A Autoestrada Lagoa-Barra separa a favela da Rocinha, localizada na Zona Sul, do bairro adjacente de São Conrado. A rodovia barulhenta de duas faixas começa na Barra da Tijuca, passa por São Conrado, ao lado da Rocinha e, finalmente, passa embaixo do morro da Rocinha pelo Túnel Zuzu Angel antes de sair no bairro da Gávea. Também conhecida como Autoestrada Engenheiro Fernando Mac Dowell, a construção da rodovia, em 1971, foi fundamental para muitos outros desenvolvimentos contemporâneos na área, incluindo calçadas, novos edifícios e a atual área da orla. Mas enquanto impulsionava o crescimento demográfico e econômico na Barra da Tijuca e São Conrado, a autoestrada também se tornou uma barreira física, impedindo que os moradores da Rocinha entrassem nos dois bairros afluentes: uma fronteira que separa a favela dos ricos.
Viver no lado sudoeste da estrada—no lado de São Conrado—significa ter acesso a melhores infraestruturas, saneamento e oportunidades. Isso significa ter uma renda anual quase doze vezes maior que a dos moradores da Rocinha, a uma distância de cinco minutos a pé. Significa viver em altos edifícios residenciais com vista para o oceano, em oposição à textura irregular de casas baixas de tijolos que cobrem o morro. Assim como os moradores de São Conrado e Rocinha compartilham uma estação de metrô (reveladoramente denominada “São Conrado”), saindo do lado de São Conrado, significa caminhar pelas ruas mais caras de todo o Rio de Janeiro: o bairro ainda tem seu próprio shopping e clube de golfe. Enquanto isso, muitos moradores do lado da Rocinha não têm acesso adequado a saneamento básico e outros serviços públicos básicos.
A Autoestrada Lagoa-Barra é um exemplo de barreira urbana: um obstáculo que impede o movimento fácil e define dois espaços separados. Embora em estudos urbanos, o termo “barreira urbana” possa se referir a diferentes tipos de barreiras físicas encontradas em ambientes urbanos ou que fazem parte da vida urbana, eles compartilham a característica de limitar o acesso a parte de uma cidade para um determinado grupo de moradores. Em seu artigo Planejando a Cidade Contra Barreiras: Aprimorando o Papel dos Espaços Públicos, a arquiteta e professora Aleksandra Sas-Bojarska, da Universidade de Tecnologia de Gdansk, escreve que “nossas cidades contemporâneas estão sendo fragmentadas por um número crescente de barreiras técnicas, como estradas, ferrovias e objetos de infraestrutura, que geram uma variedade de problemas de naturezas diferentes”. Entre esses problemas, há desvantagens funcionais, desigualdade no acesso às próprias oportunidades que as cidades oferecem e segregação das minorias. Dessa forma, as barreiras urbanas contêm e definem desigualdades sociais. Elas separam as pessoas. Como resultado, essas pessoas podem ter experiências completamente diferentes da mesma cidade.
O estudo da OCDE Cidades Divididas: Compreendendo as Desigualdades Intra-Urbanas, mostra que a segregação espacial e as barreiras físicas contribuem para perpetuar a desigualdade social e econômica existente. Por exemplo, aqueles que vivem em bairros desconectados do transporte público tendem a ter renda mais baixa porque têm acesso mais limitado a oportunidades de emprego em comparação com os moradores de bairros mais conectados. O estudo, realizado pelo Paolo Veneri, do Centro de Empreendedorismo, PME, Regiões e Cidades da OCDE, demonstra uma associação clara e inegável entre a segregação de renda e as características da cidade, como tamanho, nível de renda e planejamento urbano. De fato, como as cidades são construídas e estruturadas influencia o acesso dos moradores a outras pessoas, recursos comuns e outros recursos importantes da cidade. De acordo com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas, “ambientes, infraestruturas, instalações e serviços urbanos podem impedir ou permitir, perpetuando a exclusão ou promovendo a participação e a inclusão de todos os membros da sociedade”.
No Rio de Janeiro, as barreiras urbanas são um aspecto central da vida da cidade. Os bairros das classes baixa e alta residem incrivelmente próximos um do outro e ainda assim permanecem completamente separados. Apesar da extrema proximidade da Rocinha com os dois bairros de elite da Gávea e São Conrado, os moradores estão profundamente cientes da presença de limites: costumam dizer que as pessoas vivem “dentro” ou “fora” da favela, como se uma fronteira real os separasse do resto do Rio.
O planejamento da cidade e as intervenções urbanas podem ser ferramentas preciosas para superar as barreiras físicas e também as internalizadas. Eles também podem ser testemunhos das desigualdades existentes e perpetuar o status quo. Uma passarela de pedestres é há décadas fundamental para conectar a Rocinha e São Conrado, pela Autoestrada Lagoa-Barra. Em 2010, a passarela de 60 metros foi aprimorada com um design do renomado arquiteto Oscar Niemeyer, custando R$15 milhões. O viaduto conecta a comunidade a um complexo esportivo.
A forma curvilínea e majestosa da passarela é reconhecível de longe, agindo para alguns como um símbolo incisivo de integração, convidando visualmente os transeuntes a entrar na comunidade. Para outros, no entanto, é um símbolo de recursos públicos mal utilizados. Em vez de investir em serviços críticos como esgoto na favela, os fundos foram usados nas margens da comunidade para tornar a passagem mais suportável àqueles na Autoestrada Lagoa-Barra, eles argumentam.
O Viaduto de Niemeyer foi um dos vários projetos de urbanização ocorridos na Rocinha, como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) lançado em 2007, que visava acelerar o crescimento do Brasil por meio de investimentos em projetos de construção, saneamento e transporte. Elogiado no início dos anos 2000 por sua construção de obras públicas na Rocinha e em outras favelas, o PAC foi criticado por ignorar obras mais fundamentais de esgoto e infraestrutura antes de finalmente ser abandonado com mudanças na liderança nacional e quando o país mergulhou em sua recessão pós-2015.
Outras obras públicas do PAC, supostamente destinadas a promover a conectividade, têm atrapalhado ou atraído críticas generalizadas por seu foco em obras de alta visibilidade e amigáveis a turistas acima de moradores. Os teleféricos agora imobilizados no Morro da Providência e Complexo do Alemão são um testemunho dos problemas do planejamento urbano de cima para baixo; os moradores lutaram com unhas e dentes contra planos semelhantes ao teleférico para a Rocinha.
Para alcançar uma cidade inclusiva, a política urbana deve se comprometer com a integração social como uma ferramenta fundamental para enfrentar os desafios do Rio de Janeiro, reconhecendo o poder das favelas como parte do desenvolvimento da cidade e não como algo a ser cercado. A desconstrução das barreiras urbanas através do desenho urbano é fundamental para garantir aos moradores de favelas seu direito à cidade, garantindo integração e igualdade.