Esta é a nossa mais recente matéria sobre o novo coronavírus e seus impactos sobre as favelas.
As impressoras 3D de Lucas Lima ficam ao lado de sua cama, espalhadas sobre sua mesa e em diversas cadeiras de plástico. Das dez impressoras da sua casa no Complexo do Alemão, na Zona Norte, ele próprio construiu sete delas. Se ele deixar duas funcionando boa parte do dia, Lucas consegue produzir por volta de 10-12 protetores faciais por dia.
Lucas está pretendendo aumentar a produção assim que possível. Seis de suas impressoras queimaram em uma sobrecarga de energia, diz o engenheiro mecânico de 25 anos de idade, frustrado. “Já consegui consertar duas, agora terei quatro impressoras produzindo. Amanhã conserto mais uma e depois monto mais duas.”
Ao passo que o Complexo do Alemão enfrenta mais de 1.000 casos suspeitos da Covid-19, os postos locais de saúde estão criticamente mal-abastecidos. Com um quarto dos hospitais do Rio reportando abastecimento insuficiente de equipamentos de proteção pessoal, Lucas se preocupa com a capacidade dos trabalhadores de saúde de se protegerem da infecção.
“Os caras estão na linha de frente para nos ajudar caso a gente fica infectado. Estão correndo o maior risco possível”, disse Lucas. “Tem que ajudar, cara. E ainda mais a UPA do Alemão.”
Apenas há alguns meses, Lucas havia sido reconhecido nacionalmente por ter desenvolvido um protótipo de impressora 3D de baixo custo, como parte de um programa de estágio universitário. Chocado com os preços das impressoras no mercado (a partir de R$17.000), ele começou a vasculhar pelas lojas de sucata ao redor da sua comunidade do Morro de Deus, uma das 15 favelas que constituem o Complexo do Alemão. Após semanas se debruçando sobre vídeos no YouTube e em manuais online, ele montou sua própria máquina por apenas uma parcela do preço, batizando a impressora 3D de ‘Maria’, em homenagem à sua mãe. “Eu estudei engenharia mecânica por cinco anos e odiei. Ela foi a única que aguentava minhas reclamações,” brinca Lucas.
Após a formatura, ele elaborou planos para montar seu próprio centro de produção de impressoras 3D, Infill, e um curso técnico para os jovens do Alemão chamado Maker Space. Ele achou o local ideal em um armazém a minutos de distância de sua casa.
E então veio a Covid-19.
Lucas fez uma reviravolta, se juntando à SOS3DCovid-19, uma iniciativa de técnicos de impressões 3D (“makers”) baseada na universidade, que produz suprimentos médicos para hospitais no Rio. A tarefa era simples: imprimir protetores faciais e mandá-los para profissionais da saúde que os necessitassem.
Para Lucas, no entanto, isso significaria viagens de Uber de 20km ida e volta para a PUC-Rio, ao buscar materiais para os protetores e entregar produtos finalizados. “A minha logística ficava tão cara, tinha que ir para PUC levar para eles fazerem a distribuição nos hospitais cadastrados lá. Eu falei [para mim mesmo], que vou ter que ir para PUC, levar, voltar, gastar dinheiro. Por que eu não faço a distribuição aqui na comunidade?”
Ele trouxe essa ideia ao resto do grupo: “Falei, cara, hospital na comunidade é outra realidade. Vocês estão levando para hospitais ali em frente [à PUC], legal, mas em outras comunidades o pessoal não vai para os hospitais, eles vão para UPAs.” UPAs são a opção mais próxima de casa oferecendo atendimento médico para muitos moradores de favela. Dentro do sistema de saúde, elas são projetadas para serem as principais vias de atendimento, cuidando de pacientes menos graves e transferindo casos urgentes aos hospitais. Com a chegada do coronavírus, as UPAs do Rio se encontram superlotadas e sobrecarregadas.
A SOS3D o ouviu e formulou um plano de ação para trazer protetores faciais e outros materiais às UPAs, Clínicas da Família (responsáveis pelo atendimento básico), projetos voluntários de doações e às forças militares. Lucas imediatamente se preparou para atender seu bairro.
Através de Rene Silva, fundador do jornal com base na favela do Alemão, Voz das Comunidades, Lucas descobriu que a Clínica da Família mais importante do Alemão, Zilda Arns, estava precisando desesperadamente de suprimentos. A Clínica, conectada à UPA central do Alemão, já recebeu uma média de 50 a 70 casos suspeitos de coronavírus por dia. Quando Lucas conversou com o gerente da clínica, Dr. Glauco Sousa, Lucas viu que a equipe havia até mesmo esgotado sua reserva de álcool em gel. Além de providenciar uma sacola com 30 protetores faciais, Lima contactou algumas pessoas da UFRJ, que enviaram mais de 20 litros de álcool em gel. “Ele está sendo um super parceiro nesse momento de crise”, disse Glauco ao RioOnWatch.
Agora, Lucas está pretendendo entregar protetores faciais para outros dois postos de saúde no Alemão, assim como para projetos sociais locais que começaram a distribuir pacotes de comida e kits de higiene. Dentre eles, está o projeto dos jovens ligados a lutas marciais e desenvolvimento pessoal, Abraço Campeão. Para o fundador do Abraço Campeão e morador de longa data do Morro do Adeus, Alan Duarte, os protetores faciais são perfeitos. “A gente vai usar eles esse fim de semana na nossa distribuição de cesta básica”, disse Alan. “A gente vai ser os médicos dos becos.”
A concepção de comunidade de Lucas se estende a todas as favelas do Rio. “É nós por nós,” ele disse. “Se a gente não se ajuda aqui dentro da comunidade, com uma união de comunidades, o futuro da gente daqui a uns meses pode ser muito ruim.”
Alguns dias depois, ele partiu casa afora até a Cidade de Deus na Zona Oeste, e encontrou com Jota Marques da Frente CDD Contra a Covid-19 para entregar protetores faciais aos voluntários de distribuição de comida do seu grupo. “Esse é o momento de se unir,” disse Lucas. “A gente mora em comunidade, [então] temos que trabalhar em comunidade também.”