Apresentando o Desenvolvimento Comunitário Baseado em Ativos (DCBA)

Quatro Práticas de DCBA que Promovem a Justiça Social

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Leia a matéria original por Ron Dwyer-Voss e Indigo Bishop, em inglês, no Shelterforce aquiO RioOnWatch traduz matérias do inglês para que brasileiros possam ter acesso e acompanhar temas ou análises cobertos fora do país que nem sempre são cobertos no Brasil. 

Há mais de 25 anos, Jody Kretzmann e John McKnight cunharam o termo Desenvolvimento Comunitário Baseado em Ativos (DCBA) para descrever uma bem-sucedida abordagem para gerar mudanças no nível das comunidades que eles haviam observado em todo os Estados Unidos. A ideia era simples: as comunidades locais poderiam fazer mais juntas, optando por se concentrarem no que possuíam—seus dons, talentos e ativos da comunidade—em vez de se concentrarem no que careciam. Era uma maneira de fortalecer o capital social da comunidade e planejar mudanças.

Devido à sua simplicidade, viabilidade e reflexo da realidade, a abordagem do DCBA se espalhou “sem nenhum esforço ou plano de nossa parte”, disse John McKnight. Outras pessoas disseram que o DCBA se espalhou porque reconheceu e honrou a dignidade de indivíduos e comunidades há muito descritos como carentes e deficientes.

No centro dos esforços de justiça social está a combinação de poder e amor. No cerne do DCBA estão os princípios de inclusão, dignidade e democracia. Segundo nossa experiência, a abordagem do DCBA é mais compatível com uma agenda de justiça social do que o desenvolvimento comunitário tradicional. Abaixo estão quatro práticas do DCBA que apoiam as estruturas de justiça social quando os profissionais as tornam explícitas e intencionais.

1. Reconheça o Valor de Cada Pessoa e Cada Comunidade

Os profissionais do DCBA assumem que cada pessoa tem dons, talentos e valores que podem contribuir para a comunidade. Os profissionais criam oportunidades para os moradores oferecem seus dons e para que eles construam relacionamentos como resultado do compartilhamento entre eles. Nesse processo, todos os moradores são essenciais e a liderança não se limita a oradores públicos carismáticos ou articulados.

Cada comunidade também possui valores e ativos. Os profissionais do DCBA geralmente iniciam um projeto comunitário com um “mapa” criado pela comunidade dos ativos do bairro. Enquanto a maioria dos desenvolvedores comunitários chama bairros pobres de “guetos” ou os considera áreas com ausência de valor ou recursos, o DCBA não o faz. Ao reconhecer os ativos de cada comunidade em primeiro lugar, os profissionais do DCBA podem mobilizar uma riqueza de recursos inexplorados que foram anteriormente negligenciados. Ao fazer isso, o DCBA reconhece essas comunidades como cheias de valor e dignas de justiça.

2. Priorize a Inclusão

Como cada pessoa é valorizada, a inclusão é fundamental. Os profissionais do DCBA sempre se perguntam: “Quem está aqui, quem não está aqui e como podemos agir para que aqueles que não estão aqui, além de serem bem-vindos, tenham um lugar e valor claros?” O DCBA, como outras abordagens de organização comunitária, investe bastante na construção de relações entre aqueles tradicionalmente excluídos das tomadas de decisão e das estruturas de poder, no reconhecimento do seu valor e no convite para que ocupem espaços de tomada de decisão.

3. Cultive o Poder Localmente

  • O que podemos fazer com nossos ativos?
  • O que podemos fazer com nossos ativos e uma pequena ajuda de fora?
  • O que precisamos que outros de fora façam?

A maioria das comunidades que trabalham com essas três perguntas costuma se surpreender ao descobrir que 70% a 80% do que desejam para a comunidade são coisas que podem fazer por si mesmos ou com uma pequena ajuda de fora.

O processo de mapeamento de ativos [nota do editor: leia aqui sobre o mapeamento de ativos a partir de um ponto de vista de artes e cultura], seguido pelas respostas a essas perguntas, revelam que a comunidade tem poder. Pode ser importante reorganizar e concentrar parte desse poder para alterar os sistemas de opressão que afetam a comunidade, mas o DCBA começa com a identificação do poder da própria comunidade e o desenvolve a partir daí. Em geral, as comunidades foram treinadas para esperar que a prefeitura, as escolas, o departamento de parques, a polícia ou uma grande instituição local decidam priorizar as necessidades dos moradores e depois as forneçam. Essa abordagem focada no poder externo à comunidade geralmente leva a uma dependência e vulnerabilidade, em vez de levar a uma autonomia e poder.

