluguel social, dizem que eles se sentem expulsos de suas casas. A prefeitura lhes deu um ultimato: sair ou ter os seus subsídios sociais de habitação cortados. “A partir do momento que aceitamos ou recebemos o aluguel social, eles [a prefeitura] tem posse das nossas casas. É isso que eles estão alegando”, ela explicou. Para outros, o aluguel social é tudo o que está sendo oferecido em troca da remoção de suas casas, muitas delas construídas pelos próprios moradores. Em uma área onde a gentrificação e o turismo levaram às alturas o aluguel médio, R$400 por mês é insuficiente para os moradores permanecerem em seus bairros. Aqueles que já recebem o benefício foram colocados em uma lista de espera de moradias sociais que, segundo Roselita, “leva dez anos ou mais”.
A prefeitura está empenhada em iniciar as obras de construção para manter o fluxo constante de turismo na área, bem como para evitar futuros fechamentos da Avenida Niemeyer, uma via central afetada por deslizamentos de terra frequentes. Embora os moradores apoiem obras que irão melhorar sua comunidade, isso não deve ser feito à custa da perda de suas casas. “Na verdade, estão nos matando fazendo isso”, disse o morador anônimo, “destruindo o principal para uma família, a moradia. [Nos deixando] sem perspectiva de nada”.