Esta é a nona matéria de uma série gerada por uma parceria, de um ano, com o Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego na Califórnia, para produzir matérias sobre direitos humanos e justiça socioambiental em favelas para o RioOnWatch.
Nesse Dia Internacional da Mulher, homenageamos as mulheres de favelas que além do trabalho de dentro de casa, também buscam fazer a diferença fora de casa, promovendo a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente que as circundam. Aqui, escolhemos seis mulheres participantes do Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos da Rede Favela Sustentável* para apresentarmos brevemente suas histórias inspiradoras. Confira:
Cris dos Prazeres — ReciclAção, Morro dos Prazeres
Cris dos Prazeres, como é conhecida Zoraide Gomes, é moradora do Morro dos Prazeres, na Zona Central da cidade, e uma das fundadoras e realizadoras do Grupo PROA, Prevenção Realizada com Organização e Amor, através da qual implementa o projeto ReciclAção. O projeto começou após a catástrofe de 2010 na qual um deslizamento de terra causado em grande parte por lixo acumulado na encosta, matou mais de 30 pessoas. Com o objetivo de lidar com o acúmulo de lixo não recolhido e engajar moradores com atividades de reciclagem através da educação ambiental, Cris e seus parceiros lançaram o ReciclAção. Moradores depositam resíduos recicláveis em 20 ecobags gigantes distribuídas pela comunidade, e o lixo é enviado para a ONG recicladora EccoVida, em Honório Gurgel. A receita é reinvestida nos programas de educação. A ação, além de diminuir o risco de deslizamentos e produzir redução no desperdício, fomenta a melhora na saúde no dia à dia dos moradores, pois o lixo acumulado na rua se torna propício a propagação de doenças.
Através do Grupo PROA, além de Cris e suas parceiras fomentarem oficinas de reaproveitamento de resíduos (por exemplo, para transformar óleo em velas e sabão, cápsulas de café em brincos) e consumo consciente de recursos naturais, ações de coleta seletiva e reciclagem e campanhas educativas, elas possibilitam também outras iniciativas na comunidade, desde conscientização sobre HPV à aulas de programação.
“Se você quer exemplo, você precisa dar o exemplo. Você precisa mostrar que acredita para que o outro também possa acreditar.” — Cris dos Prazeres
Ilaci de Oliveira — Cooperativa Transvida, Vila Cruzeiro
Ilaci de Oliveira é moradora da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Zona Norte, e fundadora-diretora da Cooperativa Transvida. Há mais de 25 anos ela trabalha com diversos projetos sociais, uma vida dedicada à população “mais pobre e mais carente da Penha”, segundo ela. A Transvida visa não só lidar com a questão do lixo na comunidade e promover consciência socioambiental, mas também transformar a vida dos moradores pela ressocialização através da geração de rende proveniente da coleta de resíduos. Já conseguiram devolver uma praça que era coberta de lixo ao uso dos moradores. Ilaci teve a ideia de formar a cooperativa quando viu um grupo de moradores catando lixo em 2011. Desde então, atua intensamente para fortalecer os membros da cooperativa e realizar a transformação da comunidade.
Além do seu trabalho dirigindo a Transvida, Ilaci também atua na alfabetização, reforço escolar, oficinas de leitura e artesanato com crianças e adolescentes que acompanhavam catadores de lixão. Assim, em sua própria casa, nasceu o Instituto Nacional Lar dos Sonhos.
“Para mobilizar as pessoas é importante escutá-las, mapear na comunidade quem é solidário e ir até a casa das pessoas para conhecer e conversar pessoalmente.” — Ilaci de Oliveira
Josefa Maria — Verdejar Socioambiental, Serra da Misericórdia
Dona Josefa é artesã e voluntária do Verdejar, uma organização socioambiental fundada em 1997 para reflorestar a Serra da Misericórdia, no entorno do Complexo do Alemão, Zona Norte, que conta com horta, oficinas de educação ambiental e projetos de audiovisual. Dona Josefa realiza oficinas de óleo reaproveitado de sabão e artesanato com material reutilizado, como a moldura da foto, além de estar criando em sua casa um EcoPonto, que contará com oficinas, atividades de reciclagem e distribuição de mudas. O objetivo é não só deixar a comunidade mais limpa e sustentável, mas gerar renda para os moradores.