4. Veja as Instituições Como Prestadoras de Serviço

No DCBA, instituições (como escolas, hospitais, governo local, organizações sem fins lucrativos, prestadores de serviços sociais, polícia, etc.) não são vistas como as principais soluções para os problemas. São fontes importantes de recursos que podem ser compartilhados e mobilizados em apoio a soluções lideradas por moradores. Olhando através da lente da justiça social, esses recursos pertencem à comunidade e devem ser utilizados de maneira a fortalecer o poder da comunidade, em vez de aprofundar a dependência da comunidade em relação aos poderes externos. Com bastante frequência, as injustiças reproduzidas nos sistemas é devido à exploração feita pelas instituições dos recursos que são na verdade das comunidades. No DCBA, um mundo mais justo torna-se possível quando as instituições usam os recursos que colheram para apoiar, ao lado ou em segundo plano, os moradores da comunidade e seus ativos.

As estruturas de justiça social e as abordagens do DCBA se sobrepõem consideravelmente. De fato, há tanta sobreposição que muitos profissionais de longa data do DCBA presumiam que a prática do DCBA era resultado do movimento dos direitos civis e da justiça social em todo o país. Muitos pensavam que não era preciso nem dizer em voz alta para saber que o DCBA estava enraizado no princípio da justiça social e nas práticas anti-racismo. Mas é preciso dizer em voz alta. Nós do movimento DCBA especificamente, mas também no campo do desenvolvimento comunitário em geral, devemos ser explícitos para evitarmos ser cúmplices.

Além dos princípios e práticas centrais do DCBA, existem maneiras pelas quais os profissionais do DCBA podem e devem se envolver em uma denúncia mais direta de políticas e procedimentos racistas e práticas de desenvolvimento comunitário que levam à gentrificação e a remoções em comunidades pobres e negras.

Então, como o movimento do DCBA e o campo de desenvolvimento comunitário podem se alinhar melhor aos movimentos de justiça social e avançar em uma missão conjunta de busca pela equidade? Aqui estão alguns pontos de partida:

  • Articule um compromisso deliberado de promover a equidade e a inclusão em salas de estar, oficinas, apresentações e reuniões. Se não falamos com todas as letras, é difícil para os outros saberem o que queremos dizer.
  • Identifique e dê nome aos sistemas que criam desigualdade, exclusão e divisão e fale também do papel que exercemos neles. Assim como a identificação de ativos revela e libera o poder das comunidades locais, identificar onde e como nossos sistemas são injustos é um passo essencial para combater as injustiças.
  • Dê o microfone e os holofotes para aqueles que sentem na pela as desigualdades sistêmicas e incentive-os a assumir papéis de liderança. Abra espaço para que exerçam papéis específicos. Pague-os. Quando eles não vierem pela primeira vez, convide-os novamente! Repita.
  • Analise orçamentos, estruturas de governança e estratégias como parte de um esforço para torná-los verdadeiramente democráticos, participativos e inclusivos.
  • Reflita, individual e coletivamente, para entender o papel do racismo e do preconceito em nossos próprios relacionamentos e no nosso trabalho.

Como você vê o DCBA sendo usado para combater os sistemas de racismo e opressão onde você mora? Vamos compartilhar nossas histórias.

Slide comparativo do desenvolvimento tradicional praticado pelo governo (esquerda) e DCBA (direita) nas favelas do Rio, preparado pela Comunidades Catalisadoras (ComCat).

Ron Dwyer-Voss trabalha nas áreas de organização e desenvolvimento comunitário há mais de 30 anos. Ele começou a trabalhar com o modelo de Desenvolvimento Comunitário Baseado em Ativos enquanto trabalhava com desenvolvimento comunitário no sul e no oeste de Chicago. Desde então, ele vem aprendendo com moradores e líderes de comunidades afro-americanas, latinas e do sudeste asiático em ambientes urbanos e rurais. Ele mora em Sacramento, Califórnia, onde vive no mesmo bairro há 23 anos. Ele faz parte do corpo docente do Instituto DCBA da Universidade DePaul.

Indigo S. Bishop trabalha para a Autoridade Metropolitana de Habitação do Condado de Cuyahoga (CMHA) no estado de Ohio como administradora do programa Choice Neighborhoods (iniciativa criada na administração Obama que fornece recursos financeiros a líderes locais de bairros com altos índices de pobreza para que eles apliquem de acordo com as necessidades dos moradores) e faz parte do corpo docente do Instituto DCBA da Universidade DePaul.


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