Coronavírus nas Favelas, Parte 7: Morador do Turano Desmascara Racismo Estrutural na Pandemia

Click Here for English

Essa matéria oriunda do Morro do Turano, é a sétima de uma série sobre o impacto da pandemia do coronavírus no dia a dia das favelas, em parceria com o Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros da Universidade Estadual de San Diego.

Este relato foi escrito por Paulo Jorge Gomes Pereira, morador do Morro do Turano. O Complexo do Turano, localizado na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, é formado por sete localidades e tem cerca de 13.000 moradores

“Quem Será Responsabilizado por Essa Vida Perdida? O Vírus?

A pandemia do novo coronavírus levou autoridades a fecharem suas fronteiras, impediu pessoas de circularem e de consumirem, fez o mundo parar para conter um vírus minúsculo e invisível. Mas uma coisa ela não conseguiu: modificar a estrutura racista no Brasil. Aqui na favela do Turano, você olha pela janela e o que se vê é a vida acontecendo “normalmente”. Isso me dá muito medo. As pessoas aqui não têm condições de obedecer às recomendações do governador para ficarem em casa por alguns motivos, dentre eles a falta de consentimento dos patrões e o fato de que se não trabalharem, não recebem o salário e assim tem dificuldades em sustentar suas famílias. O lema no Brasil é Deus acima de tudo e o patrão acima de todos.

Eu moro com a minha mãe e minha tia, ambas do grupo de risco para a Covid-19. Minha mãe está em casa neste período de pandemia, mas minha tia continua trabalhando cuidando de uma idosa. Seus patrões não podem liberá-la por acharem que “dependem dela” para esse cuidado. Não importa se no mundo inteiro há a recomendação para que as pessoas se isolem em suas casas e protejam suas vidas. As famílias de classe média e alta, majoritariamente brancas, são incapazes de tirar seu próprio lixo e cuidar de seus próprios familiares. 

E o direito de proteger nossas vidas? Os nossos mais velhos são os mais vulneráveis dentro do grupo de risco frente ao colapso do já “colapsado” sistema de saúde. Mesmo assim, continuam obrigados a sair para cuidar dos brancos como se eles fossem mais frágeis e indefesos. Foi muito emblemático que a primeira morte por Covid-19 no Rio de Janeiro tenha sido a de uma empregada doméstica que prestava cuidados à patroa doente, contaminada pelo coronavírus. Esse é o retrato do racismo em tempos de pandemia. Quem será responsabilizado por essa vida perdida? O vírus?

Pandemia Como Arma Biológica Contra a População Negra

Todos os dias quando minha tia sai para trabalhar, fico muito preocupado. Tenho pânico dela nos submeter ao risco da doença, por não poder ficar em casa. O jeito é a gente se proteger da maneira que pode, lavando as mãos e passando álcool em gel, quando têm. A cada dia, bate a neurose de ter sido contaminado. O custo emocional dessa pandemia está saindo muito caro para a gente. Já vivemos uma constante sensação de medo da violência policial por causa da nossa cor e da nossa vulnerabilidade social. Agora temos mais essa preocupação.

Dá medo de ir ao mercadinho ou de sair para resolver alguma coisa, porque as ruas estão cheias de gente. Quase ninguém aqui usa máscara ou se protege. A desinformação é outro grande problema que, legitimadas pelas declarações do Bolsonaro, contribuem para esse comportamento descrente das pessoas.

O próprio presidente, que trouxe em sua comitiva 23 pessoas infectadas dos EUA e ajudou a espalhar a pandemia no país, ordenou, em rede nacional, que as pessoas voltassem ao trabalho. De quem vocês acham que ele está falando? Seria daqueles que estão em casa fazendo home office e pedindo comida pelo iFood? Vocês acham que ele está preocupado em manter os nossos empregos? Ele está ali representando os empresários. Para eles, nós somos apenas um rebanho onde a perda de uns gados é facilmente substituída tendo em vista a massa populacional em condição de subemprego, esperando por uma oportunidade.

É verdade que o vírus atinge pessoas de todas as classes sociais, mas isso não nos iguala como seres humanos. Nós não estamos no mesmo barco. Alguns estão em condições bem mais confortáveis, pois tem comida, água, remédios e empregados para levar o lixo para fora. Enquanto a gente vê, no mundo inteiro, líderes tomando medidas para proteger a vida da população, aqui transformaram a pandemia numa arma biológica contra a população negra, pobre e vulnerável. O que estão fazendo tem nome, e se chama genocídio!

Medidas para penalizar os patrões que estão colocando a vida dos trabalhadores e trabalhadoras em risco precisam ser discutidas e colocadas em prática já! Precisa-se criar canais para denunciar empregadores que descumpram às recomendações da quarentena, permitindo que trabalhadores fiquem em casa, sem perder seus salários. A postura do governo federal é genocida, e está cometendo um atentado contra as nossas vidas. Este governo está com mãos tão sujas, que nenhum álcool em gel as limpará!

Para racistas, a lei!

Paulo Jorge Gomes Pereira tem 34 e é trabalhador informal, filho de empregada doméstica, negro, morador do Turano.


Apoie nossos esforços para fornecer assistência estratégica às favelas do Rio durante a pandemia de Covid-19, incluindo o jornalismo hiperlocal, crítico, inovador e incansável do RioOnWatchdoe aqui.