“A gente vê tanto material descendo ladeira abaixo. Eu não vejo plástico, eu não vejo resíduo. Eu vejo dinheiro descendo ladeira abaixo. Não só para mim, mas para os outros moradores. E quero passar para eles que tem um destino certo a ser dado a esses materiais.” — Dona Josefa
Lidiane Santos — EcoRede, Cidade de Deus
Lidiane Santos é uma das coordenadoras do Projeto EcoRede, iniciativa do Alfazendo na Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio. Desde seus 5 anos mora na comunidade, se tornando professora de Ciências Biológicas, formada pela UFRJ em 2017. EcoRede é um projeto da organização Alfazendo, que promove aulas de alfabetização, curso pré-vestibular e outros serviços de educação para os moradores da Cidade de Deus desde 1998. O EcoRede, por sua vez, foca em soluções coletivas por meio de metodologias participativas para os desafios ambientais enfrentados pela comunidade, visando promover saúde e melhoria na qualidade de vida dos moradores. Isso é feito por meio de educação ambiental, comunicação, formação continuada, profissionalização de catadores e desenvolvimento local.
Além de plantar hortas nas escolas, promover oficinas de criação de brinquedos com material reciclado, e realizar a conscientização alimentar, o EcoRede aposta muito na profissionalização dos catadores, o que inclui curso de formação, informação sobre seus direitos e acesso a serviços públicos. O EcoRede também promove mudança de hábitos dentre os moradores no descarte de lixo e o estabelecimento de EcoPontos onde o descarte pode ser feito corretamente. O EcoRede fez parte dos intercâmbios da Rede Favela Sustentável de 2018:
Os organizadores do projeto acreditam que todas essas ações levam a uma valorização da comunidade pelos moradores, que em vez de querer sair dela, preferem melhorá-la. Lidiane conta que a missão do Alfazendo revolucionou sua vida e que os objetivos do Projeto EcoRede uniram as peças da sua formação pessoal e acadêmica que antes não faziam sentido, pois ali viu a oportunidade de ser protagonista na transformação ambiental do lugar onde mora.
“Nós ouvimos muito sobre proteger a Floresta Amazônica, por que não tentar preservar o lugar onde você está morando?” — Lidiane Santos
Valdenise Brandão — Comlurb, Maré
Valdenise, ou Val, como é conhecida, é moradora de Belford Roxo na Baixada Fluminense, mas enquanto gari da Comlurb atua na Maré, na Zona Norte do Rio. A partir do trabalho na Comlurb, ela começou a tocar projetos sociais na comunidade, dentro e também voluntariamente além do serviço oficial, como jardins sustentáveis de canteiros em praças públicas onde antes havia descarte irregular de lixo, além de atuar na limpeza do Piscinão de Ramos e com reciclagem de objetos encontrados no lixo, criando inclusive peças de brinquedos, mesas e bancos originais para as praças. Sua experiência, criatividade e dedicação já lhe rendeu muitos convites, na imprensa internacional e para apresentar seu trabalho em fóruns públicos. Inclusive, no ano passado, foi convidada para falar sobre reurbanização para alunos da Faculdade de Arquitetura, faculdade que sonha cursar, na UERJ de Petrópolis.
Desde a adolescência a Val já criava junto às amigas panfletos para a conscientização sobre a preservação do meio ambiente.
“Temos que tirar essa ideia de que estamos trabalhando para o outro. Eu, por exemplo, limpo as ruas também para eu mesma. O lixo tem uma riqueza imensa e nem todo mundo percebe, nem mesmo o governo.” — Valdenise Brandão
Vania Nascimento — Lata Doida, Realengo
Vania, artesã e agente ambiental, começou em 2004, junto com seus filhos Vandré e Vanielle, o Lata Doida, uma associação sem fins lucrativos, que também é reconhecida como Ponto de Cultura de Realengo, na Zona Oeste. O Lata Doida desenvolve projetos socioculturais e ambientais e procura ocupar áreas e transformá-las em espaços de manifestações artísticas, articulações comunitárias, esporte e lazer. Para isso, são realizadas oficinas de música e de criação de instrumentos a partir de materiais reciclados, que são inclusive utilizados em shows pela Banda Lata Doida:
Enquanto os filhos focam nas oficinas de música, Vania dá oficinas de artesanato para as mães dos alunos, produz os cenários para as apresentações musicais e pinta os instrumentos. Outras atividades incluem oficinas sobre saúde corporal e mental com catadores e coleta seletiva, realizadas por meio do projeto Catando Ideias, em parceria com a Clínica da Família Armando Palhares Aguinaga. Nesse projeto, a ideia é promover o reconhecimento do catador como profissional, além de realizar oficinas de arte voltadas para a educação ambiental e a coleta de óleo vegetal para produção de sabão e consequente geração de renda.
“Quando eu despertei para essa questão do lixo—de que há muito lixo na rua e de que isso era um problema para minha comunidade—eu comecei a prestar atenção no catador também. Nesse momento, eu fui fazer a faculdade de gestão ambiental e criei [o Catando Ideias], e comecei a falar de como era importante a gente limpar a nossa comunidade… [e] recolher o material de forma correta.” — Vania Nascimento
*RioOnWatch e a Rede Favela Sustentável são projetos da Comunidades Catalisadoras.